Aos títulos de juiz federal responsável pela maior operação de combate à corrupção já vista no País, ministro da Justiça e Segurança Pública no controverso governo do presidente Jair Bolsonaro e agora potencial candidato ao Planalto nas eleições de 2022, Sérgio Moro pode adicionar a credencial de autor da própria biografia. E não é no sentido figurado. O rosto da Lava Jato lança nos próximos dias o livro Contra o sistema da corrupção, pela Editora Sextante, em que expõe em primeira pessoa os altos e baixos da carreira.
O Estadão conversou com o ex-ministro, que nega pretensões eleitoreiras com a obra, lançada a menos de um ano da corrida pela cadeira presidencial e em meio ao clima de campanha precoce que rodeia os nomes cotados para a disputa.
“São coisas absolutamente distintas. O projeto do livro eu iniciei quando eu saí do Ministério”, assegura. “Houve muitas tentativas de distorção sobre o que aconteceu. O livro vem com o propósito de colocar esses fatos e explicar aos leitores todas as decisões que foram tomadas.”
O texto, no entanto, guarda semelhança com o discurso de filiação ao Podemos, que selou sua entrada na vida política em um evento organizado no diretório nacional do partido, em Brasília, no último dia 10. Da ode ao combate à corrupção até a estratégia de colocar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem mandou para a cadeia na Lava Jato, como dois lados de uma única moeda, a mesma retórica recheia as entrelinhas.
“Não conseguimos avançar se os incentivos são errados, como o mensalão, o petrolão e agora esse cenário do orçamento secreto, que falta transparência, que gera pulverização do orçamento. Ou seja, nós não estamos indo na direção correta”, corrobora Moro na entrevista. “As coisas não vão melhorar enquanto o País estiver nos trilhos errados, como está agora, como esteve durante o governo do Partido dos Trabalhadores.”
O livro é dividido em duas partes: a primeira dedicada ao período na magistratura, com destaque esperado para o trabalho desenvolvido ao longo dos cinco anos em que esteve à frente dos processos derivados da Operação Lava Jato, e a segunda reservada à passagem pelo governo federal, encurtada pelo rompimento com o presidente, a quem acusa de tentar interferir politicamente na Polícia Federal.
Entre os relatos de um período e do outro, o ex-ministro encontrou espaço para opinar sobre temas como economia, gestão da pandemia, questão indígena e outros. Também não poupou críticas ao Supremo Tribunal Federal, que anulou as condenações impostas a Lula na Lava Jato e o declarou parcial ao analisar as ações envolvendo o ex-presidente.
“É importante destacar que o combate à corrupção, a construção de um País mais íntegro, não é um propósito pessoal”, diz Moro. “Eu faço essa abordagem crítica de decisões que o Supremo tomou, com todo respeito, porque foram decisões que realmente não foram favoráveis para o fortalecimento do combate à corrupção. No entanto, se houvesse um Planalto comprometido com o tema, ele seria um contraponto”, acrescenta.
Avesso ao ‘toma lá da cá’ que Bolsonaro prometeu extirpar quando eleito, antes de se aliar ao Centrão, Moro critica no livro o loteamento dos cargos pelo Executivo em troca de apoio político no Congresso. O ex-ministro, no entanto, não parece se filiar a propostas para reformar o atual sistema político, como o semipresidencialismo que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vem tentando incorporar na reforma administrativa.
“O presidencialismo, apesar de criticado, pode funcionar. Agora ele precisa ter um projeto e não pode degenerar nesse presidencialismo do mensalão, do petrolão ou hoje nesse cenário de falta de transparência entre Congresso e Executivo”, diz.
O ex-ministro também rememora reveses importantes que sofreu no Congresso, como a retirada do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do guarda-chuva do Ministério da Justiça e as mudanças promovidas no chamado ‘pacote anticrime’. O histórico não abala a crença de que terá mais manejo político para lidar com os parlamentares.
“É natural que haja eventuais divergências entre o Congresso e Executivo, entre Executivo e Judiciário, isso faz parte da normalidade institucional. O problema nesse caso particular é que os projetos do Ministério estavam sendo sabotados pelo Planalto, aí realmente fica difícil avançar”, pontua.
Leia a entrevista completa:
ESTADÃO: Queria começar perguntando os básicos: quando começou a escrever o livro e quanto tempo levou? Era um projeto pessoal? Foi um convite da editora?
