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Economia e Negócios

‘Não há janela para vender ações da Petrobras’, diz presidente do BNDES

Gustavo Montezano disse que o banco tem tido dificuldade para reduzir participação no capital da estatal.

Ao longo do primeiro trimestre, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vendeu cerca de R$ 635 milhões em ações da Petrobras. É pouco, para quem ainda tem uma fatia de R$ 34 bilhões no capital da petroleira e perseguia a meta de reduzir para cerca de R$ 20 bilhões não só essa participação, mas toda sua carteira até o fim deste ano.

O presidente do BNDES, Gustavo Montezano, admitiu que não há “janela de mercado” para voltar a fazer grandes vendas de ações da Petrobras, tanto por causa das incertezas do setor de petróleo e gás quanto por causa das sucessivas trocas no comando da companhia.


Com isso, não será mais possível atingir neste ano a meta de reduzir, em 80% ante o início de 2019, o valor da carteira de ações do banco.

Em entrevista ao Estadão, Montezano defendeu a abertura do setor de petróleo e gás a mais competidores, ao responder sobre eventual privatização da Petrobras, embora tenha ressaltado que o BNDES não participa atualmente de discussões sobre isso.

O executivo também defendeu o novo papel estratégico do BNDES e afirmou que será impossível finalizar ainda neste ano a privatização dos Correios. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o BNDES chega aos 70 anos, completados neste mês?

É um momento de celebração. Vemos dois fatores. Um micro, a história do BNDES. O banco passou por momentos desafiadores, a partir de 2015 e 2016, quando passou a ser bastante questionado. Neste momento, depois de três anos de mandato, vemos o banco já muito bem reposicionado. Obviamente, ainda tem muita coisa para melhorar e fazer, mas já é outra cara, outra percepção da sociedade e outro nível de entrega. A entrega da (privatização da) Eletrobras coroa esse reposicionamento do BNDES.

Qual o segundo fator?

No aspecto macro, é um momento de reposicionamento das instituições financeiras de desenvolvimento globais. Esses bancos, no começo deste século, foram questionados mundo afora, por causa da redução global de taxas de juros e do alongamento de prazos das operações privadas. Agora, esses bancos estão retomando o protagonismo. Eles foram fundados após a Segunda Guerra (Mundial, terminada em 1945), para reconstruir os países. Se formos olhar a fase global macroeconômica que vivemos hoje, não é muito diferente de um pós-guerra. Vivemos uma recuperação pós-pandemia, acompanhada de uma crise bélica e, sobreposto a isso, uma crise energética e alimentícia, que gera derivadas sociais e políticas. Então, esses bancos estão sendo chamados a retomar o protagonismo, mas de uma forma bem diferente do que foi há dez anos ou 20 anos. Desenvolvimento não é só recurso financeiro por si. É recurso financeiro associado à inovação, à articulação, a induzir o público-privado, a criar mercados. Dito isso, qual o desafio? Ter um olhar mais para o cliente, para o que o mercado demanda, ser mais ágil e ser mais um gestor de risco, não só provedor de ‘funding’ (recursos para emprestar). É um momento muito especial para o BNDES e estou muito otimista.

Em que estágio o BNDES está no processo de reposicionamento?

É difícil dar um número, mas apontamos a direção de um caminho muito mais longo. Em termos da forma de trabalhar, integrado com o mercado e assumindo mais riscos, estamos nos primeiros passos. Sou muito otimista com o banco, em cinco ou dez anos.

O sr. disse que a privatização da Eletrobras coroa o reposicionamento. Foi um sucesso?

Temos que ficar orgulhosos, como país, de termos colocado uma operação dessas de pé. Hoje, poucos países do mundo têm condições política, de mercado e maturidade institucional para fazer uma operação dessas. Colocar uma oferta de R$ 34 bilhões, num ambiente de guerra, com juro americano (em processo de elevação, já iniciado pelo Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) e inflação global, não é trivial. O mercado absorveu a operação. Colocar essa operação na rua é complexo. Teve segregação de Itaipu, segregação de Eletronuclear (as subsidiárias que operavam a usina hidrelétrica binacional e as usinas termonucleares de Angra dos Reis foram separadas e colocados numa nova estatal, antes da privatização da Eletrobras), renegociação de debêntures (títulos de dívida), aprovação do Congresso, TCU (Tribunal de Contas da União), “valuation” (processo para avaliar quanto vale uma empresa). É tão complexo que precisa realmente ser um projeto de Estado. O BNDES foi o grande orquestrador, mas isso passou pelo Congresso, TCU, CGU (Controladoria-Geral da União, órgão do Executivo), ministérios, pela sociedade civil, por analistas, advogados, pelos banqueiros. Foram, literalmente, milhares de pessoas envolvidas. Mostra uma maturidade institucional muito robusta. Melhor, impossível, na situação atual.

