O procurador-geral da República, Augusto Aras, instaurou uma apuração preliminar sobre o envio de oficiais da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP 25), realizada no ano passado em Madri, Espanha.
Aras determinou a abertura de uma "notícia de fato", que é o primeiro andamento após a chegada de uma denúncia ao Ministério Público, e tem por objetivo colher elementos para avaliar o caso, uma averiguação em estágio inicial.
O Estadão revelou que o governo Jair Bolsonaro despachou quatro agentes de inteligência ocultos na delegação credenciada na cúpula do clima na Espanha. Eles monitoraram integrantes da própria delegação, de organizações não-governamentais (ONGs) e de países estrangeiros. Credenciados como “negociadores”, eles tiveram amplo acesso às instalações da ONU e observaram e relataram críticas a políticas ambientais do governo Bolsonaro.
O procedimento aberto por Aras está a cargo do próprio gabinete do PGR, o que indica que o caso deverá ter uma atenção especial. Ele foi aberto no dia 20 de outubro, de acordo com dados internos da Procuradoria-Geral da República.
Também acionada, a Procuradoria da República no Distrito Federal (PRDF) abriu um procedimento semelhante no dia 29 de outubro.
O procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, órgão ligado à PGR, considera a operação de inteligência da Abin “grave e merecedora de investigação”. Ele afirmou, em decisão obtida pelo Estadão, que não havia "motivos plausíveis" para enviar agentes de inteligência à conferência das partes da ONU e que as autoridades do governo "não esclareceram adequadamente" por que despacharam os oficiais na comitiva brasileira. Na sua manifestação, subprocurador ressaltou, no entanto, que a competência para processar ministros de Estado é de Aras,
O Ministério Público Federal foi provocado pela bancada do PSOL na Câmara dos Deputados. Os parlamentares representaram para que seja apurado se houve ato de improbidade administrativa e crime de responsabilidade por parte dos ministros Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Ernesto Araújo, do Itamaraty.
O GSI é o órgão do Palácio do Planalto ao qual a Abin é vinculada - um representante de Heleno também participou da viagem a Madri. Já o Itamaraty foi responsável por credenciar os integrantes do governo nas Nações Unidas.
Como os ministros são resguardados por foro privilegiado, a PGR tem a competência para tocar a investigação na esfera criminal. Já no âmbito cível, o caso pode ser apurado pela PRDF.
'Negociadores'
O Estadão revelou em setembro detalhes de como quatro agentes do serviço secreto foram credenciados como “negociadores” da delegação brasileira na ONU e receberam crachá com amplo acesso às instalações da COP 25. Eles aparecem em documentos oficiais da conferência e ofícios do governo ora como "analistas" do GSI, ora como "assessores" da Presidência da República.
O real vínculo com a Abin foi omitido tanto de autoridades da ONU quanto de parlamentares brasileiros, quando requisitaram informações ao Ministério das Relações Exteriores.
Eles observaram as atividades de organizações não-governamentais, representantes do próprio governo e delegados de países estrangeiros. Uma das preocupações era monitorar e relatar citações negativas sobre políticas ambientais do governo, disse um dos agentes, sob condição de não ter o nome revelado.
Foi a primeira vez que uma operação do tipo ocorreu. Depois da reportagem, o ministro Augusto Heleno confirmou a operação e disse que outras do mesmo tipo continuarão a ocorrer. Ele afirmou que o objetivo era “acompanhar” atividades de “maus brasileiros”, que, a seu juízo, prejudicam o País em campanhas no exterior.
Entidades da sociedade civil e parlamentares enviaram ao Secretariado de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, responsável pela COP 25, uma carta com 162 assinaturas cobrando providências. Eles afirmaram que a ação da Abin era antiética e inaceitável, além de violar a segurança e a proteção de delegados e o código de conduta da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Ao Estadão, a ONU argumentou que não comentaria o envio dos agentes da Abin. O argumento é que a responsabilidade pelos membros da delegação é do governo brasileiro, por isso, segundo o órgão, o caso foge ao escopo do mandato da secretária executiva para Mudança Climática, a diplomata mexicana Patricia Espinosa.
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