O Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou nesta quinta-feira, 27, o Banco Central a repassar R$ 325 bilhões para o Tesouro Nacional. De acordo com o conselho, o dinheiro deverá ser usado no pagamento da Dívida Pública Mobiliária Interna, isto é, o endividamento do governo feito em reais.
Como adiantou o Estadão, o valor ficou abaixo dos R$ 445 bilhões pedidos pelo Ministério da Economia porque o BC se mostrou resistente à operação. Em nota divulgada nesta quinta, o conselho informou ainda que o valor a ser repassado pelo BC ao Tesouro poderá ser ampliado "caso haja necessidade"
O repasse do lucro bilionário, obtido graças à valorização expressiva do dólar e seu efeito no valor em reais das reservas internacionais, é considerado necessário para garantir ao Tesouro maior conforto na gestão da dívida pública num momento de forte aumento de gastos e maior dificuldade para o País se financiar no mercado.
O BC, no entanto, teme ser acusado de financiar irregularmente o Tesouro Nacional e tem jogado duro nas negociações que definirão o valor final da transferência, que pode ficar pelo menos R$ 100 bilhões abaixo do pedido pela Economia.
A lei permite o repasse do lucro cambial “quando severas restrições nas condições de liquidez afetarem de forma significativa” o refinanciamento da dívida pública.
O Ministério da Economia, segundo apurou a reportagem, entende que as dificuldades provocadas pela pandemia se enquadram nessa situação. Mas os diretores do BC entendem que o trecho "restrições nas condições de liquidez" pode ser interpretado como liquidez de mercado e, devido à crise, ela não enfrenta restrição, pelo contrário: o próprio BC adotou uma série de medidas para deixar mais recursos disponíveis nos bancos e na economia. A avaliação no BC é que aprovar um repasse vultoso ao Tesouro traria muito risco aos gestores, que poderiam ser responsabilizados por eventual irregularidade.
Procurados por meio de suas assessorias de imprensa, o BC e Economia não comentaram.
O Tesouro já queimou uma parte do seu caixa com o aumento dos gastos do governo para combater a pandemia e com as condições menos favoráveis para o País emitir títulos e se financiar. Em meio às incertezas trazidas pelo coronavírus e seus efeitos econômicos, investidores têm cobrado taxas de juros mais elevadas para emprestar ao governo, principalmente em papéis com prazo mais longo de vencimento, o que tem resultado em maior cautela do Tesouro nas emissões.
O subsecretário da Dívida Pública, José Franco de Morais, alertou, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que o colchão de liquidez já caiu para um patamar muito próximo do nível mínimo de segurança, que é de três meses de vencimentos da dívida. “Em muitas vezes, nas entrevistas, eu falava em situação confortável [do caixa]. Os jornalistas até brincavam com isso. Obviamente, o adjetivo não é mais esse”, afirmou Franco ao jornal.
O risco de o colchão de segurança ficar muito baixo é o Tesouro acabar se vendo obrigado a pagar taxas mais elevadas pedidas pelos investidores para financiar o Brasil - hoje rejeitadas justamente pela posição mais favorável do governo na gestão da dívida.
No primeiro semestre, o BC registrou resultado positivo de R$ 503 bilhões, dos quais R$ 478,5 bilhões vieram das operações cambiais.
O Banco Central já transferiu em anos anteriores o lucro com as reservas internacionais para o Tesouro Nacional, mas o fluxo intenso de valores entre eles gerava críticas dentro e fora do governo porque o resultado obtido com a valorização das reservas é contábil, enquanto o pagamento pelo BC é feito em moeda. Em 2019, uma nova lei previu a criação de uma conta gráfica para acumular esses resultados e reduzir esse fluxo.
Novo planejamento da dívida
Uma decisão sobre a transferência é necessária para que a equipe econômica consiga divulgar a revisão de seu Plano Anual de Financiamento (PAF), documento que mostra o planejamento do Tesouro para a gestão da dívida pública. A coletiva de imprensa programada para anunciar os dados mensais da dívida e o novo PAF, inicialmente programada para quarta-feira, 26, precisou ser adiada para sexta-feira, 28, devido ao impasse.
Nas últimas semanas, o BC manteve conversas com o Tribunal de Contas da União (TCU) para trocar informações sobre a operação de transferência do lucro cambial. Segundo apurou a reportagem, as explicações foram bem recebidas entre os ministros. Além disso, a percepção entre técnicos é que há previsão legal para o repasse do resultado.
De acordo com uma fonte ouvida pela reportagem, é possível alguém questionar se a transferência permitida pela lei caracteriza financiamento do Tesouro pelo BC, o que é vedado pela Constituição, mas até hoje essa provocação nunca foi feita ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na avaliação dessa fonte, até que a Corte eventualmente declare a inconstitucionalidade da lei, ela continua valendo e resguarda o gestor.
O Ministério Público junto ao TCU protocolou uma representação pedindo que o órgão monitore a transferência de recursos do BC ao Tesouro para evitar risco de "pedalada fiscal" por meio do financiamento da expansão de gastos com recursos de banco público.
Na segunda-feira, 24, em entrevista à CNN Brasil, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse ser favorável à transferência do lucro ao Tesouro Nacional, mas enfatizou que os recursos devem ser aplicados na gestão da dívida, não para bancar gastos do governo. "É importante que se caracterize como uma transferência de resultado, e não um financiamento", ressaltou.
Campos Neto disse ainda que o preço das reservas continuará oscilando devido à volatilidade do câmbio e, por isso, defendeu a permanência de um “colchão” no BC. A lei prevê níveis mínimos de liquidez e títulos do Tesouro na carteira do BC para que a autoridade monetária tenha instrumentos adequados para exercer suas funções, assim como a emissão direta de papéis em favor do BC quando houver necessidade de repor esses níveis mínimos.
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