O Ministério da Economia estuda transformar a Receita Federal numa autarquia em modelo parecido com o das agências reguladoras. A ideia já era discutida internamente, mas ganhou status de prioridade pela necessidade que o governo vê de “blindar” o órgão diante do avanço de iniciativas no Congresso e no Judiciário contra o que tem sido tratado como atuação política de auditores.
Ao mesmo tempo, a medida é vista pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, como uma forma de abrir espaço para que pessoas de fora da carreira possam integrar a direção. O discurso oficial será de que é preciso “oxigenar” o órgão. O diagnóstico no governo é de que o Fisco hoje é um organismo fechado e corporativista. Os auditores, porém, veem nessa abertura risco para o trabalho de investigação do órgão.
As principais reclamações contra a Receita têm como pano de fundo vazamentos de informações de contribuintes, acesso a dados de autoridades – incluindo o presidente Jair Bolsonaro e seus familiares –, e embate entre os Poderes.
No início do mês, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou o afastamento de servidores e a suspensão de procedimentos investigatórios envolvendo 133 contribuintes na mira do órgão por indícios de irregularidades. A apuração da Receita incluiu, como revelado pelo Estado, os nomes das mulheres dos ministro do Supremo Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Nesta segunda-feira, 12, Gilmar voltou a criticar o fato de ter sido alvo do órgão. “Essa gente, na verdade, estava compondo uma organização para cometer crimes, e não para combater crimes. Isso desperta uma série de suspeitas”, disse ele a jornalistas, após participar de evento no Superior Tribunal de Justiça.
A orientação do ministro Paulo Guedes, segundo apurou o Estado, é para que os “conflitos institucionais” sejam resolvidos por meio de uma mudança estrutural na Receita. Os estudos, ainda não finalizados, vêm no rastro da decisão de migrar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de combate à lavagem de dinheiro, para o Banco Central. Ao comentar a mudança, Bolsonaro afirmou que o objetivo era acabar com o “jogo político”.
O modelo para a Receita, em análise pelas equipes técnicas, seria parecido com o da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sob a forma de autarquia de regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde. As indicações para o comando teriam de ser aprovadas pelo Senado.
Pela proposta em gestação, a Receita ficaria vinculada ao Ministério da Economia, mas teria autonomia financeira. Com a mudança, que precisa de aprovação do Congresso, o comando do Fisco poderia ter mandato fixo, como ocorre nas agências reguladoras. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) também poderia ficar dentro da nova autarquia.
Do ponto de vista administrativo, a transformação da Receita em autarquia garantiria mais liberdade de gestão ao órgão, que hoje é refém dos contingenciamentos. Neste ano, a direção do Fisco prevê o “desligamento” de vários sistemas caso não haja a liberação de R$ 300 mil.
Crise
A avaliação da área econômica é de que a crise na Receita é grave, está numa escalada crescente e precisa ser contida com uma solução técnica de fortalecimento institucional do órgão, que tem mais de 30 mil servidores. A corregedoria apura os vazamentos irregulares, mas o comando do Ministério da Economia ainda trata como casos isolados, uma vez que não identificou ação orquestrada.
Segundo uma fonte da equipe econômica envolvida nos estudos, que falou na condição de anonimato, com a mudança, a Receita teria autonomia administrativa e orçamentária, mas teria de se abrir mais para a sociedade, permitindo que pessoas de fora do órgão também possam ter acesso a cargos de comando. Pelas regras atuais, apenas o secretário especial pode ser de fora do órgão.
A iniciativa ocorre após a direção da Receita determinar, em maio, que a atuação do órgão se restrinja a crimes tributários. A orientação foi para que auditores não “avancem a linha”, usando as fiscalizações para investigações policiais. Para tentar contornar o constrangimento após procedimentos abertos envolvendo autoridades, Guedes se reúne hoje com o ministro Bruno Dantas, do TCU.
No Congresso, uma emenda incluída na medida provisória da reforma administrativa previa restrição às investigações conduzidas pela Receita e ao compartilhamento de informações com órgãos como o Ministério Público. Após protestos de integrantes da Lava Jato e do próprio Fisco, a proposta, que era encampada por parlamentares do Centrão, foi retirada.
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite de ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a medida. “A gente tem que tomar cuidado para não tratar o que é correto de forma incorreta”, disse. “A Receita passou a ser muito poderosa. A mesma estrutura regula, fiscaliza, arrecada e julga”, disse.
Órgão nega perseguição a ministro do TCU
A Receita Federal divulgou nesta segunda-feira, 12, nota para negar que pedido feito ao ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, para comprovar despesas médicas declaradas em seu Imposto de Renda, tenha o objetivo de constrangê-lo.
Na semana passada, o ministro vinculou a intimação do órgão ao fato de ter relatado processo no qual pediu o corte do bônus de eficiência de R$ 3 mil concedido aos auditores. Segundo Dantas, a medida do Fisco foi uma tentativa de intimidá-lo.
A Receita afirmou que o ministro não está sob fiscalização e o pedido de informações mira o profissional médico que recebeu o pagamento – este sob escrutínio do órgão. O mesmo pedido foi direcionado a outras 56 pessoas físicas e se refere a pagamento de serviços médicos a determinado profissional, que se encontra sob procedimento de fiscalização.
“Lamenta-se que o pedido de informações tenha causado ‘perplexidade’ ao ministro, mas, como dito, trata-se de um procedimento comum de circularização de informações durante o procedimento de auditoria”, afirma o comunicado.
Ainda segundo a Receita, o procedimento existe porque, para qualquer eventual cobrança de tributos sobre rendimentos não declarados pelo profissional médico, é preciso obter provas “que necessariamente são obtidas junto a terceiros”.
Como mostrou o Estado, Dantas classificou a ação como uma tentativa de intimidação feita por “marginais que se instalaram nos subterrâneos do órgão”. O ministro foi convocado a prestar esclarecimentos sobre despesas médicas de R$ 13,2 mil, declaradas no IR de 2015/2016.
Além de relatar o processo que contrariou auditores, Dantas determinou que o Fisco apresente uma lista com todas as autoridades dos três Poderes, seus cônjuges e dependentes que foram investigadas pelo órgão nos últimos cinco anos. A lista também inclui os nomes dos auditores que participaram das investigações, com números, datas e fundamentação de cada procedimento.
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