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Toffoli diz que Lava Jato ‘destruiu empresas’ e MP é pouco transparente

Para presidente do STF, colaboração da pessoa jurídica na operação ‘não ficou clara’.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro José Antônio Dias Toffoli, disse ao Estado em entrevista na sexta, 13, que o governo do presidente Jair Bolsonaro “tem pessoas e áreas de excelência funcionando muito bem”. Não quis dizer quais são, mas reiterou: “São áreas de excelência, têm feito belíssimos trabalhos, têm tido diálogos com as instituições o tempo todo”.

Com 52 anos, há 10 na Corte e há 15 meses na presidência, o paulista de Marília, ex-advogado e integrante do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o indicou ao posto, com referendo do Senado, recebeu o Estado na enorme sala de audiências contígua ao seu gabinete no terceiro andar do STF, com ampla vista para o Palácio do Planalto. Aproveitando a costumeira informalidade da sexta-feira, estava sem gravata e sem meias. Uma tosse chata o incomodava de vez em quando – “esse ar condicionado acaba matando a gente”, disse, a tantas, mandando desligar. Tinha um leve ar de cansaço – que explicou como resultado de 18 horas de trabalho por dia. “Estou doido pra descansar”, afirmou.


Em quase duas horas de entrevista, numa histórica mesa de madeira, oval, de 12 lugares, Dias Toffoli falou do presidente e do governo Bolsonaro; disse que “o Ministério Público deveria ser uma instituição mais transparente” – como entende que o Judiciário o seja -, e que “a Lava Jato destruiu empresas – o que jamais aconteceria nos Estados Unidos, por exemplo”.

Comentou, também, os momentosos e recentes julgamentos que agitaram o Supremo, como aquele em que deu o voto decisivo para proibir a prisão depois da sentença em segunda instância. A decisão possibilitou a saída do ex-presidente Lula da prisão em que estava há quase dois anos, condenado na operação Lava Jato. Sobre o julgamento do Coaf (rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira), no qual seu voto foi criticado como difícil de entender – “precisa de um professor de javanês”, disse o ministro Luís Roberto Barroso – Dias Toffoli afirmou que foi um voto “elogiadíssimo”. Comentou, também, o repto que deu em Barroso, durante sessão do plenário, dizendo “respeite seus colegas”.

Hoje é sexta, 13. O sr. é supersticioso?

Não.

É o dia, também, em que o AI-5, de triste memória, faz 51 anos. Ontem (quinta-feira, 12), em mais uma lembrança dos piores momentos da ditadura, o presidente Jair Bolsonaro disse que mandaria ao pau-de-arara, um método bárbaro de tortura, um ministro que descobrisse ser corrupto. O que o sr. acha desse tipo de declaração do presidente, de resto recorrente?

É evidente que a responsabilidade de um cargo impõe uma ritualística mais rigorosa para o uso de determinadas expressões, que às vezes pode ser o uso do ponto de vista de uma alegoria, mas que vindo de determinadas autoridades passa a ter um outro peso. São manifestações que devem ser mais comedidas e mais pensadas. Mas, do ponto de vista da relação entre os poderes, o que eu posso dizer é que ao longo deste ano as relações foram cordiais e de fácil diálogo entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo como um todo.

Foi um ano tenso, não?

O Brasil vinha de governos de centro e centro-esquerda. E mudou para um governo de direita. Então houve, depois da redemocratização, uma primeira vitória da direita com o apoio da extrema-direita.

Como o sr. entendeu essa mudança?

Como um cansaço da população seja com corrupção, seja com pessoas que a população já não queria mais ver como seus representantes. E com a ideia de uma vontade de destravar o Estado, superar a burocracia estatal. Essa foi a mensagem que foi levada e aceita pelas urnas. Então, em primeiro lugar, tem que se respeitar a vontade popular. Democracia é assim. É alternância de posições, seja política, seja econômica, seja ideológica, dos representantes do povo.

O julgamento mais importante do ano foi o que acabou, por apertada maioria, com a prisão depois de decisão da segunda instância. O sr. esteve no centro da roda, levando tiro de todo lado, virou até boneco nas manifestações. A questão poderia não ter sido votada até hoje – ou até o sr. sair da presidência. Por que o sr. a colocou na pauta?

