A transição pleiteada pelo governo ao Tribunal de Contas da União (TCU) para que o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) possa usar o Orçamento de 2020 para bancar obras executadas nos próximos anos pode abrir a porteira e deixar até R$ 40 bilhões em gastos como “herança” para o ano que vem, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
O maior problema é que esses valores vão competir com as despesas já programadas para 2021 dentro do teto de gastos, o mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação, criando uma espécie de “orçamento paralelo” que pode pressionar o caixa do governo, dificultar a gestão orçamentária e até ampliar o risco de apagão na máquina pública.
O teto precisa ser respeitado em dois momentos: na formulação do Orçamento e na realização dos desembolsos, durante o ano. Com esse “orçamento paralelo” herdado de 2020, o governo precisaria escolher entre pagar as obras iniciadas este ano ou repassar os recursos para as ações previstas no Orçamento de 2021. Para o ano que vem, o nível de despesas que não são obrigatórias, as chamadas discricionárias, de R$ 92 bilhões, já é baixo e poderia ficar ainda mais comprometido. Caso o TCU atenda à solicitação e libere os gastos, todos os ministérios estariam aptos a se beneficiar além do MDR.
Nos bastidores, há a avaliação de que a manobra é uma forma de criar mais dificuldades para o teto de gastos e reforçar o discurso de que uma flexibilização será necessária. A equipe econômica, porém, é contra qualquer mudança, pois vê na regra fiscal uma “superâncora” de credibilidade de que as contas não ficarão descontroladas.
A solicitação de uma transição foi feita pela Advocacia-Geral da União (AGU) a pedido do MDR e de parlamentares, que viram um crédito de R$ 6,2 bilhões aprovado pelo Congresso ter sua execução travada por uma regra orçamentária. O impasse contaminou as articulações de fim de ano e levou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), a reclamar publicamente do “apagão das canetas” em meio a votações decisivas no Legislativo.
O entrave é o princípio da anualidade orçamentária, regra que permite empenhar apenas os gastos que serão executados no próprio ano para evitar uma pressão bilionária dos chamados “restos a pagar” nos anos seguintes. O MDR, porém, quer usar o Orçamento de 2020 para empenhar valores maiores de obras, como a transposição do São Francisco, que incluem fases que serão executadas apenas nos próximos anos.
Segundo apurou a reportagem, integrantes da corte de contas entendem que um caminho possível é sinalizar que a redução dos restos a pagar era recomendação e que, diante da calamidade pública, é possível admitir alguma flexibilidade no empenho dos gastos em 2020, desde que as despesas que ficarem “penduradas” para os próximos anos sejam executadas até 2022.
O grupo contrário a essa saída alerta que o princípio da anualidade orçamentária não é novo e está na Lei de Finanças desde 1964. A AGU, por sua vez, argumentou justamente o contrário: que houve “inovação” na recomendação do TCU nas contas de governo de 2019, que pediu a redução dos restos a pagar e respeito ao princípio de gastar apenas o que será realizado no próprio exercício.
O pedido da AGU, de uma “transição” para cumprir um princípio que está na lei há mais de 50 anos, gerou desconforto dentro da área econômica, que é contra a flexibilização. A área técnica do TCU também deve se posicionar nesse sentido, mas o plenário do TCU pode decidir de forma independente.
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