Desde que Tite anunciou que não seguirá à frente da seleção brasileira após a Copa do Mundo do Catar, a pergunta sobre quem irá sucedê-lo tem sido corriqueira. Na CBF, contudo, ninguém comenta ou mesmo dá indício sobre quem irá assumir. O presidente da entidade, Ednaldo Rodrigues, insiste que só irá tratar do tema após o Mundial. Mas, se não dá para saber o nome, o histórico dos últimos anos e o perfil da administração da entidade mostram que é possível ao menos ter um norte sobre como será escolhido o próximo técnico da seleção.
Oficialmente, Ednaldo Rodrigues afirma que não pensa no assunto porque o foco está 100% voltado para a conquista do hexa no Catar, mas há pelo menos outras duas razões. Uma delas é uma pequena crença de que, caso o Brasil volte com o título, Tite repense sua decisão de deixar o comando técnico. A outra é mais simples: falta um nome de consenso.
Ao longo das últimas décadas, a escolha do treinador passou basicamente pela vontade de quem mandava na CBF - ainda que essa pessoa não necessariamente fosse o presidente oficialmente em exercício. Com exceção de Dunga em 2006 e Luiz Felipe Scolari em 2012, o técnico era habitualmente escolhido em virtude de seu desempenho.
Foram raros os casos em que o presidente da CBF ouviu outras opiniões para definir o nome do treinador. Nunca houve uma espécie de colegiado e atletas e ex-jogadores também não costumam ser consultados, o que é um erro, na opinião de Américo Faria, supervisor da seleção durante 20 anos, com seis Copas do Mundo na bagagem, dois títulos mundiais e um vice.
Para Faria, é fundamental ouvir pessoas “com notório saber” no assunto e com experiência. “Isso só enobrece a escolha”, argumenta ele ao Estadão. “Deveria haver um colegiado porque não é coisa de momento. É uma escolha que vai sendo amadurecida. Não deve ser uma escolha rápida, de supetão. É fundamental analisar o trabalho do treinador e seu perfil, sobretudo”, afirma o ex-coordenador técnico da seleção.
Faria trabalhou com Carlos Alberto Parreira, Zagallo, Felipão e Dunga. Na sua avaliação de quem conviveu durante duas décadas com alguns dos principais treinadores brasileiros, o novo comandante tem de ser, acima de tudo, “um profissional capaz de trabalhar em equipe”. “Isso é o mais importante”, diz.
Um gringo na seleção brasileira?
Historicamente, o único pré-requisito definido era que o profissional precisava ser brasileiro. Essa condição, contudo, já não é mais uma exigência. “A gente não tem nenhum preconceito de nacionalidade. Pode ser um treinador brasileiro, pode ser um treinador estrangeiro, desde que tenha competência e realmente um envolvimento com aquilo que o futebol brasileiro necessita”, disse Rodrigues na semana passada, reiterando diversas declarações semelhantes que dera desde que assumiu a CBF, em março.
O único estrangeiro capaz de satisfazer gregos, troianos e brasileiros é o espanhol Pep Guardiola. Ele nunca treinou uma equipe brasileira, mas se encaixaria na definição de “envolvimento” porque sempre se disse admirador do futebol nacional e não cansa de citar a seleção de 1982.
Há alguns meses, Guardiola teve seu nome veiculado na imprensa espanhola para assumir a vaga de Tite. Oficialmente, a CBF negou as conversas. Vice-presidentes - que certamente serão consultados antes de Ednaldo Rodrigues definir o nome - disseram em reservado que era impossível trazer o treinador do Manchester City diante de seu alto salário. No frigir dos ovos, contudo, os vencimentos de um treinador não deverão ser empecilho para uma confederação que bateu R$ 1 bilhão em receita no ano passado.
Outros estrangeiros que já tiveram seus nomes associados à seleção são os portugueses Abel Ferreira e Jorge Jesus. Nenhum dos dois, porém, goza de unanimidade e são considerados apostas arriscadas. Abel avisou mais de uma vez que está contente no Palmeiras e quer cumprir seu contrato, vigente até o fim de 2024. No entanto, diz viver o “aqui e o agora” e nunca respondeu enfaticamente se aceitaria uma eventual proposta para dirigir a seleção brasileira.
Rodrigues afirmou recentemente que Abel, Fernando Diniz e Dorival Júnior são bons nomes. Embora exista uma escassez de técnicos à altura da grandeza da seleção pentacampeã mundial, o presidente da CBF entende que o “futebol brasileiro tem um manancial extenso de grandes treinadores”.
O ex-presidente Rogério Caboclo, de quem Ednaldo foi vice, foi quem abriu as portas para treinadores estrangeiros. De forma efetiva, ele trouxe para a seleção feminina a sueca Pia Sundhage. Na principal masculina, o ex-dirigente quis “inovar” mais ainda e copiar uma fórmula europeia. Caboclo tinha a intenção de colocar o ex-volante espanhol Xavi, hoje técnico do Barcelona, como auxiliar de Tite. A ideia era prepará-lo para assumir a seleção após o Catar. Xavi, contudo, descartou o convite.