Era um tema que já estava liberado para a pauta pelo relator, ministro Marco Aurélio, há muito tempo. E tanto o ministro Marco Aurélio quanto o ministro Celso de Mello estão já próximos da aposentadoria – e pediam para mim que isso fosse a julgamento para terem a possibilidade de votar. A outra questão é a pacificação social. Grande parcela da sociedade gostaria de ver isso julgado, embora outra parcela não quisesse. E a nossa função é julgar. Então foi julgado.

Como o sr. administrou a tensão e os ataques?

Se dizia, de um lado, que viria um grade caos, uma tensão na sociedade, que as ruas iam ser tomadas, que as cadeias iam ser abertas. E aí se verificou e se verifica que nada disso aconteceu. Ou seja: era muito mais espuma do que qualquer outra coisa. E, pelo contrário, parece que se deu uma serenidade, inclusive com o parlamento assumindo as suas competências do ponto de vista de eventual solução normativa para o tema.

Alguns dias depois do julgamento da segunda instância o Estadão fez um editorial dizendo exatamente isso que o sr. acabou de dizer: o mundo não se acabou. O sr. foi ameaçado nas redes sociais, virou recordista em pedidos de impeachment, foi atacado pelos partidários da Lava Toga, foi chamado de colaboracionista. Como viu esse bombardeio?

Um juiz tem que ter todas as garantias para tomar com liberdade as suas decisões. E o juiz está vinculado à lei e à Constituição. Eu sempre disse: juiz não pode ter desejo. O juiz que quer ter desejo tem que largar a magistratura e ir para a política. Eu elogio aqueles que fazem isso. Recentemente tivemos dois casos emblemáticos: o governador Witzel, e o ministro Moro. O juiz, tendo a vitaliciedade, uma boa remuneração e a estabilidade, ele tem as garantias de enfrentar pressões. E em relação a isso eu sou muito tranquilo, não perco o sono. A única coisa inaceitável são as críticas contra a instituição e contra a democracia.

Por isso o sr. determinou aquele inquérito (contra ataques a ministros do STF nas redes sociais), no começo do ano, que tanta polêmica causou?

Esse inquérito mostrou que existiam ações orquestradas com robô para difundir mensagens, dar a impressão de que eram muito mais pessoas contrárias à Corte do que realmente eram. Na verdade eram produções feitas por pequenos grupos que depois se espalharam através de máquinas.

Foi uma das grandes polêmicas do ano.

Abri o inquérito para defender a instituição, como está no próprio regimento interno do Supremo, que tem força de lei, no ponto. E ao mesmo passo para defender a própria democracia. Porque havia uma guerra dentro das redes sociais, querendo criar um falso tensionamento entre os poderes, e um ataque às instituições.

Deu resultados?

Um relatório feito a pedido do ministro relator Alexandre de Moraes demonstrou que de imediato, em uma semana, 80% daquilo que seria esse movimento orquestrado de ataque à democracia, sumiu do ar. Isso também teve reflexos no Congresso, que abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito das Fake News.

No seu voto sobre a segunda instância, ao dizer que não era papel do Supremo ficar legislando, o sr. sugeriu que o Congresso tratasse da questão. As duas Casas estão se movimentando nesse sentido, com muitas divergências – o Senado com um projeto de lei, a Câmara com uma Proposta de Emenda Constitucional. O que o sr. está achando?

Não tenho acompanhado isso de perto. O Parlamento tem autonomia para decidir. O que há de interessante, na discussão que está na Câmara, é que aquilo se amplie para além da área criminal, para efeitos relativos em decisões que vão atingir direito privado, administração pública, matéria tributária.

A decisão proibindo a prisão depois da sentença de segunda instância vai continuar gerando polêmica. Recentemente o ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse que a decisão do Supremo diminuiu a percepção da população de que o combate à corrupção diminuiu. O sr. concorda?

