A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir a reeleição para as mesas da Câmara e do Senado embaralhou ainda mais o cenário para o avanço das reformas em 2021. Único candidato já declarado à sucessão da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) tem a predileção do Palácio do Planalto e mantém interlocução com o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Ele mudou o discurso e passou a ser visto pela equipe econômica como mais alinhado à agenda de reformas, mas sua atuação no Congresso deixa dúvidas, já que esteve várias vezes do lado que apoia e pressiona por mais gastos públicos.
Para fontes da área econômica, o horizonte “está muito mais nublado” do que estava no radar. Apesar do otimismo com o avanço das reformas a partir de fevereiro, a avaliação nos bastidores é de que há políticos de perfis e históricos muito diferentes (ver nas galerias abaixo) na corrida pelo comando de Câmara e Senado e será preciso acompanhar todos os movimentos atentamente no Congresso.
Outra preocupação é com o quanto a ala política do governo vai querer “mexer no jogo”, endossando promessas feitas por candidatos e gerando fatura de concessões e cargos que pode custar caro do ponto de vista fiscal. Nas palavras de um auxiliar do ministro Guedes, é preciso “olhar atento agora que o Congresso quer fazer bondades”.
A equipe econômica não conta com grandes avanços na pauta até o início de fevereiro, mas espera que “a própria gravidade da agenda” faça ela ser retomada com força após a renovação no comando das Casas. Guedes inclusive tem apontado a interlocutores que está confiante no destravamento da pauta com o fim das eleições e a troca de comando da Câmara para um candidato alinhado ao governo, embora não cite nomes.
Rompimento
Guedes e o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), trabalharam juntos em 2019 pela aprovação da reforma da Previdência, mas depois disso tiveram muitas brigas e chegaram a romper relações. A desavença levou a Economia a buscar o caminho do Senado para o envio de projetos considerados prioritários, como o pacto federativo e a PEC emergencial, que traz gatilhos de contenção de despesas.
Apesar da expectativa positiva dentro do governo, o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, alerta que falta muito jogo para garantir que o discurso reformista de candidatos à cúpula do Congresso se transformará em ação. “Haverá uma tentativa dos candidatos de minimizar um possível mal-estar com agentes econômicos. Mas será mais um sinal político do que condição efetiva para viabilizar as reformas”, afirma.
Para ele, não dá para esperar uma mudança radical no cenário de dificuldades do governo em aprovar medidas duras de ajuste, sobretudo porque a “chave” da governabilidade do presidente Jair Bolsonaro será o grau de tensão entre os partidos de centro-direita – que até agora se preparam para lançar duas candidaturas, a de Lira e a de um aliado de Maia.
Além disso, Cortez afirma que a disputa por apoio vai gerar uma “pressão distributiva” por recursos e promessas, o que pode colocar ainda mais pressão sobre as contas. O analista, porém, reconhece que a eleição de um nome mais próximo do governo reduziria a exposição da equipe econômica a eventuais bombas fiscais, medidas que poderiam comprometer ainda mais as finanças públicas.
Candidatos
A incerteza sobre a sucessão no Congresso vem principalmente da Câmara, onde ainda há indefinição sobre quem será o candidato apoiado por Maia. Pelo menos quatro nomes estão no páreo.
Embora tenha se aproximado de Guedes nos últimos meses e abraçado o discurso das reformas, Lira é um histórico defensor de programas de refinanciamento tributário (Refis) e que trabalhou pela exclusão de Estados e municípios da reforma da Previdência.
Outro possível candidato ao comando da Câmara, o atual vice-presidente da Casa, Marcos Pereira (Republicanos-SP), já criticou Guedes e é apontado como um dos entusiastas do fatiamento da Economia para a recriação do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, já comandado por ele. Pereira chegou a postar no Twitter, minutos após a decisão do STF, que seria candidato à sucessão de Maia, mas depois esclareceu que estava “dialogando” com colegas. “Óbvio que estamos em um grupo político e tenho convicção que poderei ser o candidato desse grupo.”