Auxiliares que viram treinadores da equipe principal não são novidade na Europa. A Alemanha talvez seja o melhor exemplo. Campeão do Mundo em 2014 como técnico, Joachim Löw foi auxiliar de Jürgen Klinsmann antes de assumir o selecionado alemão, em 2006. E foi seu auxiliar, Hans-Dieter Flick, quem passou a dirigir a Alemanha após a saída de Löw, no ano passado.
A seleção brasileira teve algo vagamente parecido nos anos 1990, quando Mário Jorge Lobo Zagallo foi escolhido para comandar o Brasil após a Copa de 1994 no lugar de Carlos Alberto Parreira. Zagallo fora auxiliar de Parreira na campanha do Tetra, mas àquela época ele já era um treinador consagrado há décadas, inclusive à frente da seleção do Tri de 1970.
Na equipe atual, o único que teria algum estofo para assumir o Brasil no ano que vem é Cleber Xavier. Ele é auxiliar de Tite desde 2001 e tem participação ativa nos treinamentos e montagem de equipe. Cleber, contudo, já sinalizou que continuará ao lado do treinador no próximo ano, onde quer que ele esteja. “A decisão tomada e já comunicada é não continuar na seleção”, avisou ele em agosto, em entrevista exclusiva ao Estadão.
Quem escolhe é o presidente
Ao longo de mais de duas décadas, a partir de 1990, a CBF insistiu nas mesmas fórmulas na hora de definir o técnico da seleção. Além de ser do gosto de seu presidente, o treinador tinha que ter perfil vitorioso, mesmo que para isso bastasse ser pragmático.
Carlos Alberto Parreira foi técnico em duas Copas em um intervalo de quatro ciclos para Mundiais. Luiz Felipe Scolari, da mesma forma. E Dunga nem precisou esperar tanto: demitido após o fracasso na Copa da África do Sul, em 2010, aguardou apenas o vexatório 7 a 1 do Mundial seguinte para ser chamado novamente.
Parreira, Felipão e Dunga foram escolhas exclusivas do grupo político que administrava a CBF, capitaneado por Ricardo Teixeira. O cartola foi presidente da confederação nas duas últimas conquistas de Copas do Mundo e tinha muito poder na entidade. Ninguém ousava questionar suas escolhas.
Os treinadores escolhidos naquele período também tinham em comum lealdade total à CBF. O problema é que os resultados e o futebol apresentado em campo evidenciaram claros sinais de desgaste com as velhas fórmulas.
O técnico do Tetra foi o mesmo que, depois, não conseguiu fazer jogar uma seleção que tinha um “quadrado mágico” com os melhores jogadores do mundo - Ronaldo foi eleito em 2002, Ronaldinho Gaúcho em 2005 e 2006, e depois Kaká chegaria ao topo em 2007. O treinador do Penta, por sua vez, foi o mesmo que 12 anos depois falhou diante da Alemanha e protagonizou um vexame histórico numa semifinal de Copa do Mundo disputada em casa, carregando até hoje a pecha do 7 a 1. E Dunga, cujo primeiro trabalho como técnico foi justamente na seleção, foi de uma conquista de Copa América no primeiro ano para uma eliminação na primeira fase da competição no último.
De 1998 para cá, a cúpula da CBF falhou nas escolhas quando tentou algo diferente. Vanderlei Luxemburgo era o grande técnico do futebol brasileiro na segunda metade daquela década, mas durou pouco menos de dois anos na seleção.
“O Luxemburgo estava no auge pelo trabalho no Palmeiras e eu tinha sido vice-campeão brasileiro com a Portuguesa, havia trabalhado no exterior”, recorda Candinho, auxiliar de Luxemburgo durante dois anos na seleção. Candinho treinou a equipe nacional em duas partidas depois da demissão de Luxemburgo. “Treinar a seleção não é fácil. Tem que ter ‘know how’ porque você vai lidar com jogadores muito grandes. Tem que ser do tamanho deles”, opina.
Emerson Leão, por sua vez, sequer completou 100 dias como treinador do Brasil. Uma década mais tarde, Muricy Ramalho foi a bola da vez e chegou até mesmo a ser anunciado por Ricardo Teixeira como o novo treinador da seleção após a África do Sul. O episódio, aliás, é a demonstração mais clara de que àquela época a escolha era exclusiva do presidente da CBF.
O cartola chamou Muricy para um encontro no Itanhangá Golf Club - que fica perto da casa de Teixeira - para uma conversa de mais de três horas. Saiu de lá afirmando que o então treinador do Fluminense estava contratado. Muricy, contudo, recusou o convite. Anos depois, o técnico afirmou a um programa de TV que ficou “três horas e meia conversando com ele (Teixeira) num clube de golfe, com muita gente em volta, nos interrompendo a todo instante, e não apareceu nenhum contrato”. O hoje coordenador do São Paulo disse que Teixeira o tratou de “modo meio arrogante”.
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