Ninguém esperava muito progresso na maratona diplomática da semana passada para dissipar a crise de segurança iniciada pela Rússia no Leste Europeu após Moscou cercar a Ucrânia por três lados de sua fronteira com 10 mil soldados e, segundo considerações da Casa Branca, acionar sabotadores para criar um pretexto para invasão.
Mas enquanto o governo de Joe Biden e a Otan conduzem simulações a respeito das possibilidades de desdobramentos nos próximos meses, ambos estão crescentemente apreensivos em relação a um outro leque de opções para o presidente Vladimir Putin, passos muito mais abrangentes do que simplesmente mobilizar tropas e armamentos através da fronteira com a Ucrânia.
Putin pretende ampliar a esfera de influência da Rússia e garantir por meio de acordos por escrito que a Otan nunca mais volte a se expandir. Se ele não conseguir alcançar esse objetivo, sugeriram alguns de seus assessores nos bastidores das negociações da semana passada, ele perseguirá os interesses de segurança da Rússia com resultados que seriam sentidos agudamente na Europa e nos Estados Unidos.
Houve indicações, jamais expressas com todas as letras, de que armas nucleares poderiam ser instaladas em lugares — talvez próximos da costa marítima americana — que poderiam reduzir o tempo de alerta após um lançamento para cinco minutos, potencialmente desencadeando um confronto que ecoa a Crise dos Mísseis em Cuba, de 1962.
“Uma hipotética invasão russa à Ucrânia não minaria a segurança dos EUA”, afirmou Dmitri Suslov, analista de Moscou que deu palestra a portas fechadas a parlamentares russos a respeito do impasse no mês passado. “A lógica geral das ações da Rússia é que EUA e Otan devem pagar um preço alto.”
Mas como relembraram mais uma vez os ucranianos na sexta-feira, enquanto os sites dos ministérios do seu governo eram desfigurados por um ataque algo amador, o exército de hackers da Rússia consegue provocar caos tanto na Ucrânia quanto em redes de fornecimento de energia de Munique a Michigan.
Isso pode não passar de uma algazarra, parte de uma campanha de intimidação e uma maneira de rememorar o presidente Biden de que, mesmo que ele prefira colocar o foco dos EUA em competir e lidar com a China, Putin ainda é capaz de causar enormes perturbações.
O líder russo telegrafou ele mesmo essa abordagem, ao alertar repetidamente no ano passado que, se o Ocidente cruzar a sempre oscilante “linha vermelha” que, na mente de Putin, estabelece o limite das ameaças contra a segurança da Rússia, ele ordenaria uma resposta surpreendente.
“A resposta da Rússia será assimétrica, rápida e dura”, afirmou Putin em abril, referindo-se aos tipos de ação militar não convencional que a Rússia poderia empregar se adversários ameaçarem “nossos interesses de segurança fundamentais”.
A atual crise foi desencadeada quando o Kremlin emitiu uma série de exigências que, se forem atendidas pelos EUA e seus aliados concordarem com isso, restabelecerão efetivamente a esfera de influência da Rússia a parâmetros próximos aos da era soviética, antes da Otan se expandir para o Leste Europeu. Moscou também exigiu que todas as armas nucleares dos EUA sejam retiradas da Europa, afirmando que os russos sentem-se ameaçados pela presença do armamento no continente europeu — apesar dos tipos e localizações desse equipamento militar não terem mudado em anos. E o Kremlin quer impedir qualquer movimentação de tropas ocidentais nos países que integraram o Pacto de Varsóvia e posteriormente aderiram à Otan.
Como as forças militares russas estão posicionadas para ameaçar a Ucrânia
As forças russas cercam atualmente a Ucrânia por três lados de sua fronteira, e autoridades ocidentais temem que uma operação militar poderia começar antes do fim deste mês.
Moscou enfatizou exigências que os EUA qualificam como “impeditivas” com uma concentração de tropas nas proximidades da Ucrânia e repetiu avisos de que os russos estão preparados para usar “meios técnico-militares” não especificados para defender o que consideram interesses legítimos de segurança.
