O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, negou seguimento a mandado de segurança impetrado pelo procurador de Justiça do Piauí, José Ribamar da Costa Assunção, para anular decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que aplicou-lhe a pena de suspensão por 60 dias, com perda de vencimento e das vantagens do cargo. A decisão é de 21 de agosto.
O procurador alegou, entre outras razões, que o processo administrativo disciplinar, que resultou na sanção, deveria ser extinto por prescrição, tendo em vista que não teriam sido respeitados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, havendo desproporcionalidade na pena imposta.
- Foto: Demétrius Abrahão/Fotoarena/Estadão ConteúdoGilmar Mendes
Em sua decisão, Gilmar Mendes analisou os fatos descritos e verificou que as condutas imputadas ao procurador podem ser enquadradas, em tese, em diversos tipos penais: embriaguez ao volante (artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro), lesão corporal (artigo 129 do Código Penal) e resistência (artigo 329 do Código Penal).
O relator observou que esses delitos prescrevem penas máximas in abstracto que variam entre três meses a três anos, motivo pelo qual a prescrição a ser aplicada aos atos analisados pela decisão impugnada poderá se dar em oito anos, caso as condutas imputadas se amoldem aos tipos descritos.
Veja a decisão de Gilmar Mendes
Mendes afirmou que, de acordo com a jurisprudência do STF, basta a capitulação da infração administrativa como crime para ser considerado o prazo prescricional previsto na lei penal.
“Dessa forma, considerando a possibilidade de aplicação do prazo prescricional de oito anos às condutas imputadas ao impetrante, mostra-se prematura a sua pretensão de ver reconhecida a prescrição administrativa em relação aos fatos narrados, ocorridos em 2013. Além disso, cumpre registrar que nas informações prestadas pela autoridade coatora, consta que foi instaurada ação penal na 6ª Vara Criminal da Comarca de Teresina (PI) referente aos fatos descritos na inicial, imputando-lhe os crimes do artigo 306 do CTB e 329 do CP, ainda pendente de recebimento pelo órgão judiciário competente”, diz trecho da decisão.
Quanto à suspensão temporária de remuneração e vantagens, o ministro não verificou violação a direito líquido e certo do procurador.
Entenda o caso
Em junho de 2014, foi instaurado um procedimento administrativo disciplinar para apurar a responsabilidade do procurador em acidente de trânsito provocado em decorrência de embriaguez, no dia 13 de dezembro de 2013. Consta nos autos que ele teria fugido do local, sendo interceptado minutos depois pelo motorista do veículo atingido, tendo-o agredido e recusando-se a arcar com os danos causados.
Ainda de acordo com o PAD, o procurador teria resistido à detenção por policiais militares quando de sua condução à Central de Flagrantes de Teresina.
A Comissão Processante deliberou inicialmente pelo arquivamento do PAD, por motivo de prescrição. No entanto, a deliberação foi submetida ao Conselho Superior do Ministério Público, que não homologou o arquivamento. O processo então continuou em tramitação no âmbito estadual.
Já no ano de 2017, em correição realizada no Ministério Público do Estado do Piauí, o corregedor nacional do Ministério Público propôs a avocação do PAD e a sugestão foi acolhida pelo Plenário do CNMP, dando origem ao processo em questão.
- Foto: Ministério Público do Estado do Piauí Procurador José Ribamar da Costa Assunção
Em junho deste ano, o CNMP decidiu punir o procurador. O órgão afastou a prescrição por decurso de prazo prevista na Lei Orgânica do Ministério Público e aplicou a prescrição penal ao caso, por se tratar de um crime. Para o CNMP, o conjunto probatório produzido nos autos é firme no sentido de que o acidente foi provocado em razão do estado de embriaguez do procurador que, mesmo após ser interceptado, desferiu um tapa no rosto do condutor do veículo atingido e resistiu à ordem dos policiais militares, conduta comprovada por vídeo feito durante a abordagem policial.
