Diante da pandemia, do número crescente de mortes e da discussão sobre a adoção de lockdown (bloqueio total) em grandes cidades do País, o Ministério da Economia diz que ainda não é o momento de discutir a retomada. Mas, nos bastidores, a equipe econômica já está traçando os cenários e fazendo estimativas preliminares para o day after.
Segundo o Estadão apurou, os técnicos do ministério estão indo atrás dos protocolos de saída de lockdown em diversos países, para conhecer melhor as diferentes estratégias de retomada adotadas pelo mundo, avaliar as melhores práticas e selecionar aquelas que podem ser replicadas no Brasil.
A equipe econômica continua a apostar numa retomada em “V”, com uma queda de no máximo 4% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano e uma recuperação forte em 2021, com alta de cerca de 5% do PIB. De acordo com as previsões do ministério, a retomada em “V” é a que parece ter hoje a maior chance de acontecer, com 50% de probabilidade. Neste cenário mais favorável, dentro do que se pode considerar como tal no contexto atual, a crise na saúde começaria a diminuir dentro de três meses e economia voltaria a crescer de forma acelerada.
Previsões sombrias
Nas projeções oficiais, há, também, uma grande chance de acontecer uma retomada em “U”, com 40% de probabilidade, caso a pandemia se agrave, o que ampliaria um pouco a recessão e retardaria o reaquecimento da economia. Para o ministério, a retomada em “L”, que seria o cenário mais grave, com a pasmaceira da economia se prolongando ainda mais e a retomada ocorrendo lentamente, é a que tem menor chance de ocorrer, com apenas 10% de probabilidade.
Caso as previsões mais sombrias se confirmem e a taxa básica de juro caia para zero, para impulsionar a atividade econômica, o governo poderá recomprar títulos da dívida pública e emitir moeda, como já afirmou o ministro Paulo Guedes, seguindo estratégia adotada pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano. A lógica por trás deste movimento é a de que, com os títulos públicos rendendo zero, não faria sentido mantê-los no mercado, porque os indivíduos e as empresas vão preferir dinheiro vivo.
Para a equipe econômica, se o presidente Jair Bolsonaro vetar a possibilidade de concessão de reajustes salariais para certas categorias do funcionalismo neste ano e no próximo, incluída no pacote de auxílio a Estados e municípios, e se o veto não for derrubado pelo Congresso, o País ganhará fôlego fiscal para dar maior consistência à retomada pós-pandemia. “Eu tenho falado que o Brasil vai surpreender”, declarou o ministro Paulo Guedes recentemente.
Trajetória futura
O objetivo da equipe econômica com o congelamento de salários dos servidores estaduais e municipais é garantir que o volume extraordinário de recursos que o governo federal está liberando vá efetivamente para a saúde e não para aumentar a máquina administrativa e seja uma despesa transitória e não permanente. Aí, em 2021, os gastos voltariam ao patamar de antes da crise, sem comprometer a trajetória futura das contas públicas.
Se o congelamento salarial do funcionalismo for confirmado, a equipe econômica terá realizado o plano definido desde o início da atual gestão, de cortar de forma significativa as três grandes despesas do governo, que ainda inclui a reforma da Previdência e da queda dos juros, já concretizadas.
Neste ano, a previsão é de que o governo consiga economizar cerca de R$ 200 bilhões em relação ao que gastava antes, sem contar os gastos emergenciais com a pandemia, sendo R$ 100 bilhões com a Previdência e mais R$ 100 bilhões na rolagem da dívida pública. Em 2019, o corte de despesas já havia permitido uma redução da relação dívida/PIB, que muitos analistas diziam que só iria se estabilizar em 2022, de 76,5% para 75,8% do PIB.
Contornos keynesianos
Com o veto às exceções feitas no congelamento de salários, o País poderá ter uma economia adicional de R$ 130 bilhões, em vez dos R$ 43 bilhões previstos com o projeto aprovado pelo Congresso no início de maio. “Agora, em vez de fiscal frouxo e aperto monetário, é aperto fiscal e afrouxamento monetário”, costuma dizer Guedes.
Acusado de “insensível” às demandas sociais e de “radical” por seus opositores, por insistir no equilíbrio fiscal e na contenção dos gastos públicos, Guedes tem dito que implementou “o maior programa social do mundo em três meses”.
Ele interrompeu uma agenda de reformas estruturantes, de caráter permanente, inspirado nos ensinamentos da Universidade de Chicago, templo global do liberalismo econômico, e implementou um programa de contornos keynesianos, com medidas emergenciais e temporárias, para amparar a população mais carente e as empresas durante a pandemia.
Segundo dados do Ministério da Economia, o governo já liberou o equivalente a 4,6% do PIB para combater os efeitos da crise, enquanto os países avançados liberaram, em média, 4,5% do PIB e os emergentes, 2,3%. Ao mesmo tempo, o País registrou um aumento no desemprego formal de cerca de um milhão de trabalhadores durante a crise, enquanto nos Estados Unidos o desemprego alcançou 26 milhões de pessoas.
O governo, segundo o ministério, também conseguiu antecipar em vários anos, na prática, a proposta de descentralização de recursos prevista no novo Pacto Federativo em tramitação no Senado. Pelos números oficiais, o governo liberou em dois meses R$ 300 bilhões para Estados e municípios, o equivalente a 2/3 dos R$ 450 bilhões previstos para ser repassados aos entes da Federação ao longo de oito anos, conforme a proposta do pacto.
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