Em resposta, o governo Biden declarou que os EUA aplicarão sanções financeiras e tecnológicas se o Kremlin continuar com as ameaças, particularmente em relação à Ucrânia. Autoridades americanas afirmam que, apesar de toda conversa a respeito de movimentar armamentos nucleares ou valer-se de ataques assimétricos, até agora os EUA viram pouca evidência disso.
Durante uma entrevista coletiva na Casa Branca, na quinta-feira, Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional de Biden, recusou-se a especificar que tipo de ação da Rússia desencadearia uma resposta americana — se, por exemplo, os EUA responderiam a um ciberataque da mesma maneira que a uma incursão ao território ucraniano.
“Os EUA e nossos aliados estão preparados para qualquer contingência, qualquer eventualidade”, afirmou ele. “Estamos preparados para seguir avançando no caminho diplomático de boa-fé e estamos preparados para responder a novas ações. E além disso, tudo o que podemos fazer é estar preparados. E estamos preparados.”
Evidentemente, o cenário mais óbvio — dada a escala das movimentações de tropas russas no terreno — de uma invasão russa à Ucrânia pode não ser a tomada do país inteiro, mas o envio de forças às regiões independentistas em torno de cidades como Donetsk e Luhansk, ou avançar até o rio Dniepre. No Pentágono, “cinco ou seis opções diferentes” sobre a dimensão de uma invasão russa estão sendo analisadas, segundo relatou uma graduada autoridade.
Pesquisadores que analisam imagens publicadas em redes sociais detectaram numerosos sinais de que mais equipamento militar russo está sendo deslocado para o oeste, de trem, a partir da Sibéria. Na Rússia, a televisão estatal está repleta de avisos de comentaristas alertando que a Ucrânia poderia atacar os separatistas apoiados pelo Kremlin no leste da Ucrânia — condizendo com a alegação de Washington, da sexta-feira, de que agentes russos especializados em explosivos e guerra urbana entraram na Ucrânia e poderiam estar planejando encenar uma provocação para justificar uma invasão; o que a Rússia nega.
Yevgeni Buzhinski, tenente-general aposentado e comentarista frequente na televisão russa, previu a aproximação de uma guerra “limitada” provocada pela Ucrânia, que a Rússia vencerá rapidamente por meio de ataques aéreos devastadores. “Não haverá colunas de tanques”, afirmou o Buzhinski em entrevista pelo telefone. “Toda a infraestrutura ucraniana será destruída pelo ar, do mesmo jeito que vocês fazem.”
Em Genebra, diplomatas russos insistiram que não existem planos de invasão à Ucrânia. Mas houve indicações de outros passos. Numa declaração pouco notada, um diplomata russo afirmou que a Rússia está preparada para instalar armas indeterminadas em locais indeterminados. Isso vai de acordo com dados de inteligência coletados pelos EUA de que Moscou poderia estar considerando novos deslocamentos de arsenal nuclear, talvez armamento atômico tático ou um poderoso arsenal de mísseis hipersônicos em desenvolvimento.
Em novembro, o próprio Putin sugeriu que a Rússia seria capaz de acionar mísseis hipersônicos a partir de submarinos a curtas distâncias de Washington. Ele tem afirmado repetidamente que o prospecto de uma expansão militar do Ocidente na Ucrânia representa um risco inaceitável, porque o país poderia ser usado como campo de lançamento para um ataque nuclear que atingiria Moscou em poucos minutos. A Rússia, Putin deixou claro, seria capaz de fazer o mesmo.
“A partir do início do ano teremos em nosso arsenal um novo míssil com base marítima — e hipersônico”, afirmou Putin, referindo-se a um projétil que viaja a uma velocidade mais que cinco vezes maior que a velocidade do som, provavelmente capaz de evitar os atuais equipamentos de defesa antiaérea.
Em uma aparente referência à capital americana, acrescentou ele: “O tempo de voo para atingir as pessoas que dão as ordens também será de cinco minutos”.