De maneira nenhuma. Isso não tem o menor sentido. O STF julgou o 'mensalão', condenou várias autoridades, vários empresários, inclusive banqueiro. Foi dali que começou todo esse trabalho de combate à corrupção, e (tiveram início) os projetos de lei que levaram a esse arcabouço jurídico, às normas de lei de combate ao crime organizado. Então, o Supremo está firme no combate à corrupção. Não é uma decisão que faz cumprir a Constituição que vai surtir efeito numa percepção quanto à corrupção.

Em 10 anos de casa e quinze meses na presidência o sr. pregou a conciliação entre os ministros. Chamou até o ministro Luís Roberto Barroso para fazer a sua saudação na posse da presidência. O sr. tentou – mas o fato é que o tribunal está dividido. A tal ponto que outro dia, o sr. mesmo, que não é de brigas ou adjetivos, deu um repto público no ministro Barroso, “respeite seus colegas”, pelo ímpeto com que o ministro ficava se diferenciando dos demais ministros, como melhor do que todos na preocupação com a corrupção.

Eu tenho uma boa relação com todos os ministros, admiração mesmo. Porque as pessoas que conseguiram chegar nesta Corte, seja no passado, seja no presente, são pessoas que mostraram ao longo de suas vidas ter toda a qualificação para vir pra cá. A importância de uma corte constitucional é ter a pluralidade de ideias. É essa pluralidade que faz a riqueza e a decisão ser mais legítima, mais reconhecida. Episódios como esse, ao longo da nossa gestão, diminuíram muito, cessaram mesmo. Uma ou outra vez que eu percebi que poderia haver algo eu já interferia, como presidente.

Mas nesse caso o repto foi seu. Por que o sr. o fez? O ministro Barroso já estava extrapolando?

É que às vezes o próprio membro da Corte, o próprio juiz, começa a absorver sensos comuns.

O que é que o sr. chama de senso comum na posição do ministro Luís Roberto Barroso?

A ideia de que existem pessoas que combatem mais a corrupção do que outras.

O sr. leu “O Homem que sabia javanês”, o conto do Lima Barreto?

Não li.

Nem depois que o ministro Barroso disse que precisava de um professor de javanês para traduzir o seu voto no caso do Coaf?

Não li. O meu voto foi elogiadíssimo pelos membros da UIF (Unidade de Inteligência Financeira, antigo Coaf), que o consideraram tecnicamente perfeito. Então, os membros da UIF entendem muito bem de javanês.

Foi um comentário do qual o ministro Barroso pediu constrangidas desculpas, que o sr. aceitou, como do jogo. Mas o fato é que o sr. fracassou nessa missão de conseguir um clima cordial no Tribunal. O que se vê é uma Corte dividida, em dois grupos bastante radicalizados, embora com alguma mobilidade aqui e ali.

Eu discordo. Não houve fracasso nenhum, houve sucesso nessa pacificação. Os votos que estão sendo proferidos tem poucos apartes, não há mais adjetivos concretos de um contra o outro...

Este ano mesmo houve discussões pesadas...

Aqui nesta mesa, pelo menos uma vez por mês, eu faço um almoço, convido os ministros, senta o Barroso, senta o Marco Aurélio...

Os ministros vivem às mil maravilhas, não há lutas internas?

Aqui todos respeitam todos, a capacidade intelectual de todos. Disso não há dúvida. Em relação aos pontos de vista diferentes, não são posições fechadas entre um lado e outro.

Com relação à Lava Jato, especificamente, que divide os corações, temos dois grupos consolidados – um, dos digamos lavajatistas por excelência, comandado pelo ministro Barroso...

No Supremo Tribunal Federal ninguém comanda ninguém. Somos todos iguais. Se algum colega acompanha o outro é porque realmente adere àquela posição.

O sr. não vê o tribunal dividido?

Não vejo. O Tribunal é único. Na sua unidade é que está a sua força. Existe para ter pluralidade.

O sr. mudou a forma de votar – especialmente no julgamento da segunda instância. Não tem preocupação como tempo. Vai, volta, explica, para, quer convencer cada um de cada palavra, frase, afirmação. No do Coaf, a mesma coisa.