Outro lado
Procurado pelo GP1, na tarde desta quarta-feira (5), o procurador José Ribamar comentou a decisão do ministro Gilmar Mendes e fez duras críticas: “O mandado de segurança foi muito mal apreciado, nós estamos, inclusive, achando que o ministro talvez nem tenha tomado conhecimento propriamente desse mandado de segurança porque são muitas ações e o seu chefe de gabinete, que nós chegamos, inclusive, a procurar para conversar pessoalmente, porque nós não conseguimos uma audiência com o ministro Gilmar, disse que ia tomar todas as providências e de repente nós fomos surpreendidos com essa decisão. Mas, essa decisão tem recurso”, afirmou.
“Nós imaginamos que o chefe de gabinete resolveu tudo e assinou porque a assinatura eletrônica do ministro Gilmar é a que consta nos autos, quer dizer, nós imaginamos que o ministro não tomou conhecimento, é uma acusação séria essa que eu faço, mas é possível, porque nós fomos inteiramente enganados por esse chefe de gabinete do ministro”, denunciou.
Segundo o procurador, foi tentada uma audiência com Gilmar Mendes: “Nós solicitamos audiência com o ministro, porque é um direito da parte interessada ter uma audiência com o ministro, e o chefe de gabinete dele colocou a maior dificuldade do mundo para nos conceder essa audiência, e eu terminei encaminhando meu advogado a Brasília para ter uma conversa com o chefe de gabinete, e ele adiantou que tudo ia dar certo e de repente fomos surpreendidos com essa decisão”, declarou.
“Mas, não tem problema pelo seguinte: Nós temos um agravo interno contra a decisão monocrática do ministro, e nós estamos confiantes que, através do agravo interno, a decisão monocrática do ministro seja alterada, porque agora vai pra turma do Supremo, que é quem vai decidir o mandado de segurança, que não está decidido ainda, cabe agravo contra a decisão e é exatamente isso que nós vamos interpor até o final dessa semana, início da próxima, porque nós temos até o dia 17 deste mês para ingressar com o agravo interno”, explicou.
Para o procurador, tudo isso é uma injustiça: “Esse fato aconteceu comigo em 2013, e somente em 2017, 4 anos depois, o procurador geral de Justiça do Piauí resolveu tomar providências, estranha-se esse procedimento e que resultou nessa decisão do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) contra minha pessoa, mas tudo isso pode ser revertido, porque foi de uma injustiça clamorosa, há vários aspectos no processo, procedimento de conduta, administrativo, há vários aspectos que são irregulares”.
Ainda de acordo com José de Ribamar, a ação está prescrita: “O procedimento tramitou no Conselho Nacional em termos de urgência porque a ação estava prescrevendo, a ação está prescrita, inclusive, esse PAD foi avocado pelo Conselho Nacional porque o MP-PI não julgava o PAD, aí o Conselho Nacional avocou o procedimento, ele foi julgado já prescrito”, esclareceu.
“Essa decisão do Conselho Nacional vai ser enfrentada em todos os sentidos, ela tá sendo enfrentada agora através do mandado de segurança, se o mandado de segurança não for provido, nós vamos então ingressar com ação própria junto à Justiça Federal para anular a decisão do CNMP, então há muita coisa pela frente, eu não vou deixar isso de lado”, garantiu.
“Nós sabemos que o ministro Gilmar não gosta do Ministério Público, isso é público e notório, então todas as causas em que há alguém do Ministério Público, ele usa de má vontade nas decisões dele”, pontuou.
Por fim, o procurador destacou que ainda não foi suspenso: “Quero salientar outra coisa, essa decisão do Conselho Nacional, que é uma suspensão de 60 dias com perda de vencimentos, ela não foi ainda concretizada, houve a decisão, mas eu ainda não fui suspenso, não houve a suspensão porque primeiro tem que haver a intimação do Conselho Nacional, após isso nós temos embargos declaratórios no Conselho Nacional, eu não acredito que os embargos tenham alguma coisa, porque nós sabemos que também existiu má vontade do CNMP no julgamento dessa causa, o Conselho Nacional foi todo orientado no sentido de julgar a causa contra o procurador de justiça”, afirmou.
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