O jornal mais antigo da Nicarágua, jornal La Prensa, emitiu nessa quarta-feira (24) uma resposta pública ao ditador Daniel Ortega, um dia depois do Estado formalizar a desapropriação de sua sede. As informações são da Gazeta do Povo.
"Mais uma vez eles querem nos enterrar e, como já aconteceu em outras ocasiões, os enterrados serão eles", afirmou a direção do jornal, fundado em 1926, em comunicado público.
Ontem, a Procuradoria-Geral da República entregou a escritura do prédio onde funcionava o La Prensa, que estava ocupado pela polícia há um ano, ao Instituto Tecnológico Nacional (Inatec).
O objetivo das autoridades é construir no local, avaliado pelo La Prensa em cerca de 10 milhões de dólares (mais de R$ 51 milhões), o Centro Cultural e Politécnico "José Coronel Urtecho, O Passado Não Voltará".
No documento, intitulado "O passado são eles", o jornal afirmou que desde março de 1926, quando foi fundado, "tem sido consistente com seu compromisso de cultivar e promover valores tão essenciais para os nicaraguenses, como verdade, justiça, defesa das liberdades públicas e democracia".
O La Prensa ressaltou também que, em seus 96 anos de história, "enfrentou três ditaduras que viram 'o jornal nicaraguense' como um obstáculo".
"Em seus 96 anos de vida sofreu fechamentos, prisões de diretores e jornalistas, o assassinato de seu diretor Pedro Joaquín Chamorro Cardenal em 10 de janeiro de 1978, bombardeios e incêndios de suas instalações, cerco de turbas fanáticas, censura, bloqueio alfandegário dos insumos que possibilitam sua impressão e, por fim, a ocupação e roubo de seus bens imóveis, suas instalações e equipamentos de trabalho", resumiu.
O comunicado lembrou ainda que, atualmente, três de seus diretores estão presos - os irmãos Cristiana e Pedro Joaquín Chamorro Barrios, e Juan Lorenzo Holmann Chamorro -, e que o prédio foi desapropriado e toda a redação colocada no exílio.
"Nenhuma ditadura mostrou tanta crueldade contra os valores que o ‘La Prensa’ representa como a ditadura de Daniel Ortega e Rosario Murillo", lamentou.
Na véspera, a vice-presidente da Nicarágua, Rosario Murillo, acusou o La Prensa, jornal no qual trabalhou na década de 1970, de ser um "covil de conspiração de crimes contra a humanidade".
Constituição proíbe o confisco
O jornal advertiu também que "o regime de Ortega ocupou militarmente as instalações de La Prensa" e começou a utilizá-las contra a proibição expressa da Constituição da Nicarágua, que em seu artigo 44 "garante o direito à propriedade privada de bens móveis e imóveis e dos instrumentos e meios de produção”.
"Este artigo proíbe o confisco de bens e estabelece que os funcionários que violarem esta disposição responderão sempre com seus bens pelos danos infligidos", alertou.
O jornal, que agora só possui versão online, anunciou que vai "continuar a fazer jornalismo inspirado nos valores que definiram 96 anos de história" e que vai buscar a justiça.
“Vamos buscar a justiça nos lugares e nos momentos possíveis, para recuperar o que nos pertence por direito e exigir punição contra aqueles que, abusando de seu poder, violaram nossos direitos e as leis do país”, ressaltou o jornal.
Ocupação
As instalações do La Prensa, localizadas em uma zona industrial no norte de Manágua, foram ocupadas pela Polícia Nacional em 13 de agosto de 2021, quando as autoridades alegaram que o estabelecimento teria sido usado para o cometimento dos crimes de fraude alfandegária e lavagem de dinheiro.
O gerente-geral, Juan Lorenzo Holmann Chamorro, sobrinho da ex-presidente Violeta Barrios de Chamorro (1990-1997) - que derrotou Ortega nas eleições de 1990 -, foi condenado em 31 de março a nove anos de prisão pelo crime de lavagem de dinheiro.
Conselho de Lula
Em agosto do ano passado, o ex-presidente do Brasil, Lula, aconselhou o ditador Daniel Ortega a ‘não abrir mão da democracia’. No momento em que se aconselha um ditador a manter a ‘democracia’ implantada no país, o petista quer dizer para que ele “continue com a ditadura”.
“Se eu pudesse dar um conselho ao Daniel Ortega, daria a ele e a qualquer outro presidente. Não abra mão da democracia. Não deixe de defender a liberdade de imprensa, de comunicação, de expressão, porque isso é o que favorece a democracia”, disse Lula em entrevista a uma TV mexicana.
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