Eu sempre tive o comportamento de dar votos mais curtos e resumidos. Mas no momento em que se está na presidência e com a relatoria do caso tem que proferir um voto mais aprofundado. E ali [no caso do Coaf] havia uma questão preliminar da abrangência da tese. Se ia ficar só em relação à Receita ou se iria tratar do UIF, o antigo Coaf. O meu voto foi no sentido de ampliar. Era necessário convencer os colegas da necessidade de abrangência da tese. Até por eficiência e celeridade.

Mas o fato é que o sr. não conseguiu esse convencimento.

Consegui. O Coaf entrou na tese. Só quatro colegas que votaram no sentido de não abordar esse tema. E a tese, por ampla maioria, foi de compartilhamento, com sistemas de controle de quem acessa e de quem pede. São balizas importantes.

Ao longo da sua vida aqui no Supremo o sr. foi injustamente marcado por um estigma quanto a ser lulista, ou petista, porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que o indicou. O sr. sempre repeliu essas insinuações, como outros ministros que as sofreram, e até já disse, ao Estado, que o Supremo o transformou em um liberal...

Cada vez mais...

Agora aparece um outro carimbo: que o sr. tomou a decisão de suspender as investigações para beneficiar o senador Flávio Bolsonaro... Como vê esses carimbos? O sr. facilitou a vida do filho do presidente Jair Bolsonaro?

Antes de chegar a petição, em julho, a respeito desse caso específico, alguns colegas já comentavam: “estão chegando aqui processos pedindo a revisão daquela decisão sobre compartilhamento, é necessário, está tendo extrapolação”. E realmente começou a haver, com compartilhamentos indevidos.

Por que em parte da opinião pública ficou essa ideia de que o sr. tomou uma decisão para favorecer o senador Flávio Bolsonaro?

Não foi. É porque já estava chegando para nós, seja do ponto de vista da Receita, ou do Ministério Público, que eles estavam se utilizando de instrumentos não judiciais para obter informações, para investigar. Se querem fazer isso, façam pelo Judiciário. Simples assim. Não pode haver investigação sem supervisão, investigação de gaveta.

E por que se criou essa lenda urbana de que o sr. quis beneficiar o senador filho do presidente da República, ou a outra, sobre a segunda instância, para beneficiar Lula, para usar uma expressão, lenda urbana, que o sr. tem usado?

Usei essa expressão para mostrar que isso não tem a mínima veracidade. Não passa de uma lenda, que querem colocar através de algo que não é verdadeiro.

Por que elas aparecem e o Brasil virou um país de muitas lendas urbanas?

A [filósofa] Hannah Arendt dizia o seguinte: se todo mundo mentir o tempo todo, pra todo mundo, não é que as pessoas acreditarão na mentira; é que elas não acreditarão em mais nada. Então esses ataques que são feitos — e não foi só ao Supremo, mas ao Congresso, e também ao governo, numa dimensão menor — alguns direcionados diretamente a mim, não são na verdade para me desacreditar. É para fazer com que as pessoas não acreditem em mais nenhuma instituição. Isso aí é a ruptura da democracia. Então nós temos que combater.

O Lula foi solto. E segue defendendo a inocência dele. Como o sr. está vendo o discurso que ele tem feito?

Primeiro, aquilo que se dizia que haveria uma convulsão nas ruas, não aconteceu.

O sr. chegou a temer isso em algum momento?

Jamais. Mas o tempo de pautar o julgamento foi importante. No início do ano, em que havia aqueles embates mais fortes, momento de acomodação, novo Congresso, novo Palácio do Planalto, nova Esplanada dos Ministérios, se julgasse aquilo naquele momento, por abril, talvez tivesse um tipo de reação diferente. Com o passar do ano, as questões vão se acomodando, ficou um momento mais adequado. Tanto que aqui na frente não havia manifestações. Eram cinco pessoas de um lado e cinco pessoas do outro. Não houve nenhum tipo de reunião que fosse de algum modo expressivo. Foi zero. A escolha do momento foi correta. É uma sintonia muito fina.

O que o sr. tem achado das declarações do ex-presidente Lula em liberdade?

