Deputados discutem nos bastidores alterações no regimento interno da Câmara para dificultar a atuação dos partidos de oposição ao governo de Jair Bolsonaro e, ao mesmo tempo, facilitar o andamento da pauta econômica adotada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A ideia é desidratar o chamado "kit obstrução", uma série de dispositivos regimentais usados para atrasar ou impedir votações.
Maia tem sido cobrado a levar adiante as mudanças por parlamentares governistas. A alteração nas regras internas foi uma promessa de campanha do presidente da Câmara para se reeleger no cargo, no início do ano. Deputados de PT, PCdoB e PSOL não aceitam discutir as novas regras caso a intenção seja aplicá-las já, apenas mudanças para a próxima legislatura, a partir de 2023.
“Precisamos discutir a reforma do nosso regimento. Que continue garantindo os direitos da minoria, mas que não seja o regimento que o cidadão na televisão ache que isso aqui é um picadeiro. Um regimento que favoreça o debate, não requerimentos que são completamente improdutivos”, disse o presidente da Câmara em fevereiro, logo após ser reeleito.
Atualmente, o chamado "kit obstrução" é formado por 17 tipos de dispositivos previstos no regimento interno que estão à disposição dos parlamentares. Vão desde o pedido para retirada de um projeto da pauta até o adiamento da votação por uma ou duas sessões.
Um dos pontos das propostas prevê o fim do tempo determinado de sessão. Hoje, cada período tem, no máximo, seis horas regimentais - cinco horas de sessão com uma prorrogação de uma hora. O fim da limitação pode evitar o adiamento das votações.
Isso porque, após a abertura de uma nova reunião, qualquer deputado pode pedir para verificar se há número suficiente de parlamentares presentes - verificação de quórum - e reapresentar boa parte dos 17 requerimentos do “kit obstrução”, mesmo se eles tiverem sidos debatidos anteriormente. Além disso, os líderes ganham direito a falar novamente.
De acordo com levantamento do deputado Eli Borges (SD-TO), autor da proposta de mudanças no regimento, uma única votação pode levar mais de nove horas de debate mesmo se todas as ferramentas de obstrução forem rejeitadas. O cálculo dele leva em conta que cada um dos 17 dispositivos regimentais pode ser discutido pelos líderes partidários e de bloco, além de dois deputados a favor e dois contrários ao requerimento. Se todos usarem o seu tempo permitido, cada discussão terá, no mínimo, 33 minutos.
Atualmente, a oposição tem 97 deputados de quatro partidos (PT, PSB, PSOL e Rede), além da adesão de legendas como PDT e Cidadania, o que eleva o número para 130 parlamentares. Sozinhos, eles não possuem poder para barrar uma votação, mas as manobras para adiar o debate acabam surtindo efeito.
Em discurso no plenário na semana passada, o deputado Capitão Augusto (PL-SP), aliado do governo, também cobrou Maia para mudar as regras das sessões. "Tudo bem que tem que ser respeitada a minoria, mas a democracia é a vontade da maioria, e a maioria não é respeitada aqui", afirmou.
Oposição critica
Deputados da oposição veem com ressalvas as mudanças. O deputado Henrique Fontana (PT-RS) diz achar válido discutir atualização do regimento, mas desde que para futuras legislaturas, para evitar "casuísmos".
O líder do PCdoB, Orlando Silva (SP), vai na mesma linha. “O regimento pode e deve ser aperfeiçoado, para melhorar a dinâmica do plenário, mas o direito das oposições precisa ser respeitado”, afirmou ele. "Não creio que prospere. Fala-se de alteração regimental, que só se aplicaria para a legislatura seguinte. Vai saber quem será oposição”, afirmou.
O regimento, que está em vigor desde 1989, já sofreu emendas desde então. As novas alterações foram apresentadas em dois projetos de resolução em análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “Os textos estão abertos para debate. É uma promessa de Maia que está sendo tocada agora”, afirmou o deputado Eli Borges. “O que vemos hoje é um tremendo desperdício de tempo do Parlamento. O regimento foi feito para paralisar e não para produzir.”
O Estado apurou que a proposta já circulou na mão de parte dos líderes partidários e do presidente Rodrigo Maia. Se os textos forem aprovados do jeito que estão, eles entrarão em vigor em 90 dias após a sua sanção.
Para o filho do presidente, a medida tem que valer para já. “Mas eu sei que a oposição não vai querer, porque eles querem obstruir o governo. Eu quero é votar. Quem tem maioria, ganha”, afirmou Eduardo Bolsonaro.
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