A interferência do período eleitoral no calendário de votações do Congresso Nacional acendeu a luz amarela no governo e no próprio Legislativo para o acúmulo de propostas essenciais para destravar recursos do Orçamento deste ano e garantir a sustentabilidade fiscal do País em 2021. Levantamento do Estadão/Broadcast aponta que R$ 26,5 bilhões em remanejamentos entre órgãos e ministérios ainda em 2020 estão emperrados aguardando votação, incluindo o dinheiro para as obras do chamado Plano Pró-Brasil de investimentos.
A lista de pendências conta ainda com a PEC emergencial, que acionará gatilhos de contenção de despesas e deve criar o novo programa social do governo, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021 e o próprio Orçamento do ano que vem. A votação da LDO é considerada um ponto crítico, uma vez que, sem ela, o governo não terá base legal para gastar um centavo sequer a partir de janeiro.
Em entrevista ao Estadão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu um acordo com o governo para a definição de um cronograma de projetos para serem votados logo após as eleições municipais para garantir "tranquilidade fiscal" para os próximos dois anos. Para ele, por exemplo, a votação da PEC emergencial pode ser concluída até o dia 15 de janeiro.
Há também o veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação da desoneração da folha de pagamento a 17 setores por mais um ano, que tende a ser derrubado pelos parlamentares. Há a expectativa de que a votação ocorra em sessão conjunta do Congresso agendada para o dia 4 de novembro.
A preocupação agora é se haverá tempo hábil para dar conta de todos os projetos. Nas contas de fontes do governo, há seis semanas “úteis” até o fim do ano, contabilizando a atual, já que o período será marcado por semanas de “recesso branco” para que os parlamentares possam retornar às suas bases às vésperas das eleições municipais.
Esta semana, porém, está dominada por sabatinas dos indicados do Planalto a ministro do STF, o desembargador Kassio Nunes Marques, a ministro do TCU, Jorge Oliveira (já aprovado), e a diversos postos em agências reguladoras.
O mais provável, na avaliação de negociadores do governo, é que haja um esforço concentrado nas duas primeiras semanas de dezembro, logo após o segundo turno das eleições municipais. Lideranças já brincam que “será preciso o dom da onipresença” para dar conta de tudo.
Prioridades
Na escala de prioridades de quem admite que o tempo é exíguo, a LDO é “mil vezes mais importante” que o Orçamento, uma vez que é ela que garante uma execução provisória de gastos para o caso de o Congresso virar o ano sem aprovar a lei orçamentária. Ela precisa ser votada na Comissão Mista de Orçamento (CMO), que sequer foi instalada e virou palco de uma queda de braço política entre dois candidatos à presidência do colegiado, e depois em sessão conjunta do Congresso.
A decisão de instalação da CMO cabe ao presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) – que foi alvo na semana passada de uma alfinetada do ministro da Economia, Paulo Guedes. “O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, está um pouco ocupado com a reeleição dele para o Senado, mas ele tem algum tempo livre”, disparou Guedes em conversa com o mercado financeiro.
A PEC emergencial também é tida como essencial, pois vai permitir o acionamento de gatilhos para segurar despesas e abrir espaço ao Renda Cidadã, que substituirá o Bolsa Família. O texto da proposta está atualmente no Senado e ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados.
No caso dos projetos de lei do Congresso Nacional (PLNs), eles podem ser votados diretamente no plenário do Congresso, em sessão conjunta, mas fontes dos próprios ministérios que seriam beneficiados pelos remanejamentos de recursos em 2020 admitem que o dinheiro pode nunca chegar. O fato de o crédito ficar “pendurado”, no entanto, cria um impasse. Ao pedir para o Legislativo tirar o recurso de um lugar e mandar para outro, a equipe econômica faz o bloqueio da dotação original para evitar que o órgão saia gastando um dinheiro que pode vir a ter outro dono. Ou seja, ninguém gasta o que tinha e ninguém leva o direito de gastar.
Há ainda o caso do PLN 18, que muda a LDO deste ano para facilitar o pagamento do acordo da União com os Estados em torno dos repasses da Lei Kandir, que desonerou exportações do pagamento de ICMS. Pelo acerto, os Estados receberão R$ 65,6 bilhões até 2037. Sem essa alteração, o governo precisaria compensar o gasto com o repasse via aumento de tributos. A proposta foi enviada em julho, mas até agora não foi apreciada. O Congresso tampouco votou um projeto de lei complementar que regulamentará o acordo em si – outro passo necessário para que haja o pagamento aos Estados.
Em paralelo, o Senado elaborou uma lista de projetos considerados prioritários até o fim do ano, que inclui marco legal do gás, nova Lei de Falências, marco legal das ferrovias, autonomia do Banco Central, nova Lei de Licitações, alteração do regime de partilha de produção de petróleo e gás e marco legal do setor elétrico, além da proposta de criação do Renda Cidadã.
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), disse que a solução “é votar”, com os parlamentares estão fazendo no caso das indicações do Planalto ao STF e TCU e outros projetos pautados para apreciação ainda esta semana. Sobre o impasse na CMO, o líder disse que a expectativa é chegar a um acordo “a qualquer momento” para que a comissão seja instalada. Ele reconheceu que há risco de a LDO 2021 não ser votada este ano, mas ao mesmo tempo classificou essa hipótese de “pouco provável”.
Procurado, o Ministério da Economia não quis se manifestar. A Secretaria de Governo, responsável pela articulação política, não respondeu.
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