Medidas que foram incluídas na lei, como a previsão de construção de usinas térmicas no Norte e Nordeste, foram alvo de críticas. Não ofuscam o sucesso da privatização?

Vamos separar uma coisa da outra. O que está sendo questionado, e foi aprovado na lei final, não tem como vínculo ocorrer ou não a oferta (de ações da Eletrobras). Ela (a lei) já foi aprovada, a discussão acabou ali. O fato de colocar de pé ou não a capitalização não iria impactar aquilo. A capitalização por si é muito boa para o Brasil. Pode-se entrar no debate se o custo político valeu ou não a pena. Na minha opinião pessoal, valeu muito a pena, porque temos a garantia do Ministério de Minas e Energia de que não vamos onerar o consumidor (via cobranças na conta de luz) por qualquer investimento futuro. Quando olhamos a capitalização, é um impacto gigante.

Por que, na última hora, o BNDES resolveu vender ações da Eletrobras que estavam em sua carteira, em vez de ações que estavam com a União?

O processo de privatização, sob o PND (Programa Nacional de Desestatização), pode ocorrer tanto direto pelo governo federal quanto de forma indireta, pelas subsidiárias do governo federal. E foi decretado, em decreto presidencial, e referendado pelo PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), que o agente viabilizador da capitalização seria o BNDES e não o governo federal. Foi uma decisão de planejamento e de execução da capitalização. Para o governo federal, é a mesma coisa. Decidiram ficar com mais ações no governo federal. O que, para o BNDES, vai em linha com a nossa estratégia. Desinvestir a nossa carteira de ações tem sido um pilar de estabilização do BNDES.

Diante da crise recente na Petrobras, as ações da estatal acumulam queda de cerca de 17% no acumulado dos últimos 30 dias, e o BNDES tem R$ 34 bilhões de participação na companhia. Será possível vender ações da Petrobras, para cumprir a meta de desinvestimento da carteira de ações até o fim deste ano?

Hoje, estamos rediscutindo a meta. O que temos feito, desde o começo da estratégia, é não forçar o mercado. Não vamos atropelar ou distorcer o mercado para executar (as vendas) de qualquer forma. Estamos rediscutindo hoje qual seria o prazo adicional para essa nova meta, mas sem tirar o norte da direção. O ajuste será só no prazo.

A crise da Petrobras dificulta o cumprimento da meta?

Fizemos a oferta (de ações da Petrobras, que vendeu R$ 22 bilhões) em fevereiro de 2020. Tivemos a pandemia, que tornou o mercado ilíquido durante um tempo, e, desde então, com toda a questão de preços de combustível e com toda a troca da administração da empresa, a ação ficou muito volátil. Por mais que eventualmente bata preços considerados interessantes (para vender), a ação está sambando para cima e para baixo, não tivemos um momento de estabilidade. Não teve janela de mercado (momentos oportunos para vender ou comprar, no jargão do mercado financeiro) clara para fazer (vendas de ações da) Petrobras desde então. A notícia de hoje (a renúncia do ex-presidente da Petrobras José Mauro Coelho, na segunda-feira, 20) referenda a manutenção desse estado. Como falei, não vamos acelerar, não vamos atropelar. Vamos fazer (as vendas) quando tiver janela e com calma. Se tivermos que esperar um pouco mais, esperaremos.

Houve vendas de ações da Petrobras no primeiro trimestre, certo?

Sim, das (ações) ONs (ordinárias, os papéis que dão direito a voto numa companhia aberta). Foram R$ 635 milhões, o que para a Petrobras é muito pouco. Hoje, só temos PN (ações preferenciais, que não dão direito a voto), não temos nenhuma ON mais.

Então, o BNDES pode vender à vontade que a União não perde o controle? Mesmo se o BNDES vender as ações, a Petrobras segue estatal?

Nossa participação hoje é só preferencial, então não muda nada o poder votante do governo federal na empresa.