Eu não estou acompanhando. Mas quando houve uma das primeiras, muito agressiva, eu disse ao 'Estado de S. Paulo' que o Poder Judiciário não ia aceitar agressões à ordem pública.

E as últimas declarações?

Não acompanho. Pelo que tenho lido, não são mais naquele tom de agressividade. O que talvez seja compreensível para alguém que se sente injustiçado.

O que o sr. diz sobre esse clima de radicalismo, ódio, polarização?

É algo bastante complexo, não envolve só o Brasil. A volta dos nacionalismos, uma reação à globalização, a volta de posição de identidades de gueto, “eu só converso com pessoas que pensam igual a mim, quem não é igual a mim é meu inimigo”. Essa ideia no estilo fascista, realmente autoritário, de que existem seres melhores do que os outros, vai contra tudo aquilo que foi o desenvolvimento da teoria jurídica, política e ética do pós-Segunda Guerra com os direitos humanos, a fraternidade, a solidariedade.

Qual tem sido o papel das redes sociais?

Infelizmente as redes sociais, que nós pensávamos iam trazer uma globalização maior para o mundo, conseguiu compartimentar pessoas em guetos. Infelizmente as redes sociais estão servindo hoje muto mais para uma segmentação da sociedade.

O sr. vê algum caminho, alguma luz no fim do túnel?

Falando especificamente do Brasil: o que facilita esse polarização é nós não termos em nenhum lugar um projeto nacional. Não temos nas universidades. As elites endinheiradas não tem um projeto nacional. A classe média não tem, via partidos de sua preferência, e a classe popular também não tem mais. Até porque grande parte da esquerda se focou na questão criminal e não na formulação de projeto de políticas públicas ou de solução dos problemas da nação. Nessa falta de quais são os problemas nacionais a serem discutidos, a pessoa acaba indo para o seu voluntarismo próprio. “Eu acho que”. Ele vai para o achismo. Por falta de baliza, o Brasil trabalha com o achismo. “A solução do país é realmente matar bandido”. Estou citando o senso comum que grande parte da população pensa isso: “tem que matar mesmo”.

Parte da população, e também o presidente da República...

Porque isso tem repercussão numa base social que pensa assim. Eu tive a oportunidade, naquele café da manha com os chefes de poderes, estavam presentes o presidente Bolsonaro, o Paulo Guedes, o general Heleno, o Jorge Almeida, hoje ministro, e eu tive a curiosidade de perguntar: “E o dia seguinte da reforma da Previdência?", “Aí é com o Paulo Guedes”, disse o presidente. Aí o Paulo Guedes começa a falar. Mas você que não há uma ação coordenada. Tanto que só em julho que eles foram preparar essas novas projetos, novas ações. Eu me lembro quando o presidente [Bolsonaro] visitou-me, em outubro, depois do segundo turno, em que ele disse “olha, ainda tenho que formar todo o meu governo porque a minha equipe de campanha cabia numa kombi”. Não é uma inconfidência, porque depois ele falou isso publicamente.

O que o sr. acha do presidente Bolsonaro?

Ele tem um discurso permanente para a base que o elegeu, mas ele tem uma capacidade de diálogo também. É uma pessoa que muitas vezes é julgado pelo que ele fala, mas ele tem, no governo, pessoas e áreas de excelência funcionando muito bem. Não vou dizer quais são, porque aí vou estar dizendo quais não estão indo bem. Mas são áreas de excelência, tem feito belíssimos trabalhos, tem tido diálogos com as instituições o tempo todo. A impressão, curiosamente, é que é um governo com aquela mensagem mais isolada, mais sectária para determinado segmento da sociedade, e não um governo de todos. Mas, no dia a dia, políticas públicas estão sendo desenvolvidas, como na área de infra-estrutura. Na área da economia tem sido sempre feito um amplo diálogo com o parlamento. E aqui mesmo no Supremo.

Por exemplo...

Agora mesmo fizemos uma reunião extremamente importante a respeito do acordo de leniência [com as empresas processadas na operação Lava Jato]. Porque a Advocacia Geral da União entende de um jeito, o TCU de outro, o Cade de outro, o CVM, de outro, o MP de outro. Cada um acha que os acordos realizados tem que ter mais algum coisa. Quem é que pode arbitrar? Eu chamei uma reunião aqui. Já criamos um grupo de trabalho, um comitê executivo, para criar e ter uma solução efetiva até o final de março, para dar segurança jurídica.

