Um youtuber infantojuvenil, um cantor de rap e uma chef de cozinha argentina lideram a aguerrida “bancada de oposição” ao presidente Jair Bolsonaro e a seus filhos nas redes sociais. Felipe Neto, dos programas de humor para crianças, Marcelo D2, das músicas sobre violência contra jovens nos subúrbios, e Paola Carosella transitam com desenvoltura nas discussões políticas dessas mídias e ganharam ainda mais adeptos no primeiro ano de mandato de Bolsonaro.
Levantamentos feitos por empresas que analisam plataformas como Twitter e Facebook indicam que influenciadores digitais como eles não apenas conseguem rivalizar com o bolsonarismo como são, hoje, a maior força contrária ao governo nas redes, ultrapassando até mesmo políticos tradicionais.
- Foto: Reprodução/InstagramFelipe Neto
Com 10 milhões de seguidores no Twitter, mais que a soma dos internautas que acompanham todas as contas oficiais do clã Bolsonaro na plataforma, o carioca Felipe Neto, de 31 anos, se apresenta como “orgulhosamente odiado pelos amantes de Biroliro”, como ele se refere ao presidente. Dono do segundo maior canal de YouTube do mundo, com 34 milhões de inscritos, Felipe Neto já discutiu nas redes com o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o filho “02” do presidente.
O Planalto monitora perfis de oposicionistas. A reação, quase sempre, cabe a Carlos e ao deputado Eduardo (PSL-SP), filho “03” do presidente. Bolsonaro é orientado a rebater apenas líderes políticos.
O palanque virtual é um território estratégico para o Planalto. O próprio Bolsonaro sempre diz que a campanha nas redes foi decisiva para sua vitória, em 2018. À época, ele derrubou “dogmas” do marketing eleitoral. O presidente e seus apoiadores mantêm a ofensiva de comunicação por meio dessas mídias, mas são cada vez mais desafiados por “outsiders” da política.
Os oposicionistas influentes interagem no Twitter. Felipe Neto tem seus posts bastante retuitados por Paola Carosella, 47 anos, apresentadora de TV. Paola não poupa críticas a apoiadores de Bolsonaro, como o empresário Luciano Hang e o filósofo Olavo de Carvalho.
Na semana passada, Felipe Neto comentou no Twitter a operação do Ministério Público do Rio para apurar o envolvimento do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) em esquema de “rachadinha” - no qual servidores devolvem parte dos salários aos parlamentares - na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
“A situação do Flávio Bolsonaro é de terror absoluto. Pelo que corre nos bastidores, ele está completamente sem saída. E isso me deixa, nesse momento, com bastante medo. Eu não sei até onde o Bolsonaro pai será capaz de ir para proteger o filho criminoso”, escreveu o youtuber. Até ontem, o post tinha 47,7 mil curtidas e havia sido retuitado por 4,3 mil pessoas.
Expoentes da “nova política”, os deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) não comentaram o assunto no Twitter. O líder do PT, Paulo Pimenta (RS), chegou a publicar mensagens sobre Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio. A que fez mais sucesso, porém, recebeu 3,7 mil curtidas, 12,5 vezes menos do que o post de Felipe Neto.
A estratégia bolsonarista de rotular críticos de “comunista” e “esquerdista” não tem efeito na geração desses novos adversários. É o que indica levantamento da consultoria Bites, que, a pedido do 'Estado', analisou 134 milhões de tuítes envolvendo o presidente, neste ano, e mapeou grupos de personalidades sem ligações políticas. São pessoas que não têm cargos públicos ou filiação partidária, mas causam mais impacto na rede bolsonarista que políticos conhecidos.
No último dia 2, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou no Twitter que pretendia retomar tarifas do aço e do alumínio da Argentina e do Brasil, para surpresa do governo Bolsonaro, o músico Marcelo D2, de 52 anos, amigo de rede social de Felipe Neto e com 1 milhão de seguidores, aproveitou para ironizar. “Tu não era amigo do Bozo?"
‘Relevância’. “Na campanha, o presidente escolheu a arena das redes sociais como o seu campo de debate e praticamente falou sozinho. Mas essa arena não era e não é exclusiva dele”, disse o gerente de Relações Institucionais da Bites, André Eler. “Se não há atores políticos relevantes o suficiente para o ameaçar, há personalidades relevantes que podem lhe fazer sombra.”
Para o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e cofundador da Quaest, Felipe Nunes, num cenário de polarização, essas personalidades têm o papel de romper estruturas homogêneas de apoio a candidatos. “As bolhas dessas personalidades são heterogêneas. É possível ver seguidores bolsonaristas ou petistas acompanhando um determinado ator ou cantor. Quando essa personalidade fala sobre política, ela rompe a bolha.”
Sérgio Denicoli, diretor da AP Exata, também identificou esse movimento nas redes. Denicoli analisou 203 mil tuítes que mencionam Felipe Neto, localizados em 145 cidades de todos os Estados, entre 1o de novembro e 20 de dezembro. “Ele sintetiza uma política nova, que se opõe às forças hoje colocadas na política tradicional, inclusive o presidente da República, que, mesmo aparecendo como político novo, é alguém que frequenta os corredores do poder há três décadas", afirmou.
Apoiadores do presidente ‘agem pelos bastidores’, afirma youtuber
Para o youtuber Felipe Neto, a família Bolsonaro e os bolsonaristas agem “nos bastidores” das redes sociais para reagir a críticas ao presidente Jair Bolsonaro. “(Eles)Temem, pois sabem que é impossível bater de frente no digital. Por isso, ao invés de agirem pela frente, agem pelos bastidores, movimentando a máquina de assassinato de reputações”, afirmou.
Você se tornou uma voz não política capaz de afetar apoiadores do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais. Tem a dimensão desse impacto?
Eu me vejo apenas como um cidadão exercendo seu papel de cobrança em cima daqueles que trabalham para o povo. Minha indignação é vociferada por muitas pessoas, justamente porque elas se identificam com o mesmo nível de cobrança. Não posso achar que isso me dá uma função ou me torna especial, porque esse é o primeiro passo para se perder no caminho.
O debate político está, agora, também no mundo virtual. Essa mudança, de alguma forma, atingiu seus seguidores?
No YouTube, eu continuo sendo o mesmo apresentador de curiosidades e humor, mas acredito que, no Twitter, as pessoas me procuram mais pelo meu posicionamento mais sério a respeito de temas como a política, sim. Eu não vejo o Twitter como extensão do meu trabalho. Vejo como um local onde eu posso ser eu mesmo, sem qualquer compromisso.
Bolsonaristas temem o seu poder de fogo nas redes sociais?
Sim, temem, pois sabem que é impossível bater de frente no digital. Por isso, ao invés de agirem pela frente, agem pelos bastidores, movimentando a máquina de assassinato de reputações que a imprensa já mostrou tão bem como funciona. Essa é a forma que covardes usam para agir.
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