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Política

Três ministros votam contra cassação de Bolsonaro e Mourão no TSE

Disparos de mensagens em massa, com o objetivo de desinformar seriam suficiente para condenar candidatos.

O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, e os ministros Mauro Campbell e Sérgio Banhos votaram nesta terça-feira, 26, contra a cassação do mandato do presidente Jair Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão. Eles foram os únicos a votar na sessão inicial de julgamento de duas ações contra a chapa presidencial eleita em 2018. Com placar de 3 a 0, restam agora quatro votos para encerrar o caso, que deve ser retomado na quinta-feira, dia 28, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Relator das ações, Salomão defendeu que o julgamento seja utilizado como parâmetro para fixar uma nova tese jurídica no tribunal, definindo o uso exacerbado de disparos de mensagens em massa, com o objetivo de desinformar e prejudicar adversários, como elemento suficiente para condenar candidatos por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. A pena seria, além da eventual perda de mandato, a inelegibilidade por oito anos.


O corregedor propôs cinco parâmetros de análise da gravidade em casos semelhantes: avaliar o teor das mensagens contendo informações falsas e propaganda negativa; a repercussão junto ao eleitorado; o alcance do ilícito, em termos de mensagens veiculadas; o grau de participação dos candidatos nos disparos; e se houve financiamento de empresas privadas com a finalidade de interferir na campanha.

Depois de sugerir que a Justiça Eleitoral adotasse a tese a partir do julgamento, o corregedor analisou o caso concreto de Bolsonaro e Mourão. Ele reconheceu a existência dos disparos em massa em 2018, mas argumentou que as provas não permitem concluir que houve gravidade no caso concreto, apesar do longo tempo de tramitação das ações, quase três anos, e da reabertura da apuração duas vezes.

“A parte autora (Coligação O Povo Feliz de Novo) não logrou comprovar nenhum dos parâmetros essenciais para a gravidade no caso, apesar das inúmeras provas deferidas nessas duas ações”, disse Salomão.

O ministro disse que, apesar dos indícios de que Bolsonaro tinha ciência dos disparos, não houve como analisar o conteúdo, auferir o alcance em termos de quantidade de mensagens disparadas, e compreender a repercussão no eleitorado. Muitos desses dados são indisponíveis, pois os registros ficam armazenados por pouco tempo pelos aplicativos como WhatsApp e o conteúdo é protegido por criptografia, o que pode dificultar apurações do tipo.

Salomão afirmou que esses critérios seriam primordiais para o desfecho do caso. O relator também disse que, embora tenha ficado claro que o disparo tenha sido realizado por empresas, não é possível concluir automaticamente que a prática tenha sido financiada pelas mesmas, algo vedado pela legislação.

O ministro também negou a produção de novas provas, solicitado pela acusação, pois entendeu que elas não conseguiriam suprir lacunas para alterar o julgamento da gravidade dos disparos.

O ministro Mauro Campbell Marques seguiu integralmente o voto do relator. Em sua análise, Campbell afirma que o uso indevido do WhatsApp infringe trechos da lei de inelegibilidade, mas contemporiza que a infração não basta para cassar um presidente a menos de um ano da eleição.

“Além de infringir o dispositivo citado, são necessários outros requisitos para que se apliquem as duras penas nele previstas, quais sejam: a cassação dos mandatos e a decretação de inelegibilidade”, afirmou.

Já o ministro Sérgio Banhos também votou pela absolvição, mas discordou de que se possa reconhecer que houve de fato o disparo de mensagens em massa a favor de Bolsonaro em 2018.

A decisão final da corte pode extinguir a principal ameaça, na esfera da Justiça, à conclusão do mandato de Bolsonaro, a menos de um ano das eleições de 2022. Além disso, poderá servir de baliza em julgamentos futuros relacionados à veiculação de notícias falsas em massa contra adversários.

Ações

Propostas em 2019, as ações acusam Bolsonaro e Mourão de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação.

Os pedidos de cassação do mandato foram apresentados pela coligação “O Povo Feliz de Novo”, encabeçada pelo PT com o apoio de PCdoB e PROS.

O julgamento é o último grande ato de Salomão como corregedor da corte. Ele passará o cargo para o ministro Mauro Campbell na próxima sexta-feira, 29. Como relator do caso, Salomão foi responsável por imprimir celeridade ao processo de investigação. Antes dele, outros dois ministros haviam conduzido as ações contra a chapa presidencial sem que houvesse avanços em direção a um desfecho.

Os avanços na produção de provas foram conquistados em cooperação do corregedor com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do TSE, que, em setembro, compartilhou as provas dos inquéritos das fake news e das milícias digitais com a corte eleitoral. Durante a leitura do voto, Salomão citou diversas vezes os elementos probatórios levantados pelas investigações em curso no STF.

“As provas compartilhadas pelo STF corroboram a assertiva de que no mínimo desde 2017, pessoas próximas ao hoje presidente Jair Bolsonaro atuavam de modo permanente na mobilização digital tendo como modus operandi ataques a adversários políticos e, mais recentemente, às próprias instituições democráticas”, disse Salomão. “Essa mobilização que se pode aferir sem maiores dificuldades vem ocorrendo ao longo do ano em diversos meios digitais”.

