A equipe econômica enfrenta um impasse para usar o dinheiro que hoje paga o abono salarial de trabalhadores para bancar parte do Renda Brasil, programa assistencial que está sendo preparado para ser a marca social do governo Jair Bolsonaro. Mesmo que o abono seja extinto, como quer a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, os recursos só começariam a ficar “livres” no Orçamento a partir de 2022. O governo, porém, quer começar a fazer uma ponte entre o auxílio emergencial criado por causa da pandemia do novo coronavírus e o Renda Brasil ainda este ano.
O abono salarial é pago a trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários mínimos. O desembolso tem certa defasagem. Quem teve ao menos 30 dias de emprego registrado em 2019, recebe entre julho deste ano e março de 2021. Já quem trabalhou ou está empregado com carteira durante o ano de 2020 deve receber o benefício entre o segundo semestre de 2021 e o primeiro semestre de 2022.
Ainda que o governo consiga apoio no Congresso Nacional para extinguir o abono por meio de mudança constitucional – uma mudança já tentada por governos anteriores, sem sucesso –, quem já adquiriu o direito precisará ter o benefício honrado pelo governo.
“Basicamente, há um cronograma de pagamento do abono que se estende por até 18 meses após o ano-base, então os recursos ficariam disponíveis lentamente”, afirma o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o impasse está sendo discutido pela equipe econômica, mas ainda não há solução fechada. Há um grupo de técnicos que defende antecipar o pagamento dos benefícios já contratados para este ano, liberando o espaço do abono no Orçamento dos próximos anos. No entanto, outro grupo tem dúvidas sobre a viabilidade dessa ideia, dada a restrição no Orçamento de 2020. O gasto com o abono entra no cálculo do teto de gastos, regra que limita o avanço das despesas à inflação.
Procurado, o Ministério da Economia informou que só se manifestará após o anúncio oficial da medida.
Ex-assessor especial do Ministério do Planejamento e hoje diretor de Estratégias Públicas da MAG Seguros, o economista Arnaldo Lima avalia que o governo poderia mudar algumas regras de acesso ao abono por meio de medida provisória (com vigência imediata) e, assim, garantir uma economia de curto prazo.
Hoje, o trabalhador tem direito a um valor proporcional do abono a partir de um mês trabalhado com carteira assinada no ano. A cada mês, o valor do abono é acrescido na proporção de 1/12 avos do salário mínimo.
A sugestão de Lima é elevar esse período para seis meses. Ou seja, quem trabalhou com carteira assinada menos de seis meses em determinado ano não teria direito ao abono salarial. Nos cálculos do economista, o gasto cairia de R$ 23 bilhões para R$ 11 bilhões.
“São regras de curto prazo que precisam ser aperfeiçoadas, e isso dá fôlego para trabalhar na narrativa da PEC de (redução de) gastos”, diz Lima. Segundo ele, há grande rotatividade no emprego, sobretudo entre as menores faixas de renda, por isso o impacto seria significativo.
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