Sérgio Moro: Eu sempre quis relatar os fatos que aconteceram na Operação Lava Jato e depois no Ministério. Eu sempre trabalhei com os fatos e com a verdade, mas infelizmente houve muitas tentativas de distorção sobre o que aconteceu. O livro vem com o propósito de colocar esses fatos e explicar aos leitores todas as decisões que foram tomadas. É natural, então, que tenha surgido depois que eu saí do Ministério. Até pensava em escrever um livro um dia, mas bem mais adiante. Como houve a minha saída do Ministério e um interlúdio antes de outras atividades, eu comecei a trabalhar no livro. Fui procurado por muita gente interessada em publicar o livro e a Sextante foi escolhida para fazer essa publicação.
ESTADÃO: Então entre abril do ano passado até agora vocês estavam trabalhando. É isso?
Sérgio Moro: Um livro é sempre um processo, de escrever e rescrever, de pensar cada frase, cada detalhe. Eventualmente tem coisas que a nossa memória nos prega alguns lapsos e detalhes que ficam interessantes serem reportados. Nesse momento em que a gente assiste vários fatos alternativos, várias tentativas de deturpação do que aconteceu, a publicação do livro é importante. Nós temos ali o resgate de alguns fatos relacionados à minha carreira como juiz, antes mesmo da Operação Lava Jato. A Lava Jato foi a maior operação de investigação sobre a corrupção da história do Brasil, teve consequências no mundo inteiro, houve uma onda anticorrupção, é uma operação aclamada internacionalmente, isso eu presenciei de perto. E deixo bem claro no livro: foi um trabalho institucional, claro que tem indivíduos que fazem diferença nesse trabalho, mas foi um mérito institucional e da sociedade brasileira. E depois o meu período no Ministério, que houve muitos avanços, como relato no livro, no combate ao crime organizado, redução da criminalidade violenta, alguns programas que nós instalamos que até hoje vem surtindo bons efeitos, como por exemplo o banco nacional de perfis genéticos que tem permitido o esclarecimento de vários crimes, os programas de intervenção da força penitenciária nacional… Mas parte do projeto que era fundamental para mim, a consolidação do combate à corrupção, infelizmente não tive o apoio do Planalto e o que se viu, desde a minha saída, foi o desmantelamento.
ESTADÃO: Ao ler o livro, tive a impressão de que tem muitas justificativas para momentos recentes que envolveram tanto a sua atuação como juiz federal, sobretudo na Lava Jato, quanto como ministro do atual governo. O Sr. teve essa intenção de se justificar, se defender ou de registrar sua versão?
Sérgio Moro: Eu não diria uma versão. Eu diria que são os fatos. Os fatos são: a Petrobras foi saqueada durante o governo do Partidos dos Trabalhadores para enriquecimento ilícito de agentes públicos, agentes políticos e financiamento ilegal de partidos políticos. Os fatos são categóricos. Dois: houve uma quebra da promessa, no governo atual, de fortalecimento do combate à corrupção. A Polícia Federal hoje não é a mesma da época da Operação Lava Jato. A gente respeita muito os policiais, os delegados, os agentes, mas é evidente o enfraquecimento da Polícia Federal. O que eu busquei retardar, enquanto estava como ministro da Justiça, para proteger a Polícia Federal, a instituição, mas também o País, porque a Polícia Federal é uma instituição relevante para o País e em mãos erradas ela pode gerar diversos problemas, infelizmente houve esse desmantelamento.
ESTADÃO: O epílogo é direcionado ao leitor, o Sr. se dirige diretamente ele. Quem é esse leitor que tinha em mente enquanto escrevia?
