A 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu nessa quarta-feira (12), por unanimidade, anular as provas e arquivar o inquérito da Polícia Federal (PF) aberto em setembro de 2021 que investigava os ex-secretários da Cultura do Piauí, Carlos Anchieta e Fábio Novo (PT), atualmente deputado estadual, por desvio de recursos públicos da Lei Aldir Blanc destinados à Secretaria de Cultura do Piauí (Secult), entre 2020 e 2021. A investigação resultou na Operação Front Stage deflagrada em agosto de 2024.

O tribunal também declarou a nulidade da requisição de instauração do inquérito, reconhecendo a ilicitude dos elementos probatórios obtidos após setembro de 2021. Determinando assim, o arquivamento imediato do caso e a devolução dos bens apreendidos. O inquérito foi instaurado após denúncias feitas à PF e à Controladoria Geral da União (CGU), que apontaram irregularidades na aplicação dos recursos.

Foto: Alef Leão/GP1
Fábio Novo

“A seção, por unanimidade, declarou a nulidade do ato de requisição de 23 de setembro de 2021 de instauração do presente inquérito policial e de todos os atos que lhe sejam derivados; reconheceu a ilicitude de todos os elementos probatórios colhidos, a partir da mencionada data e determinou, de oficio, o arquivamento do inquérito policial e a imediata devolução dos bens e valores apreendidos e julgou prejudicado o incidente de restituição de coisas apreendidas, nos termos do voto do(a) relator(a)”, diz trecho da decisão.

O relator do processo foi o desembargador federal Marcus Bastos.

Detalhes da investigação

A investigação identificou transações financeiras suspeitas entre as empresas favorecidas pelos editais culturais da Secult e agentes públicos da pasta. Além disso, alguns projetos culturais premiados apresentaram indícios de lavagem de dinheiro, com repasses a pessoas físicas e jurídicas de fachada.

Os recursos investigados, que somam R$ 1,67 milhão, foram destinados a empresas que, segundo a PF, estavam ligadas a figuras públicas e apresentaram evolução patrimonial incompatível com os rendimentos declarados. As transações foram analisadas pela PF, que apontou indícios de crimes como associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro, com penas que podem chegar a 25 anos de reclusão.

Em sua apuração, a PF identificou que alguns artistas e grupos contemplados com os prêmios estavam envolvidos em esquemas fraudulentos, como a duplicação de projetos, com a apresentação das mesmas propostas em editais de cidades diferentes. A Controladoria Geral da União também investigou as ações da Secult-PI, que falhou em prestar as devidas informações sobre a execução dos projetos, prejudicando a fiscalização e dificultando a verificação da correta aplicação dos recursos públicos.

A Secretaria da Cultura do Piauí publicou três editais em 2020 para premiar iniciativas culturais no âmbito do estado, utilizando recursos da Lei Aldir Blanc. A maior parte dos valores, R$ 28,6 milhões, foi destinada a pessoas jurídicas, e a CGU identificou que 38 dessas empresas apresentavam características que sugeriam irregularidades, como vínculos com agentes públicos e com empresas relacionadas ao setor cultural.

Foto: Davi Fernandes/GP1
Secretaria de Estado de Cultura do Piauí (Secult)

Dentre as empresas investigadas, destacaram-se casos de empresas com histórico de atuação fora do setor cultural. Um exemplo foi a Ligia B Felix Empreendimentos, que ganhou R$ 300 mil em um dos editais, mas tem como atividade principal a organização de feiras e eventos, não compatível com o objetivo da Lei Aldir Blanc, que visava apoiar o setor cultural afetado pela pandemia de Covid-19. A investigação também revelou que alguns dos envolvidos com essas empresas eram ligados a gestores da Secult-PI, o que levantou suspeitas de favorecimento.

A PF também identificou movimentações bancárias suspeitas envolvendo o atual secretário de Cultura, Carlos Anchieta, que recebeu depósitos de empresas ligadas ao setor de eventos culturais, o que gerou suspeitas de propina e corrupção. As investigações mostraram que esses repasses poderiam ser parte de um esquema de retorno de parte dos recursos destinados a eventos contratados pela Secult.

O relatório da PF detalhou a utilização de estratégias para ocultar a origem dos recursos, como depósitos fracionados abaixo de R$ 10 mil, a fim de evitar a comunicação obrigatória ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Apesar das evidências de movimentações financeiras irregulares, a investigação não conseguiu comprovar que Carlos Anchieta tenha recebido diretamente recursos da Lei Aldir Blanc. Contudo, a PF sugeriu que mais medidas, como busca e apreensão, seriam necessárias para esclarecer o caso.

A Controladoria Geral da União, por sua vez, concluiu que a falta de transparência por parte da Secult-PI quanto à execução dos projetos premiados fortaleceu os indícios de favorecimento e aumentou o risco de irregularidades na aplicação dos recursos públicos federais.