O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (23) a favor da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Na avaliação do ministro, a medida – considerada um dos pilares da Operação Lava Jato no combate à impunidade – não agravou o problema de encarceramento no País e deve ser mantida. A sessão desta quarta foi encerrada após o voto de Barroso, e o julgamento será retomado nesta quinta-feira (24) às 14h.
“O Brasil vive uma epidemia de violência e corrupção. É mais bacana defender a liberdade do que mandar prender. Mas eu preciso evitar o próximo estupro, o próximo roubo”, disse Barroso em seu voto.
Até o momento, a execução antecipada de pena já contava com três votos favoráveis: Alexandre de Moraes, Edson Fachin e de Barroso. Em sentido contrário, para permitir a prisão apenas depois do esgotamento de todos os recursos (o “trânsito em julgado”, em juridiquês), se posicionou o relator, ministro Marco Aurélio Mello.
“Esse debate não tem nada a ver com a opinião pública. Essa é apenas uma das faces da intolerância, da inaceitação do outro, da obsessão pelas próprias convicções. Na outra face da intolerância, estão os que acham que o defendem o modelo antigo (contra a execução antecipada da pena) têm pacto com a impunidade. A crença de que quem pensa diferente de mim só pode estar a serviço de uma causa sórdida é uma forma primitiva de viver a vida. Gritos e ofensas não mudam opiniões, nem a realidade”, observou o ministro.
De acordo com Barroso, a opinião pública é um conceito volátil, que muda como as nuvens, não servindo de fundamento para “interpretação de coisa alguma”. “E menos ainda serve o clamor público. Os conceitos relevantes aqui são outros – Justiça, direitos fundamentais e interesse público – e eles precisam estar presentes em qualquer sociedade que não queiram regredir. Quando um cidadão de bem se sente indignado com a morte de criança por tiro do fuzil, com o estupro ou violência doméstica contra uma mulher, com um grileiro que põe fogo na floresta, com o desvio de milhões de reais por agentes públicos corruptos não é de opinião pública que se trata”, enfatizou o ministro.
“É a justa indignação com o natural sistema de justiça que as pessoas trazem dentro de si e que unem as pessoas de bem. Um país que perde o senso de justiça é um país que se perdeu na História. Todo poder, em uma democracia, é exercido em nome e no interesse da sociedade.”
Números
Ao analisar dados levantados no Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Barroso destacou que, após o Supremo ter permitido a prisão após condenação em segunda instância em 2016, o índice de crescimento da população carcerária diminuiu. “A orientação não agravou o problema do encarceramento”, disse o ministro. O comentário de Barroso provocou inquietação entre advogados que acompanham a sessão dentro do plenário.
Segundo ele, os dados do órgão mostraram ainda que, após a mudança na jurisprudência, o percentual de prisões provisórias caiu 10%. Para o ministro, isso pode mostrar que, antes da prisão após condenação em segunda instância ser possível, os juízes se antecipavam o encarceramento quase que por um “instinto natural” para coibir a impunidade.
“O percentual média das prisões provisórias entre 2010 e 2016 foi de 35,6%. Em 2017 e 2018 (após vigorar entendimento favorável a prisão em segunda instância) o percentual médio caiu para 32,45%, vale dizer o percentual de prisões provisórias caiu 10%. Uma especulação possível é que o juiz quando não pode dar a execução após o segundo grau, ele antecipa a prisão provisória. É quase que um instinto natural para coibir a impunidade, muitas vezes ele prende antes do que talvez pudesse ser necessário”, disse o ministro.
Barroso disse ainda que não foram os pobres que foram impactados com a possibilidade de prisão após condenação em segundo grau. “Não é de pobres que estamos tratando aqui, com todas as vênias”, afirmou. “Não foram os pobres que mobilizaram os mais brilhantes e caros advogados criminais do País.”
Jurisprudência
A execução antecipada de pena era permitida até 2009, quando o STF mudou de jurisprudência para admitir a prisão apenas depois do esgotamento de todos os recursos (o trânsito em julgado). Em 2016, a Corte voltou a admitir a medida, considerada fundamental por procuradores e juízes na punição de criminosos do colarinho branco.
“Aqui decidimos uma vez, depois a segunda, a terceira, estamos decidindo a quarta, e nada diz que no ano que vem alguém possa mudar de opinião, e a gente vai discutir de novo. A jurisprudência é um valor intrínseco em si. Precedente existe para ser respeitado”, disse Barroso.
Para impedir nova derrota da Lava Jato no STF, o grupo Vem Pra Rua mobilizou seguidores nas redes sociais para convencer Barroso e os ministros Luiz Fux, Edson Fachin e Cármen Lúcia – os quatro são favoráveis à execução antecipada de pena – a pedirem vista (mais tempo para análise) e, dessa forma, interromper o julgamento.
Só no gabinete do ministro Luís Roberto Barroso, foram mais de 2 mil telefonemas e 4,5 mil e-mails na semana passada, com elogios à atuação do ministro e pedidos para que Barroso peça vista (mais tempo para análise) e interrompa o julgamento.
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