Sérgio Moro: São todas as pessoas. Acho que são momentos históricos relevantes e eu nunca tinha tido a oportunidade de falar sobre eles. Primeiro porque durante o período como juiz você tem uma série de limitações. Segundo, no período do Ministério, eu estava mais ocupado ali em realizar o meu trabalho e durante o calor dos fatos não é o momento para escrever livros. Então, quando eu saí do Ministério, que houve um período um pouco mais calma, embora tenha sido igualmente um turbilhão, foi o momento de fazer esses relatos para contar a verdade. As pessoas merecem a verdade. No momento em que a gente faz um relativismo dos nossos valores, no momento em que a gente reconstrói a história colocando versões falsas, é importante resgatar a verdade, os nossos princípios e nossos valores. Isso é traçado de uma maneira muito clara no livro e eu aproveito a oportunidade para dar a opinião sobre algumas situações relevantes, como democracia, combate à corrupção. Aqui no Brasil se fez uma distorção tão grande que alguns adversários da Lava Jato colocam que o combate à corrupção faz mal à economia. É só pegar os países menos corruptos do mundo, são normalmente os mais desenvolvidos, que tem maior IDH, enquanto que os países com piores índices de pobreza, aqueles Estados falidos, são também altamente corruptos. Então existe uma clara conexão entre integridade, governo de leis e combate à corrupção com prosperidade. No Brasil, no entanto, ainda há quem tenha essa mentalidade atrasada de que alguma espécie de suborno pode ser positivo para a economia. A gente viu que não. Nós vimos que a Petrobras quase quebrou, seja por suborno, seja por má gestão econômica ou as duas coisas relacionadas. Nós vimos um governo em que nós tivemos os dois maiores escândalos de corrupção da história, o mensalão e o petrolão, que acabou com uma recessão em 2014 e 2016 que foi a maior da história do Brasil. Então essa má gestão e essa corrupção sistêmica estão intimamente relacionadas.
ESTADÃO: Pude notar certa semelhança entre o conteúdo do livro e o seu discurso de filiação ao Podemos. O livro também tem um capítulo que é dedicado, em boa parte, a apresentar seus pontos de divergência ao governo e suas proposições em relação a grandes temas como justamente combate à corrupção, gestão da pandemia, questão indígena, economia… Há também menções ao Lula e ao Bolsonaro, tentando aproximá-los, o que é uma estratégia para quem eventualmente vai disputar com eles a presidência na chamada terceira via. Além disso, é um livro que está sendo lançado agora, a menos de um ano da eleição. O componente eleição, político-eleitoral, foi considerado e o livro foi pensado a partir dele?
Sérgio Moro: Não. São coisas absolutamente distintas. O projeto do livro eu iniciei quando eu saí do Ministério e é um resgate da verdade. Inclusive a própria contratação data do ano de 2020. A decisão de colocar o meu nome à disposição da política, e isso pode ser atestado por todo mundo do Podemos, foi tomada nos últimos 45 dias. Foi na prorrogação do segundo tempo. Simplesmente me senti compelido a não me omitir diante do cenário eleitoral do próximo ano e também tendo a credibilidade de apresentar juntamente com todo o partido, com outros agentes políticos e com a sociedade brasileira um projeto consistente para o País. Mas não coisas separadas. É claro que ninguém escapa da sua história. O que foi feito no passado e é feito no presente vai ser um componente de discussão durante o período eleitoral, mas o objetivo é apenas relatar a verdade dos fatos, sem qualquer objetivo eleitoral. Não é um programa de governo, como outros fizeram, não tem nada disso.
ESTADÃO: No livro, o Sr. diz que aquela energia cívica de transformação provocada pela Lava Jato, que poderia ser usada em reformas judiciárias, administrativas e econômicas, foi desperdiçada na liderança errada. Essa energia ainda existe?
Sérgio Moro: Existe uma energia cívica que foi desperdiçada. Nós tivemos milhões de brasileiros e brasileiras nas ruas em 2015 e 2016. As maiores mobilizações populares desde as Diretas Já. As pessoas compreendem que ter um País mais íntegro também significa um País melhor, um País que a gente pode avançar e que a gente está lidando com nossos passivos. Não tem nenhuma vergonha em combater a corrupção, pelo contrário, o Brasil era elogiado nesse período, que estava fazendo a lição de casa e inclusive contribuindo com outros países. A Lava Jato gerou uma onda anticorrupção no mundo inteiro, em especial aqui na América Latina. Essa energia cívica estava muito presente em 2018. A grande expectativa que havia com o novo governo era que houvesse a consolidação do combate à corrupção e de novas práticas políticas, princípios e valores como centro de negociações políticas. Negociações políticas devem existir, o diálogo deve existir, é preciso construir um projeto para o País que envolva o diálogo entre o Executivo, o Congresso e o próprio Judiciário. Infelizmente essa expectativa se frustou. Eu fui ao governo, aceitei esse convite, exatamente porque tinha a esperança nessa consolidação. Muitas coisas positivas foram feitas no Ministério, mas na parte importante da consolidação do combate à corrupção, o livro deixa muito claro, eu não tive o apoio do Planalto. Ao contrário, o projeto foi sabotado. Por exemplo, cadê a discussão sobre a execução da condenação em segunda instância? Eu, como ministro, defendi acirradamente o tema. O governo simplesmente esqueceu do assunto, o governo não se importa. Isso precisa ser resgatado. Agora essa energia cívica está aí. As pessoas às vezes só precisam de um empurrãozinho.