Putin afirmou que acionaria mísseis como esses somente em resposta a movimentações do Ocidente, e Biden disse ao russo em sua última conversa que os EUA não têm nenhum plano de instalar sistemas de mísseis ofensivos na Ucrânia.
Autoridades russas sinalizaram novamente nos dias recentes para novos deslocamentos de mísseis, e autoridades americanas repetiram que não viram nenhuma indicação disso. Mas qualquer esforço para instalar armamentos próximo a cidades americanas criariam condições similares à crise de 1962, o momento que a humanidade mais se aproximou de uma guerra nuclear.
Questionado sobre a natureza do que Putin definiu como uma possível resposta “técnico-militar”, Sergei Ryabkov, vice-ministro de Relações Exteriores russo, afirmou em Genebra na segunda-feira: “Neste momento não há nenhuma razão para falar de quais sistemas serão acionados, em que quantidade e exatamente onde”.
E quando um repórter russo perguntou a Ryabkov, em uma entrevista transmitida na quinta-feira, se a Rússia está considerando instalar infraestrutura militar na Venezuela ou em Cuba, ele respondeu: “Não quero confirmar nada nem descartar nada.”
Mover mísseis, porém, é algo indisfarçável para o restante mundo. E é por este motivo que, se o conflito se intensificar ainda mais, autoridades americanas acreditam que Putin poderia optar por ciberataques — mais fáceis de negar, formidavelmente perturbadores e capazes de ser acionados ou abrandados segundo a temperatura política.
Putin não tem que se esforçar muito para inserir malwares na infraestrutura americana. O Departamento de Segurança Interna alerta há muito tempo que os russos já inseriram malwares nas redes de transmissão de energia dos EUA.
O governo Biden tem buscado blindar os sistemas americanos e erradicar os malwares. As maiores instituições do governo realizam um elaborado jogo de guerra simulando ataques desse tipo a cada dois anos.
Mas a maioria do mundo corporativo dos EUA conta com muito menos proteção. O temor é que, se sanções forem impostas contra Moscou, a resposta de Putin poderia ser acelerar ataques com ransomware realizados a partir da Rússia, como os que atingiram o Colonial Pipeline, uma grande produtora de carne e cidades de todo o país no ano passado.
A FSB, poderosa agência de segurança da Rússia, anunciou na sexta-feira a prisão de hackers ligados ao grupo de ransomware REvil — uma quadrilha associada aos mais prejudiciais ataques contra alvos americanos, incluindo o Colonial Pipeline. A prisão foi elogiada pela Casa Branca, mas também houve um sinal de que Moscou poderia usar seus guerreiros cibernéticos conforme sua vontade. Evidentemente, ninguém sabe qual será a próxima jogada de Putin — nem mesmo seus diplomatas — e ele gosta das coisas desse jeito.
“Todo tipo de resposta é possível”, afirmou Putin quando questionado, no mês passado, a respeito da resposta “técnico-militar” para a qual ele alertou.
“A liderança russa é bastante inventiva”, afirmou Andrei Kortunov, diretor-geral do Conselho para Assuntos Internacionais da Rússia, uma organização de pesquisa próxima ao Kremlin. “Não se trata necessariamente apenas a Ucrânia.”
Analistas em Moscou acreditam que, além da postura militar mais ameaçadora da Rússia, os EUA deveriam estar particularmente atentos para a cooperação militar mais próxima entre o Kremlin e a China. Putin viajará para Pequim em 4 de fevereiro para comparecer às cerimônias de abertura da Olimpíada de Inverno e reunir-se com o líder chinês, Xi Jinping, informou o governo russo na sexta-feira.
O Kremlin nota que Biden considera a China, e não a Rússia, o adversário mais complexo dos EUA no longo prazo — um competidor econômico, militar e tecnológico que joga em um campo diferente dos russos. Ainda assim, forçar os EUA a aumentar o investimento em confrontar a Rússia, afirmam analistas, poderia minar o maior objetivo estratégico de Biden.
“Os EUA objetivamente não querem aumentar sua presença militar na Europa”, afirmou Suslov, o analista. “O custo disso pode ser a incapacidade de conter a China.”
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