Os sudaneses voltaram a protestar nesta terça-feira, 26, contra o golpe de Estado que derrubou o governo de transição, apesar da repressão militar que deixou quatro mortos e dezenas de feridos na segunda-feira, ao mesmo tempo que aumenta a condenação internacional.
"Voltar ao passado não é uma opção", gritam os manifestantes em desafio aos militares liderados pelo general Abdel Fattah al Burhan, que anunciou a dissolução do governo de transição e declarou estado de emergência. Muitos líderes civis que estavam no poder foram detidos.
Burhan deve conceder uma entrevista coletiva na terça-feira para anunciar os próximos passos do que a comunidade internacional já denuncia como um "golpe de Estado militar".
Os três países (Estados Unidos, Reino Unido e Noruega) que se envolveram em mediações de conflitos sudaneses anteriores afirmaram que "as ações dos militares são uma traição à revolução e transição" iniciada há mais de dois anos.
Para aumentar a pressão sobre os golpistas, o governo dos Estados Unidos anunciou a suspensão de uma ajuda de 700 milhões de dólares destinada à transição, que deveria levar o país do leste da África, um dos mais pobres do mundo, às primeiras eleições livres após três décadas de ditadura de Omar al Bashir.
O Conselho de Segurança da ONU também deve se reunir nesta terça-feira para abordar a questão, enquanto manifestantes e analistas consideram que um retorno ao poder absoluto dos militares é cada vez mias factível.
Até o momento, as missões diplomáticas em Cartum e os pedidos da comunidade internacional não surtiram efeito.
O primeiro-ministro Abdala Hamdok, sua esposa e os demais ministros e integrantes do Conselho Soberano (a autoridade de transição) foram detidos e permanecem em locais não revelados.
Desobediência e barricadas
Apenas Moscou não seguiu as críticas e atribuiu o golpe a "uma política equivocada e à interferência estrangeira" no país, onde Rússia, Turquia, Estados Unidos e Arábia Saudita disputam a influência atraídos por seus estratégicos portos no Mar Vermelho.
Os ativistas pró-democracia anunciaram uma "greve geral" e "desobediência civil" contra o golpe do general Burhan, que prometeu formar um governo "competente" em breve e seguir com a transição para eleições livres.
Com várias bandeiras do país, milhares de sudaneses tomaram as ruas de Cartum para entender o que acontecia, pois a capital estavam sem internet e serviço de telefonia.
Para os manifestantes, a missão é "salvar" a revolução que derrubou Bashir em 2019, após uma repressão que matou 200 pessoas.
Na segunda-feira, ao menos quatro manifestantes morreram por tiros disparados pelas Forças Armadas e mais de 80 ficaram feridos, informou um sindicato de médicos.
"O povo escolheu um Estado civil e não um poder militar", afirmaram vários sudaneses em Cartum, onde barricadas com pneus incendiados e pedras bloqueavam as ruas perto do quartel-general do exército.
"A opção da ditadura"
O processo, motivo de orgulho para os sudaneses após a conclusão decepcionante de outras revoltas pró-democracia no mundo árabe, já estava estremecido há muito tempo.
Em abril de 2019, militares e civis chegaram a um acordo para expulsar Bashir do poder e formar o Conselho Soberano, composto pelo mesmo número de integrantes dos dois lados para organizar as primeiras eleições livres no fim de 2023.
O golpe freia a transição e expõe a crescente divisão entre os que desejavam um governo exclusivamente civil e os que defendiam um Executivo de generais para retirar o Sudão do marasmo político e econômico.
Jonas Horner, pesquisador no International Crisis Group, considera este "um momento existencial para os dois lados, civil e militar". "Este tipo de intervenção reintroduz a ditadura como opção", disse.
Por temer o pior, o gabinete do primeiro-ministro Hamdok advertiu os militares que eles têm "toda a responsabilidade sobre sua vida ou morte". O país já havia sido cenário de uma tentativa de golpe em setembro.
Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, expressou o temor de um "desastre" caso o Sudão retroceda, enquanto o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, exigiu respeito à "carta constitucional".
O texto, assinado por todos os líderes anti-Bashir em 2019, prevê eleições no fim de 2023 e uma transição civil, com a qual o general Burhan afirmou que continuará comprometido depois de nomear um novo governo e um novo Conselho Soberano.
Diante das críticas, o general Burhan disse que o governo respeitará os acordos internacionais assinados pelo Sudão, um dos quatro países árabes que normalizou recentemente as relações com Israel.
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