O Senado pode votar nesta terça-feira, 17, projeto de lei que afrouxa regras para partidos, abre brecha para o caixa 2 e dá margem ao aumento da quantidade de dinheiro público destinado às legendas, além de flexibilizar normas de prestação de contas. A proposta permite, ainda, que advogados e escritórios de contabilidade sejam pagos com dinheiro dos partidos.
O texto foi aprovado na Câmara no último dia 4 e entrou na pauta do Senado na quarta-feira passada. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tentou votá-lo no plenário naquele mesmo dia, mas cancelou a votação após ser pressionado por um grupo de senadores contrários ao projeto. Grandes partidos, porém, querem que o projeto seja aprovado imediatamente.
Um grupo formado pelo núcleo conhecido como “lavajatista” e por legendas do bloco da oposição, como Rede e Cidadania, tenta barrar o projeto. Essa ala, porém, calcula ter 22 votos contra a proposta, o que não seria suficiente para impedir sua aprovação. A estratégia, então, é tentar obstruir a votação e arrastar a tramitação até que o Senado não consiga mais aprovar as regras a tempo de abastecer as legendas na próxima eleição.
“Vamos trabalhar para fazer o projeto prescrever”, disse o líder da Minoria na Casa, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Para que as regras sejam válidas nas eleições municipais de 2020, a nova lei precisa estar aprovada e sancionada um ano antes do pleito, que tem o primeiro turno marcado para 3 de outubro. “Os partidos estão preocupados porque a eleição municipal pressupõe uma eleição em cada uma das cidades brasileiras, é talvez a eleição mais cara que o País tenha. Tirando o autofinanciamento, que poucos podem fazer, a única forma de financiar essa eleição é com fundo partidário e fundo eleitoral”, disse o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM).
Parecer de relator dá aval ao projeto
A votação contraria um acordo do próprio Alcolumbre com líderes partidários, que prevê a análise de qualquer projeto em pelo menos uma comissão. O relator da proposta, Weverton Rocha (PDT-MA), apresentou um parecer dando aval ao texto aprovado na Câmara e rejeitando todas as emendas no Senado.
Atualmente, o fundo eleitoral tem valor determinado por, no mínimo, 30% das emendas de bancadas estaduais, além da compensação fiscal de propaganda partidária na TV e rádios. A proposta aprovada deixa indefinido o montante das emendas que comporão esse fundo – determinado pela Lei Orçamentária Anual (LOA) –, possibilitando, assim, que a quantia ultrapasse os atuais 30%. Na prática, caberá ao relator do projeto da LOA estabelecer o valor.
Outro ponto que causa polêmica é a permissão para que advogados e contadores que prestam serviços para filiados – inclusive aqueles acusados de corrupção – sejam pagos com verba partidária. O projeto retira do limite de gastos das campanhas eleitorais esses pagamentos. Um grupo formado por entidades que defendem a transparência partidária emitiu uma nota técnica avaliando que o dispositivo abre margem para práticas de caixa dois e lavagem de dinheiro.
O líder do PSDB no Senado, Roberto Rocha (PSDB-MA), apresentou uma emenda para alterar o trecho, retirando os processos que podem acarretar inelegibilidade da possibilidade de pagamento com a verba pública.
Outro ponto do projeto permite que um partido apresente a prestação de contas por meio de qualquer sistema de contabilidade disponível no mercado.
A permissão afrouxa a legislação atual, que exige informações padronizadas em um sistema preparado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, ex-presidente do TSE, disse que, caso seja aprovado, o texto passará “por um crivo bem rigoroso de constitucionalidade” e deverá ser judicializado.
O ministro afirmou que considera a tentativa de diminuir a transparência de gastos eleitorais um “retrocesso”. “Não tenho a menor dúvida de que vai ser judicializada, inclusive pelas críticas que já vêm surgindo em relação a ela no sentido de que é um grande retrocesso em relação a tudo o que já se conquistou em termos de moralidade nas eleições.”
Projeto tramita no Congresso há 14 dias
O projeto que abre brecha para engordar o fundo eleitoral nas eleições municipais em 2020 – e que pode ser aprovado pelo Senado hoje – está em discussão há 14 dias. Embora tramite na Câmara desde novembro, o texto aprovado – e quase votado pelo Senado na quarta-feira passada – tem a cara de um substitutivo que o deputado Wilson Santiago (PTB-PB) apresentou no dia 3.
No mesmo dia em que apresentou sua versão à Câmara, Santiago foi designado relator para proferir, em Plenário, um parecer em nome da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público e, em seguida, outro parecer em nome da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – praxe em projetos que tramitam em regime de urgência.
Passadas 3 horas e 52 minutos de sessão, a versão havia sido aprovada pelas duas comissões e pelo plenário da Câmara. A redação permaneceu quase inalterada até o texto ser enviado ao Senado, já que os deputados aprovaram, no dia seguinte, apenas duas emendas, uma emenda aglutinativa e um destaque.
Quando a proposta chegou ao Senado, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tentou colocá-la em votação no mesmo dia. Diante do protesto de vários senadores, que alegaram que “ninguém leu a matéria”, Alcolumbre aceitou que o projeto fosse encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça da Casa, onde deve ser votado hoje pela manhã, para retornar ao plenário à tarde. Para valer nas eleições de 2020, a proposta precisa ser aprovada até o próximo dia 3.
Além da brecha para engordar o fundo, o texto também altera outros pontos da lei eleitoral e muda a prestação de contas de partidos. Quinze instituições – incluindo o Transparência Partidária, a Associação Contas Abertas, o Transparência Brasil, o Renova BR, o Movimento Agora e o Instituto Ethos – tornaram pública, na quinta-feira, uma carta a Alcolumbre salientando que as mudanças do projeto “interessam diretamente aos detentores de mandatos parlamentares”.
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