O crescimento de apenas 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB, valor de todos os bens e serviços produzidos na economia) em 2019, informado nesta quarta-feira, 4, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), frustrou, pelo segundo ano consecutivo, as expectativas de uma retomada mais firme da atividade econômica. O padrão se repetiu em vários anos desta década. Entre os economistas, já há quem chame os anos 2010 de “década frustrada”. O movimento tende a se repetir este ano, com os efeitos do surto do novo coronavírus como vilão da frustração.
Em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, a economia cresceu menos da metade do que projetavam analistas e economistas na primeira semana do ano passado - as projeções apontavam um crescimento de 2,53%, conforme as estimativas coletadas pelo Banco Central (BC) no Boletim Focus. O mesmo ocorreu em 2018. As projeções começaram o ano apontando para crescimento de 2,69%, mas o PIB acabou avançando apenas 1,32%.
No ano passado, a expectativa era de uma aceleração da economia no último trimestre, mas os resultados acabaram ficando abaixo do esperado. No acumulado do ano, todos os setores tiveram crescimento baixo: a indústria cresceu apenas 0,5%, os serviços tiveram alta de 1,3% e a agropecuária também subiu 1,3%. O consumo das famílias aumentou 1,8%, enquanto o consumo do governo caiu 0,4%. A taxa de investimentos (formação bruta de capital fixo) subiu 2,2%. Em valores correntes, o PIB total somou R$ 7,3 trilhões.
“Ano após ano, com exceção de 2017, a gente frustrou o que se esperava para o crescimento brasileiro. É uma frustração em sequência”, afirmou o economista Ricardo Barboza, professor colaborador do Coppead, instituto de pós-graduação em administração da UFRJ.
Em 2017, as projeções compiladas pelo BC apontavam para um crescimento de 0,5% na primeira semana do ano, mas a economia acabou avançando 1,32%, mais do dobro do esperado inicialmente. Em todos os outros anos desde 2011, o desempenho efetivo do PIB ficou abaixo do que apontavam as projeções na primeira semana de cada ano.
Barboza fez um estudo mais amplo, considerando não apenas a projeção para um ano, mas para os quatro anos seguintes. O quadro de frustração fica ainda mais claro. No início de 2012, por exemplo, as projeções apontavam para crescimento de 3,30% naquele ano, 4,25% em 2013, 4,50% em 2014 e 2015. Na realidade, o PIB teve as seguintes variações: 1,92% (2012), 3,0% (2013), 0,5% (2014) e -3,55% (2015).
Segundo Barboza, embora algumas projeções possam ser feitas com pouco embasamento, mais na base da “torcida”, a metodologia para o cálculo das estimativas, com uso de modelos matemáticos ou cenários, é uma “tecnologia comum”, muito difundida entre economistas - além disso, séries estatísticas recentes e a falta de estabilidade na economia tornam o trabalho de projetar mais impreciso.
A frustração das expectativas estaria mais associada a uma “falta de pragmatismo” na condução da política econômica do que a um excesso de erros por parte dos economistas. Essa “falta de pragmatismo” estaria associada à insistência em adotar políticas de estímulo à demanda, na primeira metade da década de 2010, quando havia sinais de que a economia estava aquecida demais, e à adoção do receituário oposto, com o foco exclusivo em reformas de longo prazo, sem qualquer apoio à demanda, quando há sinais de excesso de ociosidade na economia, de 2016 para cá.
O professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro chama a atenção para a imprecisão dessas projeções. São “palpites informados”, na avaliação do professor, que vê movimentos estruturais - como a desindustrialização, a derrubada dos investimentos e a longa duração do elevado desemprego - por trás do baixo crescimento desde que o Brasil saiu da recessão, em 2017.
Gustavo Arruda, economista-chefe do banco BNP Paribas, vê uma dificuldade adicional para as projeções nos últimos anos, relacionada a uma mudança no modelo econômico do País. Durante décadas, a economia brasileira teve o setor público, via gastos dos governos ou expansão de bancos públicos e empresas estatais, como motor do crescimento. Segundo o economista, como era insustentável, esse modelo está sendo substituído por outro, com crescimento puxado via setor privado.
O que as pessoas não estavam esperando é que essa mudança não é de uma hora para outra”, afirmou Arruda, acrescentando que, além de demorada, a transição de modelo econômico também beneficia determinados setores e regiões, em detrimento de outros. Um estudo do BNP Paribas sugere que, em regiões do País com menor peso do setor público, como em São Paulo e nas regiões Sul e Centro-Oeste, a economia já está crescendo na casa de 2,5% ao ano, mais próximo do ritmo indicado nas projeções.
Segundo Arruda, se, por um lado, a transição entre os modelos leva a um menor crescimento econômico no curto prazo, no longo prazo, a economia deverá se sair melhor. Tanto que, após revisar a projeção de crescimento para 2020 de 2,0% para 1,5%, em função dos impactos negativos do surto do novo coronavírus, o BNP Paribas manteve a estimativa de que o PIB brasileiro poderá avançar 3,0% em 2021, quando, além dos avanços no modelo econômico, os efeitos dos juros baixos sobre a alta do consumo e dos investimentos serão maiores.
“É frustrante você esperar 2,5% e acabar crescendo 1,1%, mas temos um desempenho mais sustentável na economia: não estamos dependendo de setor externo, de governo, mas temos um crescimento puxado por um setor interno privado”, afirmou o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal.
Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), chamou atenção ainda para fato de que, além de lenta, a saída da economia da recessão a partir de 2017 tem sido desigual. Assim, determinados setores e regiões do País têm crescido mais, enquanto outros avançam menos. Entre os diferentes componentes do PIB, o consumo das famílias tem sido, consistentemente, o motor do crescimento, ainda que a um ritmo lento, enquanto os investimentos patinam.
“O normal seria uma recuperação mais homogênea, entre setores e regiões. A grande característica da atual saída de recessão é que ela é lenta e desigual”, afirmou Matos, completando que essa característica dificulta o trabalho de fazer as projeções econômicas.
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