O advogado Renzo Bahury de Souza Ramos, apontado como líder de um esquema criminoso que desviou mais de R$ 110 milhões em recursos públicos dos cofres de prefeituras e órgãos estaduais, se tornou réu em mais um processo na Justiça Federal. A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) foi recebida no dia 11 de julho pelo juiz federal Gustavo André Oliveira dos Santos, da 1ª Vara Federal Criminal do Piauí, que também mandou para o banco dos réus o braço direito de Renzo Bahury, Cícero Alves Cavalcante Júnior, e os ex-prefeitos Alecxo de Moura Belo (Dom Expedito Lopes) e Leonardo de Morais Matos (Gilbués).

Os réus responderão pelos seguintes crimes: Alecxo Belo (corrupção passiva); Renzo Bahury (corrupção ativa); Cícero Alves (desvio de recursos públicos e corrupção ativa); e Leonardo Matos (desvio de recursos públicos).

Foto: Reprodução
Renzo Bahury de Souza Ramos

Conforme a denúncia, o advogado Renzo Bahury liderou um esquema de desvio de dinheiro público que superou o montante de R$ 110 milhões no Piauí, sendo R$ 382.944,00 apenas no município de Dom Expedito Lopes.

A denúncia foi assinada pela procuradora Nicole Campos Costa e os procuradores Israel Gonçalves Santos Silva (Coordenador do GAECO) e Leonardo Carvalho Cavalcante de Oliveira (Membro do GAECO).

Os fatos narrados neste processo já foram objeto de denúncia em uma ação penal ajuizada em 2020, contra Alecxo de Moura Belo e Renzo Bahury. No entanto, a participação de Cícero Cavalcante e Léo Matos no esquema criminoso foi descoberta apenas durante uma recente investigação nos autos de um Procedimento de Investigação Criminal instaurado no ano passado. Por esse motivo, a nova denúncia foi ajuizada apenas neste momento.

Denúncia

Segundo a denúncia, Renzo Bahury, por meio de Cícero Alves Cavalcante Júnior, ofertava serviços aos municípios piauienses, que eram contratados através de licitação direcionada ao escritório do acusado, envolvendo recuperação de créditos ou compensações previdenciárias junto à Receita Federal em favor dos municípios contratantes, através de inserção de dados falsos em sistemas, que na maioria das vezes era feita por Leonardo de Morais Matos, gerando compensações fraudulentas ou indevidas.

“Essas informações falsas eram prestadas junto à Receita Federal. Com essa manobra, os municípios deixavam de recolher milhões de reais junto à RFB, podendo com essa ‘folga orçamentária’ (leia-se, dinheiro da União) gastar com o que lhes aprouvessem. Com isso, o escritório de Renzo Bahury, que prestava assessoria jurídica, recebia valores na casa das centenas de milhares de reais ao conseguir essas compensações”, diz trecho da denúncia.

Posteriormente, conforme o MPF, a Receita Federal analisava essas compensações indevidas, autuava procedimento administrativo fiscal para apurá-las e, após todo o trâmite, as julgava fraudulentas, o que gerava para o município o dever do recolhimento do montante integral, acrescido de juros, correção monetária e aplicação de multa.

Para os prefeitos, a contratação do serviço fraudulento interessava porque gerava uma vantagem imediata: a desoneração de parte da receita do município, rolando as dívidas (momento em que a Receita Federal reconheceria a fraude) para as gestões seguintes.

“Os gestores municipais obtinham uma disponibilidade orçamentária totalmente indevida, sem se preocupar com a futura e eventual autuação da Receita Federal e consequentes encargos e multa administrativa, cuja responsabilidade, ao tempo da cobrança, poderia recair sobre outra gestão. Por isso, realizavam a contratação sem licitação dos serviços oferecidos pelo escritório de Renzo Bahury, cientes da ilegalidade e dos riscos envolvidos”, pontuou o membro do MPF.

Como atuou cada um dos denunciados, segundo o Ministério Público Federal:

Cícero Alves Cavalcante Júnior

O papel dele, segundo depoimento de Renzo, na organização criminosa seria de arregimentar prefeituras e manter contato com elas. Ao analisar o celular dele, Cícero também era o responsável por realizar o pagamento das propinas e operacionalizar o recebimento dos valores das prefeituras, por vezes até mesmo cobrando os pagamentos dos agentes políticos.

