O Senado trava um embate para estabelecer novas metas ao Banco Central no projeto de autonomia do órgão. A votação da proposta, que chegou a ser prevista para quarta-feira foi adiada para o dia 3 de novembro. Senadores ainda se dividem sobre a inclusão de um novo mandato à instituição: fomentar o pleno emprego.
A redação atual do projeto estabelece dois novos objetivos a serem perseguidos pela instituição: suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego no País. Historicamente, o BC sempre foi contrário a propostas como essas, por entender que o foco deve estar voltado para o controle da inflação e a estabilidade do sistema financeiro. Senadores têm insistido, porém, na ideia de que a autarquia também precisa se responsabilizar pelo crescimento econômico.
Os novos objetivos fazem parte do Projeto de Lei Complementar n.º 19, de 2019, apresentado pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM) e relatado pelo senador Telmário Mota (PROS-RR). No mais recente relatório, o texto estabelece que “o Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços”. Na sequência, traz que “sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”.
O foco na atividade econômica e no emprego sempre foi criticado pelo BC, embora tenha forte apelo entre parlamentares. A visão dos congressistas é de que o BC não pode se limitar a controlar a inflação por meio da Selic (a taxa básica de juros), mas também atuar para que o País cresça. Seria uma espécie de “duplo mandato” – controle da inflação e crescimento –, em formato semelhante ao do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).
O BC brasileiro, no entanto, sempre enxergou de outra forma. Tanto o atual presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, quanto seus antecessores defendem que, ao controlar a inflação, o BC contribui para o crescimento do País no longo prazo. Além disso, a questão do crescimento e da geração de emprego já são consideradas nas decisões sobre a Selic. Existe ainda o entendimento de que, mesmo no Fed, o controle da inflação é o objetivo que se sobrepõe na calibragem dos juros básicos.
Na prática, ao se estabelecer objetivos adicionais – como o pleno emprego – o BC estaria sujeito a mais críticas e, tecnicamente, também poderia ter mais dificuldades para atuar. Como subir juros (para controlar a inflação) sem prejudicar o emprego no curto prazo?
Em um primeiro momento, Mota defendeu que “atribuir mandato duplo abriria espaço para o Banco Central ser afetado pelo ciclo político, sendo potencialmente mais pressionado a estimular a atividade econômica e o emprego no curto prazo”. No relatório mais recente, porém, o parlamentar afirmou que “é possível contemplar na atuação do Banco Central as legítimas preocupações com o pleno emprego, sem dar azo aos riscos cogitados na minha última manifestação”.
Alterações
Com o projeto na pauta, parlamentares ainda se dividem sobre as metas da instituição na proposta. Um dos principais defensores de mais objetivos para o BC é o líder do MDB na Casa, Eduardo Braga (AM). Na terça-feira, ele apresentou uma emenda (sugestão de mudança ao texto) que estabelece o pleno emprego como objetivo a ser perseguido pelo BC, por meio de uma redação mais enfática que o projeto atual – este, por sua vez traz, o emprego como objetivo acessório, e não principal.
Contrário a essa proposta, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) tenta retomar o conteúdo do projeto aprovado em fevereiro pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). O tucano apresentou ontem emenda para suavizar o mandato do BC no projeto, mantendo a estabilidade de preços como objetivo central. Como meta acessória, sugere Tasso, o banco “também tem por objetivos suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e zelar pela solidez e eficiência do Sistema Financeiro Nacional”.
No início da pandemia de covid-19, o governo apontou o projeto de autonomia do BC como prioridade no Senado, apesar de uma proposta de autoria do próprio Executivo tramitar na Câmara. Nesta semana, quando o Senado fez sessões presenciais para votar indicações do presidente Jair Bolsonaro, o governo tentou desengavetar o projeto de autonomia e aproveitar a agenda para a votação.
Recriação do MDIC
Nos bastidores, a tentativa de adiar a votação que dá autonomia ao Banco Central foi vista como estratégia para recriar o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), hoje área vinculada ao Ministério da Economia. A autonomia faria o presidente do BC perder o status de ministro, abrindo margem para o presidente Jair Bolsonaro recriar uma pasta, distribuir cargos ao Centrão e dizer que não estaria aumentando a quantidade de ministérios na Esplanada.
“O projeto faz parte de uma pauta econômica forte que o governo vem negociando com a oposição. Toda matéria que demora muito chega a um momento em que fica madura”, disse o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). Ele reconheceu que há demanda para recriar o antigo MIDC, mas pontuou que o Planalto não está condicionando uma coisa a outra. "Dar autonomia ao BC só para isso não é o ponto central." Na Câmara existe outra proposta de autonomia do BC, sob a relatoria do deputado federal Celso Maldaner (MDB-SC) e patrocínio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Uma diferença fundamental do projeto da Câmara é que ele prevê apenas dois objetivos para o BC: estabilidade de preços e estabilidade financeira. Tanto o projeto da Câmara quanto o do Senado preveem mandatos fixos para os diretores do BC, com regras específicas.
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