Mesmo com a criação de um comitê nacional de combate à pandemia de covid-19 – colegiado sob coordenação do presidente Jair Bolsonaro –, governadores sustentam que ainda não conseguiram abrir um canal de diálogo com o governo federal. Sem interlocução e em constante embate com o Palácio do Planalto, Estados acionaram organismos internacionais e estabeleceram estratégia própria para comprar vacinas e promover o intercâmbio de insumos.
Em decisão articulada no Fórum dos Governadores e sem aval do Planalto, os consórcios de governadores do Norte e Nordeste enviaram cartas ao diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, e à diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Carissa Etienne, pedindo a revisão dos critérios usados para distribuição de vacinas do Covax Facility.
O Covax Facility é uma iniciativa da OMS, da Coalizão para Promoção de Inovações em prol da Preparação para Epidemias e da Aliança Mundial para Vacinas e Imunização, em parceira com a Unicef. O objetivo do consórcio global é acelerar o desenvolvimento e a fabricação de vacinas contra a covid-19 e garantir acesso igualitário à imunização. A entrega dos imunizantes ao Brasil ficou a cargo do Fundo Rotatório da Opas.
Em outra frente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), enviou um ofício ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, no qual afirma que o Brasil vive uma situação “dramática” em relação à pandemia e solicita a antecipação da entrega de vacinas da Covax Facility. Nenhuma das iniciativas teve participação do governo federal.
Os governadores integraram ainda seus secretários de comunicação para que eles formulem campanhas com uma narrativa unificada em defesa do distanciamento social e do uso de máscaras. No plano político, medidas como a imunização prioritária de professores e policiais também foram debatidas no grupo de WhatsApp do Fórum de Governadores.
‘Burocracia’. Na mais recente reunião dos chefes dos Executivos estaduais com Pacheco, semana passada, foi sugerida ao presidente do Senado a criação de um outro comitê, independente do Planalto e que tenha a participação de Fiocruz, Butantan, prefeitos, secretários de Saúde e governadores. A demanda, porém, não avançou. Pacheco integra o comitê nacional, junto com o presidente Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).
Para o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), Pacheco “tem demonstrado boa interlocução com os governos estaduais”, mas “é preciso agir com mais velocidade”. Por outro lado, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), afirmou que a estrutura do comitê – com o senador no papel de “intermediário” – criou uma “burocracia a mais” que pode desgastar o presidente do Senado. “Esse é um comitê federal, não nacional. Sem prefeitos e governadores, a iniciativa nasceu deformada”, disse Casagrande.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), que foi eleito na onda do bolsonarismo e hoje mudou o tom em relação ao presidente, também reclama da falta de diálogo com o governo federal, mesmo após a criação do comitê. “Infelizmente, o presidente da República designa outra autoridade como interlocutor desse processo porque não consegue dialogar com os governadores nem liderar o combate à pandemia de forma responsável. Lamentamos muito essa postura”, afirmou Leite ao Estadão.
O governador gaúcho faz coro com a maioria dos colegas e avalia como negativa a atuação de Bolsonaro, mesmo após o presidente ter adotado um novo discurso em relação à pandemia. “O presidente não apenas se omite como lidera na direção contrária, confronta e confunde, indo na contramão das recomendações importantes para a proteção das pessoas e a redução da circulação do vírus. Despreza os cuidados sanitários”, declarou Leite.
O governador paulista, João Doria (PSDB), segue na mesma linha. “O comitê já nasce atrasado e desprovido de representatividade. Após um ano da maior crise sanitária da história do País, o comitê não contempla secretários estaduais de Saúde, não conta com prefeitos e apresenta poucos resultados práticos. A medida é necessária e urgente, mas precisa contar com atores importantes, que colocam em prática as medidas que buscam atenuar a pandemia. A busca desse comitê deveria ser incansavelmente por vacinas.”
Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, foi cauteloso no início, ao comentar a criação do comitê, mas agora vê um “ódio pessoal” de Bolsonaro em relação a governadores. “Se havia alguma expectativa de ponderação e bom senso, ela se dissipou.”
Divergências na primeira reunião
O presidente Jair Bolsonaro assinou, em 25 de março, o decreto que formalizou a criação do Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento da Pandemia da Covid-19. O órgão é coordenado por ele e tem como integrantes os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), além de um observador indicado pelo Conselho Nacional de Justiça. Na primeira reunião do comitê, semana passada, Pacheco, Lira e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, defenderam o uso da máscara e o distanciamento social.
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