Relator da reforma tributária, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) tem bom trânsito junto à equipe de Guedes. Também estão no páreo Baleia Rossi (MDB-SP), autor da proposta de reforma tributária apresentada na Câmara, Elmar Nascimento (DEM-BA) e Luciano Bivar (PSL-PE), ambos apoiadores da agenda econômica.
No Senado, o cenário também está pouco claro sobre quem será o candidato apoiado pelo atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Um dos principais nomes na disputa é o do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que recentemente apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) prevendo a criação de um novo programa social fora dos limites do teto de gastos, que impede avanço da despesa acima da inflação.
Também é cotada a atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Simone Tebet (MDB-MS), que defende as reformas e a criação de um programa social fiscalmente responsável, mas também já cobrou do governo maior redistribuição de recursos com Estados e municípios.
O 'perfil econômico' dos cotados para a cúpula do Congresso
Câmara
Arthur Lira (PP-AL). Candidato do Palácio do Planalto, Lira estava, no início da pandemia, próximo do grupo que defende maiores investimentos e flexibilização do teto de gastos. Com as turbulências no mercado financeiro por causa do risco de furo no teto e a posição do presidente Jair Bolsonaro de manter a regra do jeito que está, passou a se posicionar publicamente ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes. De olho na presidência da Câmara, se aproximou do mercado. Já admitiu publicamente que acredita na possibilidade de uma nova CPMF, que chama de imposto sobre transações digitais, mas com alíquota pequena. Tem canal de diálogo frequente com Guedes, a quem dá conselhos políticos nas negociações. Em nenhum momento o ministro reclamou da paralisia na pauta por causa do bloqueio feito por Lira na Câmara contra Rodrigo Maia. Pelo contrário: Guedes, que é desafeto de Maia, repete que a política dá o ritmo das reformas. Apesar da recente guinada pró-agenda econômica, Lira trabalhou, em 2019, pela retirada de Estados e municípios da reforma da Previdência. Adversário local do governador de Alagoas, Renan Calheiros Filho (MDB), o líder do PP disse no ano passado ao Estadão/Broadcast que os políticos estaduais precisavam assumir o ônus da pauta impopular. “É muito bom o governador estar no palaciozinho dele e a gente resolvendo o problema deles”, afirmou na ocasião. Em 2017, sob o governo Michel Temer, Lira foi um dos principais articuladores do amplo programa de renegociação de dívidas tributárias, o Refis, criado naquele ano, com descontos generosos em multas e juros.
Marcos Pereira (Repuplicanos-SP). Ex-ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o atual vice-presidente da Câmara foi uma dos primeiros políticos a alertar, no primeiro semestre de 2020, para a necessidade de maior participação do Estado, com investimentos para tirar a economia do buraco na fase pós-pandemia da covid-19. Numa live com a participação de investidores do mercado financeiro, acabou revelando palavras ditas a ele pelo ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto. “Daqui a alguns meses o governo terá de enfrentar a intransigência do ministro Paulo Guedes”, afirmou Braga Netto, segundo Pereira. Integrantes do Ministério da Economia até hoje atribuem ao vice-presidente da Câmara e seu grupo a pressão para fatiar a pasta e recriar o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Em abril, criticou Guedes abertamente no Twitter: “Paulo Guedes assumiu o Ministério da Economia dizendo que queria ‘menos Brasília, mais Brasil’. Pois bem. Agora que aprovamos o reforço nos caixas de Estados e municípios, o ministro quer vetar. Em qual Paulo Guedes devemos acreditar?”. Em meio à pressão para prorrogar o auxílio emergencial, se posicionou ao lado da equipe econômica dizendo que não há mais espaço fiscal, mas ponderou que, se houver segunda onda de covid, “tempos excepcionais exigem medidas excepcionais”. É favorável à reforma tributária que tramita na Câmara.