Na sessão de hoje, o ministro proferiu um duro e extenso voto – ao todo 51 páginas – em que aponta as práticas indevidas da campanha mantidas com a chegada ao poder. O ministro, no entanto, afirma que denúncias apresentadas pela chapa petista “não se revestem por si de força probante para firmar decreto condenatório na seara eleitoral”.

“O conjunto probatório das duas ações, do meu modo de ver, não deixa margem para dúvidas no sentido de que campanha dos vencedores das eleições assumiu caráter preponderantemente nos meios digitais mediante utilização indevida, dentre outros, do aplicativo de mensagens Whatsapp para promover disparos em massa em benefício de suas candidaturas, valendo-se de estrutura organizada e capilarizada composta por apoiadores e pessoas próximas ao primeiro representado”, afirmou.

A pena máxima prevista para os crimes imputados ao presidente e seu vice é a cassação do mandato, o que levaria o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a assumir a Presidência da República. Além disso, Bolsonaro e Mourão poderiam ficar inelegíveis pelos próximos 8 anos.

Em outubro, o Ministério Público Eleitoral (MPE) se manifestou contra a procedência das ações. O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, entendeu que não havia provas de que a eleição havia sido comprometida, tampouco elos do presidente e do vice com o esquema.

“Em síntese, ante o conjunto probatório dos autos, conclui-se pela não comprovação da gravidade dos ilícitos narrados em grau apto para viciar substancialmente a legitimidade e a normalidade das eleições, o que inviabiliza o pedido de cassação do diploma. Do mesmo modo, porque não existem elementos concretos sólidos caracterizadores da participação ou da anuência dos candidatos representados nos atos abusivos, não prospera a declaração de inelegibilidade postulada”.

Durante a preparação para o julgamento, interlocutores e os próprios ministros do TSE diziam haver provas robustas para cassar os ocupantes dos Palácios da Alvorada e do Jaburu, mas que seria necessário apoio do Congresso para efetivar a medida a um ano das eleições de 2022. A frase que ecoava nos corredores do tribunal meses antes da sessão de hoje era de que “ 7 ministros não poderiam cassar os votos de 57 milhões de eleitores” sem o aval dos políticos.

Na véspera do julgamento, o vice-presidente dava como certo a jornalistas que a movimentação no TSE não surtiria efeito. “Não vai acontecer nada”, disse Mourão. “As acusações que estão sendo colocadas ali não procedem.” Nem o presidente Jair Bolsonaro, nem o Palácio do Planalto se pronunciaram.

Advogados

O início da sessão foi marcado por sustentações orais dos advogados das duas chapas, com fortes críticas ao processo de coleta das provas contidas no processo, assim como aos indícios de crimes apresentados contra a chapa vencedora.

Defensora do presidente, a advogada Karina Kufa afirmou que, mesmo juntando inquéritos do STF, a defesa não vislumbrou nenhuma comprovação das acusações, que chamou de “ilações”. Ela aventou a possibilidade de que disparos em massa beneficiaram outras campanhas, e não a de Bolsonaro e Mourão.

“Se teve contratação ou aplicação indevida de empresas de disparo não foi para a campanha de Jair Bolsonaro, mas pode ter sido para campanha do PT ou de governadores que disputaram segundo turno”, disse Kufa. “Estão querendo criminalizar a campanha mais barata e orgânica da história.”

O advogado do PT, Eugênio Aragão, reclamou que o TSE não atendeu à maior parte dos pedidos de produção de provas dos autores, como depoimentos, buscas e quebra de sigilos, entre outros, e pediu que fossem reconsideradas as solicitações, ampliando a etapa de tramitação do processo. Outros advogados se manifestaram contra.

O ex-subprocurador-geral da República e ex-ministro da Justiça no governo Dilma Rousseff disse que houve “orquestração profissional” e que a estrutura “tinha custo elevado não declarado e possivelmente pode ter tido origem vedada, de pessoas jurídicas”.

Aragão chegou a dizer que a disseminação de fake news (notícias falsas) é tão recorrente que o canal de Youtube do presidente foi suspenso nesta semana, pela plataforma, por associar a vacinação contra covid-19 à AIDS.

“Isso tem tradição, é recorrente, e ocorreu com constante repetição durante a campanha eleitoral de 2018. Foi uma campanha sustentada por uma engenhosa máquina de disseminação de mentiras. Essas duas ações comprovam o modo de agir da chapa do presidente e tem se configurado o abuso do poder econômico e dos meios de comunicação capaz de impactar de maneira relevante esse pleito”, afirmou Aragão. “A eleição de Jair Bolsonaro foi calcada em mentiras e abusos e isso se pode concluir das presentes ações.”

Ele citou como provas dados coletados pela CPI das Fake News no Congresso Nacional, que identificaram acessos de gabinetes dos filhos do presidente a contas inautênticas, e por inquéritos relatados pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo, além de investigações contratadas pelo Facebook que retiraram do ar páginas da rede bolsonarista.

O advogado Admar Gonzaga, ex-ministro do TSE, chamou as ações de “fake AIJEs” e disse que os processos levantaram suspeitas apenas com base em reportagens jornalísticas. Gonzaga sustentou que não há nos autos provas do envolvimento de seu cliente, o empresário Luciano Hang, com financiamento de disparos de mensagens irregulares.

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