“O dolo do acusado revela-se evidente, ante as circunstâncias do caso concreto, notadamente pelas flagrantes irregularidades em comento, a revelar que se tratou de mera montagem do procedimento de inexigibilidade e que Cícero tinha pleno conhecimento e envolvimento nessas contratações, aliada à ocorrência de pagamento ao profissional antes mesmo do recebimento do objeto do contrato, sem que ficasse demonstrado qualquer êxito da demanda, mesmo o contrato prevendo que os pagamentos seriam realizados após o êxito da atuação”, pontuou na denúncia o MPF.

Alecxo Belo e Renzo Bahury

O ex-prefeito de Dom Expedito Lopes, Alecxo Belo, contratou irregularmente do escritório R.B. Souza Ramos, de propriedade de Renzo Bahury, por intermédio de Cícero Alves, além de ter autorizado pagamentos indevidos, com desvio de recursos públicos, em favor de Renzo.

“As condutas dolosas por parte de Alecxo de Moura Belo e Renzo Bahury restaram comprovadas, tendo em vista que o primeiro foi o responsável pela contratação da empresa R.B. Souza Ramos, de propriedade do segundo, bem como por ordenar e pagar pelo serviço de consultoria/assessoramento com erro e sem qualquer sucesso por Renzo, a despeito do contrato administrativo firmado exigir o êxito da compensação para o pagamento”, afirmou o MPF.

Já o advogado Renzo Bahury foi apontado como responsável pela arquitetura criminosa e do intermediário do escritório contratado, Cícero Alves Cavalcante Júnior, além da participação de Leonardo de Morais Matos, representante do município de Gilbués, que procedeu ao preenchimento e envio das GFIPs fraudulentas.

Consta ainda que as compensações previdenciárias não homologadas e glosadas (GFIP) geraram um prejuízo de R$ 1.432.231,46 ao Município de Dom Expedito Lopes, além do próprio dano decorrente do pagamento para o escritório de advocacia R.B. Souza Ramos no valor de R$ 382.944,00.

Leonardo de Morais Matos

De acordo com a denúncia, Leonardo de Morais Matos, na qualidade de prefeito de Gilbués, realizava o lançamento da GFIP de diversos outros municípios piauienses junto à Receita Federal com a compensação tributária indevida. “Assim, durante os exercícios de 2016 e 2017, identificou-se que Leonardo de Morais Matos, apesar de representante e prefeito de Gilbués/PI, realizava pessoalmente o preenchimento da GFIP de diversos municípios do grupo criminoso de Renzo Bahury de Souza Ramos, inclusive de Dom Expedito Lopes”, elencou.

Operação Grima

No dia 14 de dezembro de 2023, a Polícia Federal deflagrou a primeira fase da Operação Grima com objetivo de desarticular um grupo responsável por supostas fraudes contra a Receita Federal, com a atuação de escritórios de advocacia no Piauí e no Ceará. Na ocasião, foram cumpridos mandados de busca e apreensão contra o advogado Renzo Bahury e Cícero Alves.

Durante as buscas, foi apreendido celular de Renzo, que após feita análise, ficou evidente a prática de corrupção orquestrada pelo advogado com o auxílio de Cícero. "Viu-se que Cícero Alves conversava com inúmeros representantes de municípios e realizava o ajuste de pagamento de propina para os agentes políticos, que, posteriormente, era efetuado por Renzo", destacou o MPF na denúncia.

Operação Grima II

Cícero Alves Cavalcante, homem de confiança do advogado Renzo Bahury de Souza Ramos, foi preso pela Polícia Federal no âmbito da Operação Grima II, no dia 26 de junho deste ano, acusado de integrar um esquema criminoso que causou rombo de, ao menos, R$ 50 milhões aos cofres públicos.

Cícero Alves residia na zona leste de Teresina e, recentemente, se mudou para a cidade de Goiânia-GO, onde acabou sendo preso. Somente no Piauí, foram cumpridos dez mandados de busca e apreensão. O GP1 apurou que a PF requereu a prisão do advogado Renzo Bahury, contudo, o pedido foi negado pelo Poder Judiciário.

Outro lado

A reportagem tentou ouvir o advogado Renzo Bahury, através de ligações e mensagens, mas não obteve retorno até a publicação da matéria.

Cícero Cavalcante e os ex-prefeitos Alecxo de Moura Belo e Léo Matos também não foram localizados pelo GP1. O espaço está aberto para esclarecimentos.