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Relator da reforma tributária e próximo a Rodrigo Maia, Ribeiro tem como trunfo nas negociações a própria proposta. Com maior trânsito e menos resistência dos partidos de oposição, acenou com medidas de maior progressividade nos impostos para o andar de cima e prometeu incluir tributação de lucros e dividendos, aumento do imposto sobre heranças, e IPVA para aeronaves e barcos. Embora o parlamentar tenha mantido canal com Guedes e técnicos da área econômica, o ministro nunca encampou de verdade a PEC 45, preferindo aprovar primeiro a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que unifica PIS e Cofins, para só depois partir para mudanças nos Estados e municípios. Publicamente, Ribeiro tem cobrado do ministro maior foco para aprovação das medidas econômicas e sempre se manifestou contrário à nova CPMF.
Baleia Rossi (MDB-SP). Autor da PEC 45, da reforma tributária, também apostou suas fichas na agenda econômica. Tem participado das negociações da reforma tributária para encontrar o que chama de “ponto de equilíbrio”. Reservado, evita bater de frente com o ministro Paulo Guedes, mas também critica a falta de prioridades na agenda econômica.
Elmar Nascimento (DEM-BA). É a favor da modernização da legislação e das reformas. Atua como relator do projeto do deputado Mauro Benevides (PDT-CE) que desvincula recursos de fundos públicos para o pagamento das despesas de combate à covid-19. Aliado de Maia, defende a PEC 45, da reforma tributária. É favorável à modernização das leis regulatórias, como do gás e das ferrovias, e se posiciona contra o rompimento do teto de gastos.
Luciano Bivar (PSL-PE). É apontado com liberal, defende o código de defesa do contribuinte com radical simplificação tributária. Já defendeu o imposto único federal, com a manutenção do Imposto de Renda, e o ajuste fiscal. Não seria contra uma versão atenuada da reforma tributária proposta na PEC 45. Bivar considera que há poucas entregas e muita indefinição na área econômica, mas apoia a visão de Guedes.
Senado
Eduardo Braga (MDB-AM). Uma das principais lideranças do Senado Federal, Braga já teve embates com a equipe econômica em torno da discussão de incentivos fiscais para a Zona Franca de Manaus, pois é contra sua redução ou extinção. No ano passado, votou a favor da reforma da Previdência, mas virou contra a posição do governo e ajudou a derrubar as mudanças no abono salarial que poderiam economizar R$ 76,4 bilhões em uma década. A justificativa para a desidratação era que a alteração prejudicaria trabalhadores do Norte e do Nordeste. Em agosto, o líder do MDB no Senado apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria no Brasil o direito de renda básica para todos os brasileiros em situação de vulnerabilidade, com recursos fora do limite do teto de gastos.
Antônio Anastasia (PSD-MG). Tem atuação mais discreta no Senado. Recentemente, elogiou o projeto de Lei de Responsabilidade Social apresentado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), pois disciplina e organiza todos os benefícios sociais dentro de uma lei nova. “Nós estamos ainda diante de uma situação muito opaca sobre qual seria uma resposta do Brasil à questão social. É uma lei que tem possibilidade de avançar e tecnicamente muito bem feita por especialistas gabaritados sob a inspiração do senado Tasso”, diz. Ele pondera que está ainda muito no início da tramitação, mas afirma que vê o projeto com "muita simpatia". “É claro que vai ser discutido com o governo porque é uma matéria que interessa ao governo, mas o projeto está muito concebido”, afirmou. Participa da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa.
Simone Tebet (MDB-MS). Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), um dos colegiados mais importantes do Senado, tem manifestado preocupação com o aumento da miséria e desigualdade social, que considera o maior legado da pandemia. Desde o início da crise, defende medidas de maior progressividade na tributação e uma reforma tributária equilibrada, além da aprovação de uma reforma administrativa possível. No âmbito da tributária, já defendeu uma “redistribuição do bolo” com Estados e municípios, com dinheiro extra. É a favor de uma nova roupagem do Bolsa Família, mas com fonte de receita "fiscalmente segura".
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