Então, a única coisa que importa na hora de decidir por novas vendas é abrir uma “janela de mercado”?

Sim. Tanto por questões da “commodity” em si, o preço do petróleo, que sobe e desce, quanto por questões que a empresa vem passando, de troca de gestão, discussão com o Congresso, pressão social. Não encontramos janela ideal para fazer ainda.

Logo após assumir, o novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, defendeu a privatização da Petrobras, processo que deverá, no futuro, ser conduzido pelo BNDES. Não é incoerente propor privatização como resposta ao aumento de preços, se a Petrobras vem seguindo preços internacionais de mercado?

Essa discussão continua no governo federal e Legislativo. O BNDES não foi envolvido. Está acontecendo como tem que ser. Mas é importante segregar o comentário sobre privatização, preço de mercado e composição da cadeia de valor do diesel e da gasolina. Temos a distribuição, que já foi privatizada, via BR Distribuidora (subsidiária da Petrobras que foi vendida pela estatal), hoje Vibra. Temos o refino, o transporte e a produção primária, a exploração. Quando falamos em preços de mercado, eles se aplicam só para a produção primária, é ali onde está a “commodity”. Todo o resto da cadeia, o transporte e o refino, pode ser, sim, aberto à competição. Na hora que temos um monopolista ou oligopolista no transporte e no refino, temos, sim, um ambiente de menos competição no mercado. Então, é importante que as outras etapas sejam abertas à competitividade, o refino e o transporte, para termos a certeza de que aquele preço é o menor possível.

Ainda que haja mais competição e que hoje a Petrobras seja monopolista, a estatal não está adotando preços de mercado?

É preço de mercado na produção primária. Só que as cadeias de refino e transporte são relevantes. Não tem competição no refino. Quando se abre o mercado para a competição, seja em refino ou importação, temos a segurança de que o preço praticado ali é o mínimo ideal.

Seria o mínimo ideal, mas ainda a preços de mercado, não?

Hoje é uma conta teórica que a empresa faz para dizer que a margem de refino e transporte dela é justa ou não.

Mas a conta teórica é de mercado, leva em conta os preços internacionais do petróleo e o câmbio, não?

É uma conta teórica. O refino não é internacional, é regional. No refino e no transporte, é preciso que tenha competição para provar qual a margem ali. Ela (a Petrobras) compra dela mesma para refinar. Uma vez que ela faz esse processo, é uma conta teórica. Ninguém sabe. Se as refinarias fossem operadas por um “player” privado, possivelmente, seriam mais eficientes e teriam muito mais investimento do que têm hoje. Então, temos que reduzir o custo de capital de refino e de transporte (de petróleo e gás) no Brasil.

Mas se as margens de retorno em refino são menores, por que haverá investimento privado?

São menores porque o risco é menor. Era, virtualmente, inviável alguém competir com a Petrobras sendo monopolista do refino. Então, subinvestimos em refino durante vários anos. Inclusive, investimos mal, por questões de corrupção. Se tivermos um setor aberto, com competição de preços de mercado, menor custo de capital e mais investimentos, tendemos a baixar o custo daquela infraestrutura. Mas, de novo, não estamos envolvidos nas discussões, estou fazendo aqui uma discussão teórica-conceitual.

Eficiência e custos de transporte são um dos componentes do preço de combustíveis, mas a cotação do petróleo e do câmbio pesam mais. O debate hoje não é por subsídio?

Primeiro, tem o debate sobre tributação. Tem ICMS, Imposto de Renda. Em segundo, são essas várias composições, distribuição, refino, transporte, exploração. Toda essa cadeia. E, por fim, a taxação da produção primária. Assim como discutimos taxação de bancos, podemos discutir taxação da produção primária também.

Em outubro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou que conversou com o sr. sobre preços de combustíveis. Como foi a conversa?

Debati isso com o presidente, sim. Alertei que as condições de preços do petróleo, que já estavam caros naquele momento, poderiam ficar ainda mais caros. Infelizmente, o cenário se materializou. E (alertei) da importância de seguirmos com essa agenda de ter mais competição no setor, o mais rápido o possível. Foi uma conversa consultiva, conceitual, sem nada muito concreto.

Naquela ocasião, em outubro, o presidente Bolsonaro citou especificamente a ideia de repassar a parte do lucro da Petrobras que cabe à União para um fundo regulador de preços de combustíveis. O BNDES poderia participar de uma medida desse tipo?