Explique melhor...

A Lava Jato foi muito importante, desvendou casos de corrupção, colocou pessoas na cadeia, colocou o Brasil numa outra dimensão do ponto de vista do combate à corrupção, não há dúvida. Mas destruiu empresas. Isso jamais aconteceria nos Estados Unidos. Jamais aconteceu na Alemanha. Nos Estados Unidos tem empresário com prisão perpétua, porque lá é possível, mas a empresa dele sobreviveu. A nossa legislação funcionou bem para a colaboração premiada da pessoa física. Mas a da pessoa jurídica não ficou clara. Então nós criamos um comitê interinstitucional para dar uma solução para esse problema. Muitas vezes o Judiciário pode ter essa função extrajudicial. Pela respeitabilidade, pode ser um árbitro para proposições e solução de problemas.

Por ideias como essas, e como a do chamado Pacto Republicano, o sr. já foi chamado de colaboracionista. É papel do presidente do Supremo fazer isso?

É o cumprimento de um dever histórico – como já disseram Emília Viotti e Raymundo Faoro. Na falta de outros poderes, é o Judiciário que é chamado para agir de maneira extrajudicial, prevenindo o conflito que você sabe que vai acontecer, trabalhando com a conciliação, a mediação, e a moderação.

O que o sr. considera ter feito de mais importante nesses quinze meses da presidência?

Nós mudamos toda a maneira do procedimento administrativo. Trouxemos as melhores práticas de gestão pública e gestão privada do mundo. Passei a soltar a pauta com seis meses de antecedência. Esta semana já sai a do primeiro semestre do ano que vem. Ampliamos significativamente o plenário virtual. O número de decisões colegiadas aumentou muito, na casa de 20%. Enfrentamos as principais repercussões gerais, algumas envolvendo milhões de pessoas.

O sr. tem o ar cansado. É pesado ser presidente do Supremo Tribunal Federal?

Eu não tenho preguiça, eu trabalho muito. Em torno de 18 horas por dia. É um momento de dedicação. São dois anos. A vantagem é essa. Passa. Eu já passei quinze meses. Faltam nove, exatamente no dia de hoje.

Qual é a marca que o sr. quer deixar?

Os três eixos que eu coloquei são eficiência, transparência e a responsabilidade. Os números mostram que é um judiciário mais eficiente. O nosso relatório Justiça em Números em relação a 2018 mostrou que pela primeira vez na história diminuiu o número de processos na Justiça. Caiu de 80 milhões e pouco para 78 milhões. Só em 2018 se encerraram no Judiciário 32 milhões de processos. Não existe outro país do mundo que tenha esse números. Aí vem o senso comum: “É um judiciário que não funciona, custa caro, não é eficiente”. Então é desfazer esse senso comum.

E sobre a transparência e a responsabilidade...

O Poder Judiciário é o poder mais transparente que tem. Quanto à responsabilidade, quantos a gente já não pôs para fora no Conselho Nacional de Justiça. Veja agora a prisão dos desembargadores [do Tribunal de Justiça da Bahia]. Porque o trabalho na Bahia é feito pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Conselho Nacional de Justiça. Veja se o Conselho Nacional do Ministério Público fazia isso, até pouco tempo. O Judiciário trabalha com muita transparência. O Ministério Público deveria ser uma instituição mais transparente.

O sr. está doido para acabar o mandato de presidente?

Eu estou doido para descansar. Mas ainda tem nove meses. Estou no pique, a equipe animada.

Até quando o sr. fica no Supremo?

Vou ficar até o final. Tenho 25 anos de Brasília. Por que não ficar nos próximos 23? Defendo a vitaliciedade, e sou a favor do modelo norte-americano, que vai até o caixão. Quando falam em aumentar o prazo, eu digo que sou a favor da PEC do Caixão. Já sairia daqui para Avenida da Saudade, em Marília (risos).

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