Este mês de outubro é chave para o avanço de uma tecnologia desenvolvida pela Petrobras que vai mudar o grau de eficiência da produção de petróleo no mundo. A estatal recebe até o fim do mês a proposta de três empresas para a construção do primeiro Hisep, sistema capaz de separar, ainda no fundo do mar, o gás rico em carbono que fica misturado ao óleo e reinjetá-lo ali mesmo, em alta profundidade, nos poços.
Com o Hisep, abreviação do termo separação em alta pressão, em inglês, o gás natural com CO2 não vai precisar ser levado até o navio- plataforma, o que vai reduzir o gasto de energia e o espaço para armazenamento e processamento do insumo nessas unidades. Ao Estadão/Broadcast, o engenheiro químico e consultor sênior na área de processamento da Petrobras, Fábio Passarelli, projeta para 2028 a maturidade da tecnologia. A essa altura, o aparelho já estará testado em campo e pronto para replicação em outros campos da empresa ou eventual comercialização.
Um dos responsáveis pelo projeto, Passarelli diz que o Hisep terá capacidade de reinjetar cerca de 5 milhões de metros cúbicos de gás por dia diretamente no fundo do mar. “Um FPSO (navio plataforma) típico do pré-sal manuseia em média entre 6 milhões e 7 milhões de metros cúbicos de gás por dia. Então o Hisep consegue quase dar conta desse volume todo”, afirma. Uma parcela do gás vai continuar chegando ao navio, inclusive para a geração da energia consumida em sua operação.
Tecnologia poupa 40% da energia
Essa separação e reinjeção do gás na boca do ponto de extração do óleo, diz ele, vai poupar 40% da energia consumida hoje por um navio plataforma - gerada por meio do gás natural ou óleo diesel - e, mais do que isso, vai liberar espaço nos navios para o recebimento de quantidades maiores de petróleo, produto de maior valor agregado.
“Hoje, algo entre 60% a 65% do peso e da área de um FPSO do pré-sal é destinado ao manuseio do gás. Ter muito gás associado com alto teor de contaminante (CO2) nos obriga a ter navios maiores e mais complexos”, diz Passarelli.
Segundo o especialista, é factível dobrar os compartimentos dedicados à produção de óleo em um navio, mas hoje não é possível dobrar o espaço dedicado a receber o gás que virá com esse óleo adicional. “Há uma limitação espacial. E é aí, também, que entra o Hisep”, completa. No limite, a tecnologia vai permitir a fabricação de navios menores e mais produtivos, com maior capacidade de processamento de óleo. De quebra, o processo ainda evita a queima e o vazamento residual de gases do efeito-estufa nessas unidades.
O Hisep vem sendo desenvolvido nos últimos nove anos, conceitualmente e com testes de componentes. A tecnologia capaz de aumentar a eficiência e a produção diária de óleo é aguardada com ansiedade pela Petrobras e por empresas sócias da operadora no pré-sal, em especial no campo de Mero 3, escolhido para receber o primeiro protótipo do Hisep. O consórcio do Bloco de Libra, onde fica Mero, é operado pela Petrobras (40%), em parceria com a Shell (20%), Total (20%), CNPC (10%) e CNOOC Limited (10%), tendo como gestora a estatal Pré-Sal Petróleo S.A (PPSA).
Mero 3 foi escolhido pelo alto teor de CO2 no gás natural, cerca de 45%. Nos próximos anos, o campo vai receber um maquinário que consiste em três módulos, um maior de 10m x 10m e dois menores de 10m x 5m, com separadores, bombas e tubulações que deverão funcionar a quase 2 mil metros de profundidade. Uma vez consolidada, a tecnologia deverá ser aplicada a campos vizinhos, como Búzios.
Três empresas participam da licitação
As empresas Aker Solutions, Technip FMC e OneSubsea participam do processo seletivo para a construção do protótipo em tamanho real do Hisep a ser instalado e aplicado em Mero. Com as propostas finais a serem depositadas esse mês, a Petrobras estima escolher a vencedora do processo até meados do 1º trimestre de 2023. Então, a empresa vencedora poderá começar as etapas do projeto de detalhamento, construção e instalação da tecnologia, que antecede os testes conjuntos com a Petrobras e a operação em si.
As concorrentes, que já fornecem equipamentos offshore para a Petrobras regularmente, foram pré-selecionadas pela Petrobras por terem participado da etapa de “early engagement”, em que fornecedores se envolvem no desenvolvimento da tecnologia a ser adotada no produto final, tornando-o viável não só tecnicamente, como comercialmente.
“A Petrobras tem a patente e agora desenvolve o produto final. Ainda não há intenção formal, mas, no futuro, a companhia poderá licenciar o produto sim. Principalmente porque há províncias importantes no mundo, com grande quantidade de CO2, que ainda não foram desenvolvidas por não terem um tipo de tecnologia como essa”, diz.
Desde 2017, esses e outros fornecedores têm sido consultados para a identificação de equipamentos que já tinham em seu portfólio e que poderiam ser adaptados para servir ao Hisep. Nesse processo, por exemplo, foram realizados testes de desempenho de bombas submarinas de injeção de gás denso rico em CO2, que ganha aparência aquosa em função da pressão.
Inclusive, como a operação acontece em alta profundidade, se utiliza da pressão da coluna d’água para trabalhar o gás rico em CO2 com consistência aquosa. “Quanto mais CO2, menor a pressão necessária para o gás se comportar como líquido. Com 50% de gás carbônico, precisamos de uma pressão entre 160 bar (unidade de pressão) e 180 bar. Mas com 70% de CO2, isso cai para 120 bar. Há campos com quase 80% de CO2 no pré-sal. Um dos que mais têm é Júpiter”, diz Passarelli. Ele se refere ao ativo compartilhado por Petrobras (80%) e a portuguesa Galp (20%), também na Bacia de Santos.
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