A nova versão da reforma da Previdência reúne a visão de uma grande maioria no Congresso Nacional sobre o que é possível ser aprovado, diz ao Estadão/Broadcast o relator da proposta, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP). Ele conta ter abdicado inclusive de convicções próprias em favor da construção de um texto com apoio suficiente das lideranças. “Se existe uma barreira entre o possível e o impossível, eu fui até o limite”, afirma. “Não vou impor uma solução e destruir a reforma”, avisa.
O relator concedeu entrevista antes das declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, criticando o parecer. Procurado novamente após a repercussão da fala do ministro, ele não quis comentar. À noite, no Twitter, Moreira afirmou que seu papel é "construir consensos, não alimentar intrigas".
- Foto: Paulo Guereta/ Agência O Dia/ Estadão ConteúdoSamuel Moreira
O que ainda pode gerar resistência?
O relatório representa um conjunto de uma grande maioria. O que dá peso para o relatório é que eu conversei muito com os líderes e deputados que formam a maioria, que são os deputados de centro e de direita. Alguns pontos acabam atendendo ao conjunto todo da Câmara. A articulação do governo é muito pequena. É uma construção para manter a aprovação de uma reforma. O relatório mantém a estrutura central, a idade mínima.
Alguns pontos foram criticados.
Tem dois princípios que eu procurei manter desde o início, meta fiscal robusta e justiça social. Eu posso garantir que preservei totalmente a população de baixa renda. Tem um artigo na Constituição que diz o que é baixa renda. É exatamente o valor que eu coloquei no relatório (para o abono salarial, de R$ 1.364,43).
Críticos viram forte aceno para a camada privilegiada com a nova transição para os servidor.
Eu mantive a regra para todos. Procurei preservar aqueles do INSS que estavam a dois anos e meio (da aposentadoria), fora do processo de regra de pedágio. Tem um ganho com isso. Eu não tirei nenhuma regra. Eu coloquei uma regra e procurei fazer justiça social. Quero que a proposta passe. Que ela mantenha um equilíbrio do ponto de vista fiscal, para dar uma consistência melhor ao sistema de Previdência. Isso que eu procurei buscar.
A taxação dos bancos é uma bandeira contra os privilégios?
Eu não construí nada contra ninguém. Achei que algumas partes podem contribuir um pouco mais. Busquei uma meta de R$ 1 trilhão. Eu não criei uma novidade para os bancos. A taxação já existia até 2018 (em 2019 a alíquota caiu de 20% para 15%). Retomei porque percebo que os bancos podem contribuir mais. Eles aumentaram os seus ganhos. Sinto que nesse momento eles podem contribuir. Tudo isso acreditando que o equilíbrio nas contas cria um ambiente melhor e as coisas vão melhorar, inclusive, para eles.
Qual será a estratégia daqui para frente?
Eu vou defender o relatório. Ele está consistente e abrange bem as expectativas. Todo mundo acha que tem que fazer, mas cada um tem a sua reforma. Eu abri mão de várias convicções minhas.
Quais?
Abri mão da capitalização (modelo em que as contribuições vão para uma conta, que banca os benefícios no futuro), que eu era a favor com alterações no texto. Eu achava que tinha que incluir a contribuição patronal, que tinha que ter garantia de salário mínimo, mas eu queria autorizar o sistema de capitalização. Eu tenho filhos novos que gostaria que entrassem no sistema individual, que poderia criar um sistema de educação previdenciária importante, que não temos. Mas eu tenho que expressar o conjunto das forças do Parlamento, que, nitidamente, não eram só os deputados da esquerda. Há muita divisão no centro sobre essa matéria. Outra coisa que eu abri mão foi de Estados e municípios. Quanta gente do centro estava contra...
Estados e municípios podem entrar na reforma ainda na comissão especial?
Depende dos líderes. Não vou impor uma solução e destruir uma reforma da Previdência por conta das minhas convicções. As pessoas não vivem a Câmara, essa pulverização partidária que existe. Construir entendimentos é conversar e procurar construir a maioria, de maneira republicana.