ESTADÃO: O livro tem um bom volume de críticas à atuação do Supremo Tribunal Federal, sobretudo por decisões que o Sr. considera que enfraqueceram o combate à corrupção e o legado da Lava Jato, como a mudança de posicionamento sobre a prisão em segunda instância e a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes conexos aos eleitorais. Por que considerou importante abordar o tema no livro? O Sr. considera importante mobilizar a sociedade, dentro dos limites democráticos, frente ao Judiciário?
Sérgio Moro: Nós temos que respeitar o Supremo Tribunal Federal, é uma instituição importante, tem grandes ministros lá. Vou destacar aqui o ministro Luiz Fux, que tem um discurso e atitudes muito firmes e claras em preservar combate à corrupção. Infelizmente ele foi vencido, junto com outros ministros, em algumas discussões recentes importantes. Agora, é importante destacar que o combate à corrupção, a construção de um País mais íntegro, não é um propósito pessoal. Eu nunca encarei essas questões como uma derrota pessoal. Nós avançamos durante a Operação Lava Jato. Infelizmente nós vimos retrocessos que vieram do Congresso, do Planalto e também do Supremo Tribunal Federal. Decisões tomadas por maioria que enfraquecerem o combate à corrupção. Mas, ao invés de adotar aquela postura agressiva, o que nós temos que buscar é construir soluções. Nós podemos retomar, por exemplo, a execução da condenação em segunda instância, que às vezes parece complexo, mas é fácil das pessoas entenderem. A gente precisa ter um processo criminal que chegue em um fim, porque um processo sem fim no fundo é a porta da impunidade para os poderosos, que conseguem postergar o fim do processo infinitamente. Eu faço essa abordagem crítica de decisões que o Supremo tomou, com todo respeito, porque foram decisões que realmente não foram favoráveis para o fortalecimento do combate à corrupção. No entanto, se houvesse um Planalto comprometido com o tema, ele seria um contraponto, teria influência tanto no Congresso como junto ao Supremo Tribunal Federal. E ao contrário, como eu coloco no próprio livro, o Planalto de certa maneira comemorou o fim da prisão em segunda instância. O presidente inclusive proibiu o filho dele de se manifestar a respeito. Então é algo absolutamente paradoxal e essas contradições estão muito claras. Essa, inclusive, também é uma das razões da minha saída do governo. Eu fiquei lá, defendi minhas posições, defendi o que o povo brasileiro esperava, que era o fortalecimento do combate à corrupção, e fui vendo esse plano sabotado paulatinamente. Até o momento em que houve a interferência na Polícia Federal, aí eu perdi qualquer motivo para permanecer no governo.
ESTADÃO: Falando do governo, no livro o Sr. reconhece que faltou ceticismo da sua parte quando comprou as promessas do presidente Jair Bolsonaro de que ele ia avançar no combate à corrupção. O Sr. fez essa mesma reflexão, ao escrever o livro, se não lhe falta ceticismo agora ao se filiar à vida política?
Sérgio Moro: Nós temos sempre que acreditar em um futuro melhor. Isso o livro deixa muito claro. A Lava Jato, apesar dos reveses recentes, mostra que nós não estamos fadados à corrupção. Não existe um destino manifesto. Assim como a gente pode fazer um comparativo com a inflação da década de 1980, da década de 1990, quando as pessoas perderam a fá que poderia ser combatida, e foi. O problema foi resolvido. Embora nós tenhamos tido reveses na Lava Jato, o cenário geral hoje é diferente. Eu trabalhei, por exemplo, no setor privado e houve um despertar em relação a práticas de integridade. A população viu comportamentos que ela reputa inaceitáveis. Então há um espaço para o avanço. E o meu ingresso na política agora é exatamente baseado nessa crença de que nós podemos construir um País melhor para nós, para os nossos filhos, para os filhos dos nossos filhos. Não existe motivo para desesperança. É claro que isso envolve um trabalho difícil, um trabalho longo, as coisas não mudam do dia para a noite, mas o importante, principalmente, é colocar o País na direção certa. As coisas não vão melhorar enquanto o País estiver nos trilhos errados, como está agora, como esteve durante o governo do Partido dos Trabalhadores.
