Depois de sete meses com a taxa básica de juros brasileira no menor nível da história, o Banco Central deverá tomar na próxima semana uma decisão que não adota desde 2015: aumentar a Selic. Apesar da segunda onda da pandemia de covid-19 sinalizar ainda tempos difíceis para a economia e o crédito, a subida dos preços de alimentos e combustíveis pressiona o Comitê de Política Monetária (Copom) a começar um novo ciclo de aperto financeiro.
É preciso voltar a julho de 2015, ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, para encontrar a última vez que a autoridade monetária elevou os juros. Na ocasião, o Copom liderado por Alexandre Tombini elevou a Selic em 0,50 ponto porcentual, levando a taxa para 14,25% ao ano. Na época, o balanço de riscos do BC contava com problemas semelhantes aos de 2021, com inflação em alta, real desvalorizado e fraca atividade econômica.
Quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil no ano passado, o BC foi forçado a acelerar a redução da Selic, que já vinha ocorrendo nos últimos anos em um ambiente de inflação controlada e retomada gradual da economia. Entre fevereiro e agosto de 2020, os cortes sucessivos do Copom baixaram a Selic de 4,50% para 2,00% ao ano - onde ficou estacionada até agora.
Quanto menores os juros básicos da economia, mais barato fica o crédito para empresas e famílias, o que possibilitou o crescimento dos financiamentos no auge da crise e ajudou a segurar as quedas na atividade e no emprego.
O problema é que agora o BC se depara com um aumento contínuo da inflação, puxada pelos alimentos e pelos combustíveis. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou fevereiro com alta de 0,86% e já acumula um crescimento de 5,20% nos últimos 12 meses. A meta de inflação para o fim de 2021 é de 3,75%, com uma margem de tolerância de 1,5 ponto (de 2,25% a 5,25%).
Nesse cenário, apesar da segunda onda da pandemia de covid-19 e das medidas de lockdown tomadas por diversos governos estaduais apontarem para uma nova retração da economia nos meses à frente, o mercado aposta em uma alta consistente nos juros na próxima semana. O Copom se reúne entre terça e quarta-feira (16 e 17).
Das 54 instituições do mercado financeiro consultadas pelo Projeções Broadcast, 52 esperam aumento dos juros básicos nesta reunião, sendo que 48 aguardam que a taxa suba de 2,00% para 2,50% ao ano, três veem alta de 0,25 ponto e uma espera aperto mais intenso, de 0,75 ponto. Para o fim de 2021, a maioria das apostas é de 4,5%, com expectativas indo de 3% a 6%.
Na comunicação da última reunião do Copom, em janeiro, o colegiado já havia deixado a porta aberta para a retomada de um ciclo de alta de juros. Desde então as apostas da maioria mercado migraram de 0,25 p.p de aumento para 0,50 p.p. seguindo a trajetória de aumento nos preços e a crise dos combustíveis. Com as ameaças de desidratação da PEC emergencial pelo Congresso que levaria a uma deterioração fiscal ainda maior do País, diversos analistas chegaram a alertar para a possibilidade de um aumento de até 0,75 p.p. de uma só vez, mas aprovação do texto com um teto para a nova rodada do auxílio emergencial afastou essa hipótese.
Inflação x Atividade
O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, que ainda aposta em uma elevação de apenas 0,25 p.p na Selic, avalia que os impactos da segunda onda da pandemia sobre a economia podem impedir que o Copom “pese a mão” na alta dos juros em março. Para ele, o movimento deve ser mais gradual, com duas altas de 0,50 p.p a partir da reunião seguinte - em maio - e mais uma elevação de 0,25 p.p, encerrando o ciclo em 3,5%.
“A pandemia piorou muito, e estamos caminhando para o fechamento extremo das principais regiões produtivas do País. É preciso lembrar que as decisões do BC têm um efeito defasado sobre a economia, e o horizonte relevante do Copom já está olhando mais para 2022, cujas expectativas de inflação seguem ancoradas”, argumenta. “Subir demais os juros agora vai amassar ainda mais os setores de serviços e da indústria”, alerta.
Para Sanchez, um aumento de 0,25 p.p. agora significaria que o BC continua enxergando um ambiente incerto e duvidoso, enquanto uma elevação de 0,50 p.p. sinalizaria uma certeza maior por parte do Copom sobre a evolução do cenário. “A realidade vem se impondo, mas não sabemos como vai ser a conjuntura econômica daqui a duas ou três reuniões. Não consigo trazer uma palavra de otimismo vendo os dados de ocupação de UTIs, óbitos e vacinas. A conjuntura econômica é triste”, completa.
Já o economista-chefe da Necton, André Perfeito, enxerga uma atuação mais firme do Copom e projeta seis altas consecutivas de 0,50 p.p., levando a Selic para 5% até o fim do ano. “A inflação está aí, e não tem como pensar de forma diferente. O IPCA para 2021 já está perto do teto e vai estourar. Até segunda ordem, o preço das commodities, dos alimentos e dos combustíveis é para cima. E é preciso lembrar que as despesas no Brasil ainda são muito indexadas à inflação”, acrescenta, chamando a atenção para o risco fiscal do País.
Apesar da aprovação da PEC Fiscal com um teto de R$ 44 bilhões para a nova rodada do auxílio emergencial, Perfeito lembra que a recuperação pelo ex-presidente Lula de seus direitos políticos pode resultar em uma guinada populista por parte do presidente Jair Bolsonaro, de olho nas eleições de 2022. “A troca de comando na Petrobrás para fazer um aceno aos caminhoneiros já foi uma sinalização. E agora o efeito Lula gerou ainda mais dúvidas sobre a consistência dos ajustes econômicos. O governo vai conseguir retirar o auxílio emergencial em agosto quando a inflação estiver no auge”, questiona.
Da mesma forma, o sócio da Tendências Consultoria Integrada, Silvio Campos Neto, prevê um aumento de 0,50 p.p. na Selic nesta semana, seguido por outros quatro movimentos de mesma magnitude – para uma taxa de 4,5% ao ano.
“As expectativas de inflação vêm subindo desde o começo do ano e começam a se aproximar desconfortavelmente do teto da meta para 2021. Temos um contexto com pressões cambiais, alta de commodities e insumos, repasse do atacado, além de toda uma incerteza no campo fiscal e político”, destaca.
Por isso, o economista avalia ainda que a taxa atual de 2% ao ano para uma inflação corrente que é o dobro disso resulta em uma taxa de juros real negativa que não condiz mais com o risco brasileiro. “E claro que a pandemia preocupa, e eu diria que só por causa da atividade que a alta nos juros não será de 0,75 p.p. nesta reunião”, completa. “Mas se o risco de contaminação da inflação de 2022 aumentar nos próximos meses, os próximos passos do Copom podem incluir altas ainda maiores na Selic”, conclui Campos.
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