Sem consenso para aprovar a reforma do Imposto de Renda que daria as bases fiscais para a ampliação do gasto com o Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, o governo busca alternativas para cumprir as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para tirar o novo programa social do papel. Segundo apurou o Estadão, a fonte de custeio para os gastos pode sair do plano de revisão de subsídios tributários que a equipe econômica precisa apresentar ao Congresso no próximo mês.
A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que uma medida de aumento permanente de despesa (como a ampliação do Bolsa Família) precisa vir acompanhada de uma fonte de custeio, uma receita também duradoura capaz de financiar o gasto.
Essa é uma exigência técnica diferente do impasse que envolve o teto de gastos, uma regra focada nas despesas e que limita seu crescimento à inflação. Nessa frente, o governo também enfrenta dificuldades, devido ao crescimento das dívidas judiciais a serem pagas em 2022, e já trabalha em um “plano B” para tirar parte ou toda despesa com esses débitos do alcance do teto, como mostrou o Estadão.
Como fonte de receitas para o custeio do Auxílio Brasil, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, listou a tributação sobre lucros e dividendos distribuídos à pessoa física, entre outras mudanças propostas na reforma do Imposto de Renda. O objetivo original era aprovar as alterações e, assim, ter a fonte de recursos necessária para o programa social.
A reforma do IR, porém, começa a fazer água no Congresso Nacional. Mergulhada em desacertos entre diferentes grupos de interesse, a proposta já teve a votação adiada pelo menos três vezes. Governadores reclamam da perda de arrecadação, e empresários protestam contra a tributação de lucros e dividendos e a queda menor que a esperada no IRPJ. Nesta semana, havia expectativa de nova tentativa de votar o texto, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), já sinalizou que nem isso vai acontecer.
Nos bastidores do governo, a avaliação é de que Guedes é um dos únicos que ainda insistem na reforma tributária, enquanto o diagnóstico político é de que “não tem como prosperar”. Por isso, diferentes áreas do governo têm discutido qual seria o “plano B” do lado das receitas para bancar o Auxílio Brasil.
'Carta na manga'
Uma emenda constitucional aprovada em março para destravar a nova rodada do auxílio emergencial previu a necessidade de o governo apresentar um plano para reduzir subsídios à metade num período de oito anos. Um primeiro corte de 10% precisa ser implementado ainda este ano.
A ideia em discussão é usar esse plano, que já teria de ser enviado de qualquer maneira pela equipe econômica, para conseguir as novas fontes de receita necessárias ao programa social. Quando um subsídio é cortado ou reduzido, é como se o governo tivesse uma nova fonte permanente de arrecadação.
Mesmo com essa “carta na manga”, integrantes do governo reconhecem que ainda não há uma “coordenação tão perfeita” das soluções para viabilizar o Auxílio Brasil. Há quem mantenha certo ceticismo em relação à aprovação das leis que reverterão esses incentivos, dado que muitos setores beneficiados por essas políticas têm forte poder de pressão no Congresso Nacional.
Por isso, não se descarta uma opção mais extrema, de aprovar uma exceção ao Auxílio Brasil para que ele seja lançado sem a necessidade da compensação da LRF.
Ontem, a ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, já sinalizou que o novo programa social a ser criado “não está atrelado à cobrança de imposto sobre dividendos”. Ela também confirmou, em evento promovido pela XP, que o governo mantém conversas com parlamentares para mudar a PEC dos precatórios, enviada pelo governo para parcelar as dívidas judiciais e resolver o problema pelo lado da despesa.
Lira se encontrou ontem com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, para buscar alternativas para o pagamento das dívidas sem o estouro do teto.
Um integrante da ala política afirma que uma certeza é a “decisão de governo” de ampliar a política social, sobretudo depois de a pandemia ter agravado carências na população. Cálculos internos apontam que o Auxílio Brasil deve ter um tíquete médio próximo a R$ 300 e custar de R$ 60 bilhões ao ano.
Entenda o dilema fiscal do governo envolvendo o Auxílio Brasil:
O impasse:
Para sair do papel, o Auxílio Brasil depende da resolução de outros impasses no Orçamento.
Pelo lado das despesas:
O governo precisa ter espaço no teto de gastos. Com o salto nas dívidas judiciais a serem pagas em 2022, calculadas em R$ 89,1 bilhões, a folga foi consumida.
A solução:
Equipe do ministro Paulo Guedes encaminhou uma PEC para parcelar o pagamento dessas dívidas judiciais, chamadas de precatórios, em 10 anos. Essa medida, porém, enfrenta forte resistência dos parlamentares e também do mercado financeiro, onde há quem tenha comprado os direitos de recebimento desses valores.
O plano B:
Após consultas ao Congresso, ministros já discutem alternativas para a despesa com precatórios, como excluir os cerca de R$ 30 bilhões de “crescimento surpresa” do teto de gastos, ou retirar do limite todo o gasto com dívidas judiciais.
Pelo lado das receitas:
A Lei de Responsabilidade Fiscal diz que medida de aumento permanente de despesa (como a ampliação do programa social) precisa vir acompanhada de uma fonte de custeio – uma receita capaz de financiar o gasto.
A solução:
Equipe do ministro Paulo Guedes quer atrelar o aumento do gasto social à tributação de lucros e dividendos distribuídos à pessoa física. A medida foi incluída na reforma do Imposto de Renda, mas a proposta está cercada por polêmicas e travou na Câmara dos Deputados.
O plano B:
Revisar subsídios tributários. Em setembro, o governo já teria que enviar um plano de revisão desses incentivos, exigido pela emenda constitucional 109. A alta da arrecadação obtida com a reversão de alguns subsídios pode ser usada como fonte de custeio para o Auxílio Brasil.
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