Como construir a volta dos Estados e municípios?
O líder de todo esse processo, que tem sido o grande interlocutor dessa negociação, é o Rodrigo Maia. Ele está conversando. O que há é um desejo de que todos os governadores venham para o processo. À medida que alguns não vêm, cria-se um ambiente de divisão na classe política.
Mas os governadores da oposição vão vir para a reforma?
Eles podem vir agora porque os pleitos que eles fizeram foram atendidos. Vamos ver quais são as pretensões reais do PT e da esquerda. Eles dizem que precisa de uma reforma. Eu vi uma entrevista do Jaques Wagner (senador do PT e ex-governador da Bahia). Ele falou (contrário) da capitalização, do BPC, aposentadoria rural e desconstitucionalização. A agenda dos governadores que não estão apoiando a reforma foram atendidas. Não que tenham sido atendidas porque eles pediriam, mas porque coincidiram com as reivindicações dos líderes aqui da Casa. As condições estão todas criadas. Todo esforço está sendo feito para ter uma unidade nacional em torno da reforma. Por isso, ela não está sendo o desejo total do governo, do relator, da direita e nem da esquerda.
O presidente Maia disse que o sr. chegou no limite com o parecer.
Se tem uma barreira entre o possível e o impossível, eu fui até ao limite. Eu fui no que era possível. Vai ficar desse jeito? Não, tem destaque, exclusão, discussão... A capitalização é um processo que nesse momento gerava muita discussão no campo do centro. A esquerda não queria de jeito nenhum. No campo do centro, havia uma divisão enorme porque as coisas não estavam claras. O governo está começando. Nada impede o governo enviar depois o pedido para criar o sistema, para que seja debatido na Casa com mais tempo e com debate mais exclusivo e não contaminado. É um tema que já estava contaminando a tramitação da reforma.
O relatório fica como está ou ainda haverá negociação?
Eu tenho direito a um voto complementar. Se eu vou usar ou não depende das contribuições que eu receber dos deputados, dos líderes, do diálogo que vamos ter. A Câmara fez um trabalho extraordinário, a comissão, os debates, as audiências, o presidente da Casa, os líderes da maioria. Os líderes desse grupo da maioria fizeram trabalho importante, a gente consolidou o apoio necessário. E nós construímos esse relatório para criar as condições de avançar.
Integrantes do Centrão projetam desidratação adicional de R$ 150 bilhões. Como o sr. vê?
Acho que o ideal é entregar algo robusto do ponto de vista fiscal para a sociedade, criar as condições para o governo fazer suas medidas. Eu não sou do governo, tenho o meu partido, sei o nosso lugar, perdemos a eleição. Agora, essa agenda da reforma é do nosso partido. Nós vamos contribuir.
Por que o sr. decidiu pôr fim aos repasses do FAT ao BNDES?
A Constituição foi feita 30 anos atrás, não se tinha problema com a Previdência. Essa medida ajuda as contas da Previdência, ela diminui o aporte do Tesouro (no FAT). Eu não estou tirando nada do BNDES, estou devolvendo esse dinheiro a quem é de direito, o trabalhador. O patrimônio, isso é importante, está preservado. A gente não quer mexer no estoque. O fluxo não tem sentido (manter com o banco), porque o governo tem que pôr dinheiro na Previdência. Tem uma discussão se é dinheiro novo ou não. Para a Previdência é. O BNDES precisa desmamar desse recurso.
Há condição de aprovar na Câmara antes do recesso de julho?
Se os governadores de oposição ajudarem nessa reforma e construir um ambiente melhor na oposição, acho que... É um encontro difícil. Por isso essa construção toda. Não é um processo simples, é de muita construção de entendimento e de manutenção de maioria. Quem consolida isso hoje são esses líderes e os deputados que atuam no centro e à direita. É isso que está construindo essa grande maioria. Agora, é preciso consolidar cada vez mais. Sinto que todos querem uma reforma, então acho que o projeto não está tão ruim assim para a oposição.
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