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Viola Davis revela infância de extrema pobreza em memórias

A premiada atriz negra mergulha em passado de miséria, racismo e violência no livro 'Em busca de mim'.

“Sua preta feia. Você é feia pra car.... Vá se f...”, gritavam com ódio os meninos que perseguiam na escola a pequena Viola Davis, aos 8 anos, enquanto jogavam pedras, tijolos e o que encontravam pela frente. A garota, com seus sapatos furados, disparava para casa como uma velocista. Quem hoje vê a atriz Viola Davis como a poderosa rainha africana em The Woman King, filme que estreia em 16 de setembro nos cinemas estrangeiros e dia 22 no Brasil, não imagina o passado dessa atriz de sucesso em sua cidade natal, Central Falls, no gélido Estado de Rhode Island.

Vencedora de um Oscar, um Emmy Award, dois Tony Awards e quatro SAGs, uma das atrizes negras mais premiadas de Hollywood, graduada na Julliard School – a mais conceituada universidade de artes dos Estados Unidos –, no auge de sua fama, decidiu expor as vulnerabilidades de uma vida marcada por misérias humanas, como o racismo, a extrema pobreza e a violência doméstica, em sua autobiografia Em Busca de Mim, que acaba de ser lançada no Brasil e já se tornou o livro de não ficção do grupo Record mais vendido na Bienal de São Paulo.


Como a própria Viola conta em entrevista sem rodeios à apresentadora Oprah Winfrey no documentário Oprah e Viola: Um Evento Especial, da Netflix, o livro de memórias foi escrito durante a pandemia, em momento de isolamento. Viola, considerada por duas vezes pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, escreveu sua história para sanar suas feridas e libertar a menina que era xingada na infância.

A violência não era só na escola. Por muitas vezes, Viola protegeu sua mãe, Alice Davis, dos abusos de violência do pai, Dan Davis, principalmente quando ele se encontrava alcoolizado. No livro, a atriz narra o momento em que, com sua irmã Danielle no colo, enfrentou o pai aos gritos depois que ele feriu a mãe com um pedaço de vidro.

Entre as memórias mais fortes da atriz está a da infestação de ratos no apartamento, onde não havia aquecimento e, por vezes, a água e a eletricidade eram cortadas por falta de pagamento. “Na verdade, os ratos eram um problema tão grave que chegaram a comer o rosto das minhas bonecas. Eu nunca, nunca entrava na cozinha”, escreve Viola.

Há também uma fala explícita sobre a vergonha que a perseguiu na infância e na adolescência por ter feito xixi na cama até os 14 anos, deixando um forte odor de urina nas roupas e na casa, porque não havia dinheiro para comprar sabão. Nessa passagem, ela afirma que sempre há na vida alguns “anjos” que aparecem para nos ajudar. Nesse caso, menciona a professora da escola, que além de prover roupas e alimentos para ela e suas irmãs, ainda a ensinou sobre higiene e autocuidado.

Se for possível falar em resgate de Viola Davis de uma realidade perversa, ela se deu pela arte. “No momento em que fiz o primeiro esquete, aos 9 anos, eu percebi que isso tinha a capacidade de me curar”, contou ela à apresentadora Oprah. Os personagens, como narra em sua autobiografia, lhe deram a chance de exorcizar seus demônios.

É possível discorrer sobre várias cenas brilhantes de sua carreira, com Viola interpretando Ma Rainey em A Voz Suprema do Blues. A atriz conta uma cena marcante, ao contracenar com Denzel Washington em Um Limite Entre Nós, em que ao chorar deixou o nariz escorrer de propósito, dando maior veracidade ao drama. “Os personagens de Um Limite Entre Nós eram reais para mim, eles eram a minha vida”, escreve.

Viola se fez e refez muitas vezes, como confessa no livro. Casou-se com Julius e adotou a menina Genesis. No final da biografia, e aí vai um spoiler, ela se traduz: “A escultura imperfeita, mas abençoada que é Viola ainda está se desenvolvendo e sendo lapidada. Meu elixir? Não tenho mais vergonha de mim mesma”. Com sua escrita, Viola nos presenteia com sua força e coragem.

A VULNERABILIDADE DA ATRIZ NOS PERSONAGENS

Cada personagem que interpretamos nos força a entrar em contato com nossas feridas. Na minha juventude, experimentei um nível assustador de diferentes formas de abuso sexual. Era um conhecimento básico que nosso objetivo na vida era lutar contra predadores sexuais – incluindo babás e vizinhos –, mesmo antes de sabermos da existência desse termo. Era um efeito colateral da pobreza, de pais ocupados demais com a nossa sobrevivência para nos proteger integralmente. O rótulo de ‘preta feia’ permitia que esses predadores não me vissem como humana, como uma criança. Eu era um fetiche sexual, uma mancha vergonhosa que eles não podiam admitir para si mesmos nem para o mundo. Usei isso para Annalise. As feridas, misturadas à inteligência, à força e ao sucesso dela pareciam certas. O fato de ela ser casada com um homem branco, estar tendo caso com um homem negro e ser bissexual a tornava, para mim, complexa.

Alguns papéis expõem sua vulnerabilidade. Annalise Keasting era um deles. Precisei fazer as pazes com quem eu era. Eu era uma mulher negra retinta de quase 50 anos num papel de protagonista de TV. E o burburinho sobre a minha escolha já estava começando. ‘Quem vai levá-la a sério nesse papel?’ Quem levaria a sério não apenas ela nesse papel, mas qualquer uma que se pareça com ela?’ Foi o que eu ouvi.

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