Para tentar diminuir as críticas ao uso do dinheiro carimbado dos precatórios (valores devidos pelo governo após sentença definitiva na Justiça) para financiar o Renda Cidadã, líderes de partidos da base do governo já discutem reservar uma parcela maior para esses pagamentos no Orçamento do próximo ano. O mesmo espaço de negociação não existe, porém, no caso do uso de recursos do Fundeb, o fundo que financia a educação básica. Deputados e senadores continuam recusando a ideia apresentada pelo governo para ajudar a bancar o programa social que vai substituir o Bolsa Família.
A proposta do governo para os precatórios – vista por economistas como uma “pedalada fiscal”, por apenas adiar dívidas já consideradas líquidas e certas e ainda driblar o teto de gastos – era limitar o pagamento em 2% da receita corrente líquida (algo em torno de R$ 16 bilhões em 2021). Mas, diante das reações negativas, lideranças já têm cogitado elevar esse porcentual para 3% ou 4%.
Apesar das críticas, o senador Márcio Bittar (MDB-AC) afirmou que não vai desistir do modelo de financiamento do novo programa apresentado na segunda-feira. “Não me assusto assim tão fácil”, afirmou Bittar, sobre a recepção negativa do mercado financeiro e do mundo político à proposta.
Bittar é relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial que vai criar o Renda Cidadã. Ele também é responsável pelo parecer do pacto federativo. Segundo ele, a proposta do pacto vai prever medidas de cortes de gastos, os chamados gatilhos, para garantir o cumprimento do teto de gastos. “Eventuais sugestões serão consideradas. Mas, para abrirmos espaço fiscal para atender ao Renda Cidadã, serão imprescindíveis os precatórios e o Fundeb.”
Fundeb
Ao propor o uso do Fundeb para o programa de renda mínima, o governo repete a estratégia que fracassou em julho, quando a equipe econômica tentou destinar parte dos recursos do fundo para famílias carentes. Agora, mais uma vez, a proposta é descartada até por líderes governistas. “Politicamente, a questão do Fundeb realmente é mais difícil. Acho que não prosperará”, disse o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Neste ano, o Congresso aprovou uma PEC aumentando os recursos do Fundeb a partir de 2021. O dinheiro, porém, é exclusivo para gastos em educação. “Embora a educação tenha de atuar muito de perto com a área social, os recursos do Fundeb são carimbados. É preciso esperar a proposta do presidente Jair Bolsonaro, mas usar dinheiro do Fundeb não vai ser possível”, disse a deputada Professora Dorinha (DEM-RO), relatora do Fundeb na Câmara.
Já sobre os precatórios, a avaliação dos líderes é outra. O governo quer estabelecer um patamar mínimo da arrecadação para pagar essas dívidas. O restante poderia ser destinado para financiar a renda mínima. A estratégia, porém, envolve o adiamento de uma despesa que o governo terá de pagar mais tarde. “Você não está deixando de pagar os precatórios, está fazendo uma previsão de pagamento para dois anos, três anos em um porcentual fixo, como já acontece nos Estados e municípios”, argumentou o líder do PP.
O limite para o pagamento de precatórios já existia para Estados e municípios e foi aprovado em 2009 por meio de uma emenda constitucional. Em 2013, porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional esse dispositivo, por afrontar cláusulas pétreas, como a de garantia de acesso à Justiça, a independência entre os Poderes e a proteção à coisa julgada.
Em 2015, o STF modulou os efeitos da decisão para dar “sobrevida” a regimes especiais que já haviam sido adotados. Na decisão, a Corte deu prazo de mais cinco anos para os parcelamentos, a contar de janeiro de 2016 – ou seja, o prazo se encerraria no fim de 2020.
No Senado, líderes apoiam a ideia argumentando que há um piso para os precatórios dos Estados e municípios. “Ainda vou colocar a proposta para discussão no grupo do PSD. Mas, a princípio, o governo se comprometendo com a desoneração da folha, posso até concordar”, disse o líder do PSD na Casa, Otto Alencar (BA), fazendo referência ao veto da desoneração da folha salarial em 2021, outra proposta em discussão no Congresso.
De acordo com líderes partidários, o dinheiro dos precatórios já poderia ser suficiente para bancar a renda mínima. Nesse cenário, o governo poderia desistir de mexer no Fundeb. A retomada de uma proposta fracassada antes foi vista como um “bode na sala”, ou seja, algo colocado estrategicamente para ser tirado depois em prol da aprovação da medida.
Apesar da incerteza sobre a fonte de financiamento, o governo tem recebido apoio do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para tirar a renda mínima do papel. “É fundamental”, disse o parlamentar em relação ao programa. O amapaense se recusou, porém, a avaliar a proposta da equipe econômica para bancar o benefício.
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