A enfermeira piauiense Jandra Mayandra da Silva Soares, assassinada a tiros em maio deste ano no Ceará, pode ter sido vítima de uma “queima de arquivo” por ter acessado dados sigilosos de uma investigação iniciada em 2020, envolvendo a Fundação Leandro Bezerra de Menezes, cujo um dos diretores, Valério Roberto Faheina Júnior, é o principal suspeito de ter ordenado o assassinato da piauiense. O GP1 teve acesso a detalhes da investigação e apurou que a fundação é alvo do Ministério Público do Ceará por corrupção e várias irregularidades na prestação de contas.

A principal suspeita da Polícia Civil do Ceará é de que o assassinato de Jandra está relacionado ao seu cargo de gerente administrativa no Hospital Dr. Osvaldo Cruz (HDOC), onde Valério Roberto também é diretor. Com o cargo, a vítima tinha acesso às informações privilegiadas sobre a Fundação Leandro Bezerra de Menezes.

Foto: Reprodução/Facebook
Jandra Mayandra da Silva Soares

Outros pontos que reforçam a tese da Polícia Civil foram as inconsistências no depoimento de Valério. Acredita-se que o assassinato de Jandra foi planejado e executado de forma profissional, com uma clara divisão de tarefas entre os executores.

A investigação indica que o planejamento do crime incluiu a ocultação de elementos relacionados à autoria e participação e, por isso, a autoridade policial solicitou à Justiça o acesso total aos dados do celular de Valério para elucidar os fatos.

Investigações contra a Fundação Leandro Bezerra de Menezes

O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) desaprovou as contas da Fundação Leandro Bezerra de Menezes (FLBM) referentes aos anos de 2014 a 2017. A FLBM administra o Hospital São Raimundo e diversas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) no Ceará. Foram encontradas várias irregularidades, incluindo alterações estatutárias sem aprovação do MP, superfaturamento na aquisição de bens e serviços, e desvio de finalidade.

A diretoria e os conselhos da FLBM eram compostos por empregados sem conhecimento técnico em gestão ou contabilidade, que não desempenhavam atividades filantrópicas, atendendo interesses particulares e empresariais. Documentos revelaram que proprietários de empresas fornecedoras para a FLBM tinham poderes ilimitados para praticar atos de gestão, gerando conflitos de interesse. O MPCE recomendou a revogação imediata das procurações de alguns gestores.

Desde 2018, a FLBM não prestava contas e realizava alterações estatutárias e abertura de novas filiais sem autorização. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) em 2020 identificou diversas irregularidades nas UPAs administradas pela FLBM. Entre 2014 e 2020, a FLBM recebeu mais de R$ 441 milhões em recursos públicos, apesar de ser uma instituição sem fins lucrativos.

Cópias dos documentos foram enviadas às promotorias das cidades envolvidas para aprofundar a investigação, mantendo o sigilo das provas compartilhadas com autorização judicial. Uma Ação Civil Pública foi ajuizada para a extinção da FLBM, mas ainda segue em andamento.

Crime planejado

Durante o crime, os estojos das munições que atingiram Jandra desapareceram, reforçando a tese de um assassinato profissional. Testemunhas relataram que policiais militares estiveram no local do crime e que um deles possuía estojos de munição .40, que não foram encontrados posteriormente. A polícia apreendeu o celular do diretor para análise e busca de mais evidências sobre o planejamento e execução do crime.

“O fato de: 'os disparos terem sido efetuados exclusivamente em direção à Jandra Mayandra, e os tiros terem sido agrupados', além do que 'não foram encontrados estojos de munições nas proximidades do local do crime, muito embora as informações colhidas através de populares davam conta que o atirador utilizou uma pistola, arma que extrai os estojos, e com os quais poderiam identificar a origem da munição, rastreando o lote de fabricação e sua distribuição”, diz trecho dos autos.

Conforme a investigação da Polícia Civil, existe a suspeita de que as munições tenham sido levadas por policiais militares, de acordo com o que foi relatado por outro agente que esteve na cena do crime. "Consta ainda nos autos a informação dada por uma testemunha policial de que ao chegar no local do crime, haviam em torno de 6 policiais do Raio, todos de moto e com fardamento preto, que teve a informação no local do crime que o calibre da arma usada no homicídio seria o '.40', que em um determinado momento, indagou aos policiais do Raio como sabiam dessa informação, 'então um dos policiais (não se recorda qual, pois o fardamento os deixam muito parecidos e inclusive é difícil identificar a graduação e nome) abriu a mão e mostrou 3 estojos de munição .40 deflagrados, que segundo o policial os estojos foram encontrados no meio-fio próximo ao carro da vítima' e que tomou conhecimento que os estojos não foram mais localizados pelo Delegado Plantonista e pelos agentes do Coin", acrescenta-se nos autos.

Em junho, quatro policiais militares foram presos por suspeita de envolvimento no assassinato, após consultarem informações sobre a vítima no sistema da polícia. Eles foram liberados posteriormente.