O varejo brasileiro voltou ao azul nas inaugurações de lojas em 2021. Entre aberturas e fechamentos, o saldo foi positivo em 204,4 mil novos pontos de venda e o comércio encerrou o ano com 2,4 milhões de estabelecimentos ativos, aponta um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), obtido com exclusividade pelo Estadão. A reação na abertura de lojas ocorreu apesar da deterioração das condições de consumo ao longo do ano, com a escalada dos juros, da inflação e o desemprego em alta.
A CNC mudou a base de dados do levantamento, que anteriormente era feito a partir de informações das empresas de comércio com vínculo empregatício que constavam no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Com as alterações na pesquisa do Caged, o novo estudo passou a usar a base de dados dos CNPJs de empresas comerciais ativas no Ministério da Economia, excluindo os Microempreendedores Individuais (MEIs). Como essa série atual de dados é curta, não é possível fazer comparações com anos anteriores.
Mesmo que as pesquisas de 2020 e 2021 não sejam comparáveis por causa das bases dados diferentes, o economista-chefe da CNC e responsável pelo estudo, Fabio Bentes, lembra que o levantamento anterior apontou que em 2020, o primeiro ano da pandemia, terminou com saldo de 28,3 mil lojas fechadas.
A virada que houve, de um saldo negativo de 28,3 mil lojas em 2020 para um saldo positivo de 204,4 mil abertas em 2021, não indica que o varejo esteja bombando. “Essa abertura de lojas tem muito do que chamamos de empreendedorismo de necessidade”, diz o economista. São pessoas que perderam o emprego por causa da pandemia, abriram uma pequena loja virtual ou física para tentar obter renda.
Essa também é a avaliação do diretor do Sindicato do Comércio Varejista de São Paulo (Sindilojas), Aldo Macri. Um levantamento feito na capital paulista na Junta Comercial revelou que 6,1 mil pequenas e médias empresas do comércio de artigos de vestuário foram abertas em 2021. “Até fiquei surpreso com o resultado”, afirma. Macri acredita que a abertura de novas lojas físicas e virtuais no setor de vestuário tenha ocorrido por necessidade de pessoas que ficaram desempregadas.
Um resultado da pesquisa da CNC que confirma essa análise é que a maioria do saldo das empresas abertas são de micro e de pequeno porte. E nesse grupo estão as lojas online. Juntas, essas companhias responderam por 92% do total do saldo de aberturas.
César Guimarães, diretor da MMP, fabricante há 26 anos de materiais pedagógicos de matemática, como ábacos, por exemplo, conta que a empresa abriu uma loja online e ingressou num marketplace. Com a eclosão da pandemia e o fechamento das escolas, que eram seus clientes tradicionais atendidos por telefone, o faturamento da companhia de pequeno porte foi a zero. “Fiquei sem clientes: não tinha ninguém do outro lado da linha para dizer' alô ", lembra.
A saída encontrada pelo empresário foi vender os materiais didáticos no varejo online para os pais de alunos que estavam com as crianças em casa. A loja online abriu um novo mercado para a companhia, que passou a comercializar produtos em pequenas quantidades e para todo o País. Com a reabertura das atividades, Guimarães não pretende abandonar a loja online que trouxe um faturamento extra para a empresa. “No mês que vem, pretendo colocar um colaborador para atender exclusivamente a loja online.”
Tendência
Além do “empreendedorismo de necessidade” e da abertura de lojas online, a retomada das atividades presenciais com o avanço da vacinação contra Covid-19 impulsionou as vendas no varejo e o saldo positivo de abertura de novas lojas ao longo de 2021, observa Bentes.
No ano passado, o volume de vendas do varejo ampliado, que inclui veículos e materiais de construção, cresceu 4,5%, em relação ao ano anterior, descontada a inflação, segundo a Pesquisa Mensal de Comércio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o maior avanço anual desde 2018 e ocorreu após a queda de 1,4% registrada em 2020.
Diante do cenário macroeconômico mais complicado para 2022, com inflação e desemprego e juros em níveis elevados, a perspectiva é de que tanto a aceleração das vendas no varejo como do saldo positivo de abertura de lojas percam fôlego. A CNC , por exemplo, projeta para este ano crescimento de menos de 1% para as vendas no varejo. “Pode até ser positivo, mas não será um movimento significativo como o registrado em 2021”, diz Bentes.
Essa desaceleração do varejo que houve no último trimestre do ano passado já teve reflexos no saldo trimestral de abertura de lojas. O estudo aponta que do terceiro para o quatro trimestre o saldo positivo de abertura de lojas recuou em cerca de 7 mil pontos de venda: de 57,67 mil no terceiro trimestre para 50,18 mil no quarto trimestre.
“Acredito que essa tendência deve continuar neste ano e que não haverá consumo para sustentar esse ritmo de crescimento do varejo”, prevê Bentes. Macri, do Sindilojas, também diz que tem dúvidas sobre a sustentabilidade dessa tendência, diante da perspectiva de baixo crescimento do País. “Tem o medo de uma nova onda de pandemia, da guerra, a estamos calejado. Quando os lojistas falam em abrir loja, digo para eles investirem em estoque, porque não se sabe o dia de amanhã.”
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