ESTADÃO: No livro, o Sr. diz que um dos problemas da política brasileira nos tempos recentes é a tendência ao culto à personalidade dos líderes políticos, o que certamente não exclui o Sr. Também critica o toma lá da cá, o loteamento de cargos públicos ou, como coloca, o “presidencialismo de cooptação”. Ao escrever, chegou a refletir se o sistema político atual precisa de reformas e se o semipresidencialismo seria uma boa opção?
Sérgio Moro: Eu nunca fui favorável ao culto à personalidade. Sempre quando eu falei da Operação Lava Jato, embora existam méritos individuais – e isso envolve juízes, não só de primeira instância, mas de apelação, de Brasília, do próprio Supremo Tribunal Federal, procuradores, policiais, advogados – é um trunfo institucional. Embora veja a Operação Lava Jato como um grande momento histórico do Brasil, em que nós quebramos a impunidade da grande corrupção, eu tenho muito claro que foi um trunfo institucional. Então eu não concordo com a espécie de culto à personalidade. Nós precisamos sim ter pessoas comprometidas com o País, juntas, construindo instituições fortes para que nós tenhamos as reformas necessárias para melhorar a vida das pessoas. Outros desafios: escapar da armadilha da pobreza, da desigualdade. Enfim, existe aí uma lista de coisas a fazer que é muito grande: desafios do passado que nós não conseguimos vencer e hoje temos desafios do futuro, como por exemplo as demandas relacionadas à economia digital, economia verde, economia de baixo carbono. Agora a questão de como fazer as coisas funcionarem em um cenário de degradação: o diálogo entre os Poderes é importante, mas é importante que isso seja feito em cima de um projeto. É importante que tenha um projeto. Se não tem projeto, o diálogo fica inviabilizado, cada um persegue os seus próprios interesses e o bem comum é deixado de lado. Também acredito que as pessoas reagem aos incentivos corretos. Se, no diálogo entre Executivo e Congresso ou Executivo e Judiciário, os incentivos forem apropriados em cima de projeto, princípios e valores, e às vezes o que o parlamentar quer é fazer parte desse projeto maior, nós conseguimos avançar. Não conseguimos avançar se os incentivos são errados, como o mensalão, o petrolão e agora esse cenário do orçamento secreto, que falta transparência, que gera pulverização do orçamento. Ou seja, nós não estamos indo na direção correta.
ESTADÃO: Mas o caminho então seria fortalecer as instituições que nós temos, não necessariamente promover uma reforma de sistema, de modelo?
Sérgio Moro: Nós precisamos de uma série de reformas, tributária, administrativa, mas isso não é exatamente objeto do livro. Objeto do livro é: o combate à corrupção é fundamental por uma questão de justiça, mas igualmente porque isso é necessário até para viabilizar essas reformas. O presidencialismo, apesar de criticado, pode funcionar. Agora ele precisa ter um projeto e não pode degenerar nesse presidencialismo do mensalão, do petrolão ou hoje nesse cenário de falta de transparência entre Congresso e Executivo.
ESTADÃO: Ao longo do livro o Sr. também admite derrotas importantes impostas pelo Congresso, como a retirada do Coaf do Ministério da Justiça e a desfiguração do pacote anticrime, também por falta de apoio do governo. O Sr. acha que, na vida política, teria mais manejo para lidar com parlamentares? Seria mais fácil estando no comando do Executivo do que como ministro?
Sérgio Moro: É natural que haja eventuais divergências entre o Congresso e Executivo, entre Executivo e Judiciário, isso faz parte da normalidade institucional. O problema nesse caso particular é que os projetos do Ministério estavam sendo sabotados pelo Planalto, aí realmente fica difícil avançar. Mas sim, se pode construir reformas, instituições robustas fundadas em projetos, princípios e valores. Não existe uma luta perdida. Eu nunca entendi essas questões como uma derrota pessoal. Eu entrei para um projeto, consegui fazer coisas boas no Ministério, avançamos muito no combate ao crime organizado, combate à criminalidade violenta e outros setores, mas na parte do combate à corrupção houve esse comprometimento, já que não tínhamos apoio sequer do próprio Planalto.
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