Em relação ao BNDES atuar como gestor de fundos públicos, federais ou estaduais, é um bom nicho de mercado para o banco, sim. Seja o “Fundo Brasil”, sobre o qual o ministro (da Economia, Paulo) Guedes está falando reiteradamente, ou qualquer outro tipo de fundo público em que se requer um gestor independente para a aplicação em atividades sociais ou de infraestrutura, o BNDES tem um papel bem interessante a cumprir.

O BNDES anunciou no início do mês que poderá emprestar R$ 15 bilhões para uma das concessionárias que assumiu o lugar da Cedae, no saneamento do Rio. Qual será a diferença desse empréstimo bilionário para o financiamento de R$ 23,4 bilhões concedido para a usina hidrelétrica de Belo Monte?

Qual era o valor do BNDES há dez anos? O custo dos juros. O banco era um monopolista que distribuía subsídios. Não por acaso, se referia aos tomadores como beneficiários, e não como clientes. Quando temos uma taxa de juros, subsidiada pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador, principal fonte de recursos do BNDES), hipoteticamente de CDI (a taxa de referência interbancária, muito próxima da taxa básica de juros) menos 5 (pontos porcentuais), obviamente, todo mundo vai fazer fila para tomar nosso empréstimo. Esse banco monopolista, distribuidor de subsídio, tem três coisas que não vai se inclinar muito a fazer. Primeiro, é atender bem o cliente, porque o cliente é quase obrigado a operar com ele. Segundo, esse banco não estará propenso a assumir risco, então opera com garantia, aval, fiança bancária, não divide o risco de projeto. E. terceiro. não vai procurar inovar. Quando olharmos o empréstimo para (a concessionária que substituiu a) Cedae, o banco vai assumir uma parcela relevante de risco de projeto, sem aval corporativo ou fiança bancária. Isso é disruptivo para a nossa infraestrutura nacional. E, na hora em que se está assumindo (risco) de verdade, e essa é a função do banqueiro, naturalmente, queremos cofinanciadores, porque estamos assumindo o risco de projeto. Isso faz com que melhore a governança do projeto e crie novos financiadores para o mercado de infraestrutura brasileiro. Isso abre o mercado de infraestrutura para financiamentos.

Mesmo assim, chama a atenção o valor de R$ 15 bilhões para apenas um empréstimo e sabemos que a necessidade de investimentos em infraestrutura é gigantesca. Não existe risco de faltar crédito e outras fontes para financiar?

O BNDES não vai deixar faltar. Nossa função é completar o que o mercado não está conseguindo absorver. Quando se olha a nossa capitalização, o patrimônio líquido e as disponibilidades de recursos financeiros, temos condição de fazer isso acontecer. Mas quanto mais conseguirmos induzir e criar mercado, melhor. É um mercado bom para bancos privados, fundos de pensão e seguradoras. No Chile, no Peru e na Colômbia isso já acontece. Vamos induzir esse mercado a se desenvolver no Brasil, porque o BNDES está dando espaço. O banco nunca esteve tão capitalizado. Vamos comparecer, mas se o mercado privado quiser tomar mais, deixamos o mercado tomar.

Se houver demanda maior por financiamentos para infraestrutura e o BNDES precisar desembolsar mais do que o planejado, em torno de R$ 70 bilhões ao ano, é possível?

Conseguiremos. Até porque a gente ainda opera muito pouco com garantia. E garantia é uma forma de operar sem “funding” (sem comprometer recursos diretamente com empréstimos). Hoje temos uma situação de longo prazo, de sustentabilidade financeira, seja em cobertura de despesa, capital ou liquidez, bem confortável.

Como está a privatização dos Correios?

Está no Senado, está na seara política ainda.

Politicamente, é mais difícil do que privatizar a Eletrobras?

Não sei. A questão das cidades pequenas... Mas enfim, as coisas têm seu tempo. Do nosso lado, andamos bem com o projeto. Assim que a parte política for endereçada, estamos convencidos de que é um projeto que agrega muito valor para o Brasil.

É possível privatizar ainda este ano?

Já não dá tempo, mas evoluímos bem. Todos os estudos estamos finalizando. Obviamente, depois tem que ter uma decisão política sobre qual a modelagem final, para podermos referendarmos isso e trazer o ativo ao mercado.

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