O Conselho Regional de Medicina do Piauí (CRM-PI) divulgou, nesta semana, nota acerca do projeto de lei do deputado João Mádison que garante às gestantes o direito de optar pelo parto cesáreo a partir da 39ª semana de gestação, bem como analgesia mesmo quando for escolhido o parto normal na rede pública de saúde.
Segundo o conselho, “é preciso avaliar as regras de organização e funcionamento da saúde pública, especialmente dentro do Sistema Único de Saúde – SUS, que tem normas e fundamentos constitucionais voltados para a proteção da saúde, por meio de medidas e escolhas que inibam os riscos de agravos à saúde das pessoas, seja de modo individual ou coletivo”.
Consta ainda que para o CRM-PI, está fundamentadamente comprovado que o parto cesariano oferece mais riscos de infecções e morte para pacientes nas situações habituais.
“Além disso, o CRM-PI também considera alarmante o Projeto de Lei Estadual n° 163 de 19 de agosto de 2019, pois o sistema público de saúde, que já não vem comportando a sobrecarga existente, não suportará o aumento do número de atendimentos por cirurgia, que certamente demanda mais profissionais qualificados, mais estrutura de centros cirúrgicos, leitos de UTI e leitos de enfermaria, sem falar no maior tempo de internação”, diz outro trecho da nota.
Confira abaixo a nota na íntegra:
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Piauí – CRM-PI vem apresentar as seguintes considerações a respeito do Projeto de Lei Estadual n° 163, de 19 de agosto de 2019, de autoria do Deputado João Mádison, que “dispõe sobre a garantia da gestante para optar pelo parto cesariano, a partir da trigésima nona semana de gestação, bem como a analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal”.
O tema em questão já vem sendo discutido pela Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Conselho Federal de Medicina – CFM por ocasião de outro projeto de lei semelhante ao projeto em comento. Assim, com base nestas discussões, o CRM-PI demonstra preocupação em relação ao Projeto de Lei nº 163, de 19 de agosto de 2019, uma vez que é preciso pensar o que é mais importante: os princípios da autonomia da gestante, do seu direito à escolha e/ou o princípio de preservação à vida.
Além disso, é preciso avaliar as regras de organização e funcionamento da saúde pública, especialmente dentro do Sistema Único de Saúde – SUS, que tem normas e fundamentos constitucionais voltados para a proteção da saúde, por meio de medidas e escolhas que inibam os riscos de agravos à saúde das pessoas, seja de modo individual ou coletivo.
O primeiro desses fundamentos, conforme disposto no art. 196 da Constituição Federal (CF), é o da adoção de políticas públicas que preservem a saúde sob todos os aspectos, o que se denomina de princípio da segurança sanitária. Tal princípio, que não se contrapõe à autonomia da vontade, fornece orientações a partir da definição, de acordo com as evidências científicas, de medidas protetivas segundo as quais o serviço de saúde deve ser sempre voltado à prevenção, evitando-se o atendimento curativo, conforme estabelece diretriz organizativa do SUS prevista no art. 198, II da CF.
Para o CRM-PI, não se pode pensar em uma total autonomia da paciente para escolher o tipo de parto que ela deseja (normal ou cesariano), o que deve ser feito por meio da avaliação do profissional médico da área que indicará a melhor e mais segura opção.
Ademais, fatores externos a essa autonomia devem ser considerados no sistema público de saúde: baixo poder aquisitivo de pacientes que vivem em regiões de ineficiente saneamento básico (água sem tratamento, falta de esgotamento), além de cuidados essenciais e mínimos de saúde para a paciente que venha a passar por cesárea, como necessidade de higiene doméstica, necessidade para compra de antibióticos, boa alimentação, atendimento de qualidade na rede pública, entre outros. Estes cuidados são essenciais para que se possa evitar intercorrências e mortes por infecção puerperal.
Importa destacar que, dentre os fundamentos de organização do SUS, sobretudo em relação ao parto, estão as políticas de saúde que dispõem que o parto natural é o que mais previne riscos, sendo o parto cesariano a exceção, devendo somente ser realizado caso haja real necessidade. Nesse sentido, não se pode entender que a autonomia da gestante possa se sobrepor às situações em que a política pública do Ministério da Saúde, fundada em bases e evidências científicas e recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), define outra medida como a mais segura terapeuticamente. Sobre este ponto, o Ministério da Saúde (MS), por meio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde (CONITEC), realizou consulta pública, em abril de 2015, quanto às “Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação Cesariana”, com extensa descrição da situação no Brasil e seu impacto na saúde da mulher e do bebê. Estas diretrizes foram aprovadas em 2016, pela Portaria n° 306, de 28 de março de 2016, após pactuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT).
A adoção dessa política pelo MS decorre do assustador número de cesarianas no Brasil, que alcançou as mais altas taxas do mundo, tendo a OMS se referido a uma “epidemia de cesarianas”, uma vez que o Brasil apresentou, no ano de 2016, uma taxa de 55% de partos cesáreos.
Portanto, para o CRM-PI, está fundamentadamente comprovado que o parto cesariano oferece mais riscos de infecções e morte para pacientes nas situações habituais. Além disso, o CRM-PI também considera alarmante o Projeto de Lei Estadual n° 163 de 19 de agosto de 2019, pois o sistema público de saúde, que já não vem comportando a sobrecarga existente, não suportará o aumento do número de atendimentos por cirurgia, que certamente demanda mais profissionais qualificados, mais estrutura de centros cirúrgicos, leitos de UTI e leitos de enfermaria, sem falar no maior tempo de internação. Assim, não resta dúvida de que o princípio mais caro que há é o princípio da preservação da vida, acima até mesmo do princípio da autonomia de escolha, que, nesse caso da cesariana, precisa do parecer e da indicação do médico, sempre.
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