FOLHA DE S. PAULO:
Enquanto o Brasil assistia às irmãs Ruth e Raquel na novela "Mulheres de Areia" (Globo), Renato Russo (1960-1996) desabafava em seu diário:"Fiquei muito mais violento e prepotente do que já sou; me achava um gênio incompreendido e, ao procurar amor comprando sexo, percebo que não tinha autorrespeito algum, chegando a "brincar" com sadomasoquismo e role-playing. De bicha proustiana passei a bicha pasoliniana (à la "Salò ou os 120 Dias de Sodoma")".
O líder da Legião Urbana não acompanhou a estreia de "TV Colosso" na Globo, a posse de Darcy Ribeiro (1922-1997) na Academia Brasileira de Letras ou o plebiscito que derrotou o parlamentarismo no país.
Quando tudo isso se passou, entre abril e maio de 1993, Russo encarava o programa de 29 dias da Vila Serena, clínica carioca que diz oferecer "uma abordagem humanística, não medicamentosa, baseada nos 12 Passos de Alcoólicos e Narcóticos Anônimos". Tinha no histórico vícios como álcool, Valium, cocaína e heroína.
Ficou mais tempo do que o recomendado (de 6/4 a pelo menos 13/5), e seus escritos sobre a temporada viraram o livro "Só Por Hoje e Para Sempre" (Companhia das Letras).
Como parte do tratamento, Russo escrevia. Sobre tudo. Num exercício literário, confessa que quase teve três overdoses –uma delas em casa, no Rio, onde passara o dia a base de iogurte, bebida e drogas.
ANAFILÁTICO
Filho de Russo com uma fã morta em 1989 num acidente de carro, Giuliano Manfredini, 26, lembra de visitar o pai na clínica (por onde já passaram artistas como Vanusa) e se divertir com um sino no local.
"O trecho que mais me impressionou fala sobre o choque anafilático que sofri numa visita a ele no Rio", diz ele, criado pelos avós. No diário, seu pai, fora da clínica, conta ter "cheirado demais" uma "heroína branca, tailandesa", no mesmo dia em que Giuliano quase morreu com uma medicação para ouvido inflamado.
Russo entulha folhas com paixões não correspondidas. Pelo guitarrista Dado Villa-Lobos, por exemplo, afirma nutrir um "amor platônico".
Relata que Fernanda, mulher do colega e ex-empresária da Legião (1984-87), achava que ele estava interessado em seu marido. Irônico, porque só aí passou a "perceber Dado com outros olhos", diz.
"Dado é uma das pessoas mais admiráveis que já conheci. Um raro exemplo de beleza física aliada a sex appeal."
"Surpreso", Dado diz à Folha que trataria do assunto em sua terapia. "Renato me chamava de "hétero terminal"."
Um rapaz identificado como "F.J." também mexeu com ele. Na infância e na juventude, uniam-se em "pequenas brincadeiras sexuais". "Passei à obsessão romântica."
Adultos, engalfinharam-se num jogo emocional –F.J. era casado e tinha filho. Russo conta que "dava dinheiro para ele comprar cocaína e esperava favores sexuais em troca".
Em Porto Alegre, o músico armou "o bote" para o modelo C., que lhe conseguia droga. Ficaram das 4h30 às 9h "insistindo em chegar a qualquer espécie de orgasmo".
É por S., contudo, que mais sofre. Russo só usa a inicial de Scott, catador de lixo de São Francisco que conheceu em Nova York quatro anos antes do diário. Suspeita-se que ele lhe transmitiu o gosto por heroína e a Aids que o mataria.
Elenca turbulências com Scott. Como num show em que dedica "Pais e Filhos", a canção sobre "amar as pessoas como se não houvesse amanhã", ao namorado –que odeia o gesto, "por ter, então, sérios problemas com sua sexualidade".
"Se ele não estivesse comigo não me sentia bem e bebia mais, por autopiedade", diz.
Para Dado, com aquele relacionamento Renato escancarava "o clichê do cara superdotado intelectualmente que se submete a um ogro". Se, para Russo, Dado era um "hétero terminal", para Dado, Scott era um "semianalfabeto terminal".
Seja como for, Russo parecia amá-lo. Diz que tentou ensiná-lo a ler com livros como "O Pequeno Príncipe". Chega a fantasiar um futuro. O casal faria filmes juntos, "como um Lennon/McCartney gay", e seria "feliz em nossa meia-idade", ao lado do filho Giuliano. "Um exemplo saudável de núcleo familiar homoerótico."
SÓ POR HOJE E PARA SEMPRE
Autor Renato Russo
Editora Companhia das Letras
Quanto R$ 34,90 (167 págs.)
LANÇAMENTO
Quando 25/7, das 14h às 19h
Onde Museu da Imagem e do Som, av. Europa, 158, tel. (11) 2117-4777
Enquanto o Brasil assistia às irmãs Ruth e Raquel na novela "Mulheres de Areia" (Globo), Renato Russo (1960-1996) desabafava em seu diário:"Fiquei muito mais violento e prepotente do que já sou; me achava um gênio incompreendido e, ao procurar amor comprando sexo, percebo que não tinha autorrespeito algum, chegando a "brincar" com sadomasoquismo e role-playing. De bicha proustiana passei a bicha pasoliniana (à la "Salò ou os 120 Dias de Sodoma")".
O líder da Legião Urbana não acompanhou a estreia de "TV Colosso" na Globo, a posse de Darcy Ribeiro (1922-1997) na Academia Brasileira de Letras ou o plebiscito que derrotou o parlamentarismo no país.
Quando tudo isso se passou, entre abril e maio de 1993, Russo encarava o programa de 29 dias da Vila Serena, clínica carioca que diz oferecer "uma abordagem humanística, não medicamentosa, baseada nos 12 Passos de Alcoólicos e Narcóticos Anônimos". Tinha no histórico vícios como álcool, Valium, cocaína e heroína.
Ficou mais tempo do que o recomendado (de 6/4 a pelo menos 13/5), e seus escritos sobre a temporada viraram o livro "Só Por Hoje e Para Sempre" (Companhia das Letras).
Como parte do tratamento, Russo escrevia. Sobre tudo. Num exercício literário, confessa que quase teve três overdoses –uma delas em casa, no Rio, onde passara o dia a base de iogurte, bebida e drogas.
ANAFILÁTICO
Filho de Russo com uma fã morta em 1989 num acidente de carro, Giuliano Manfredini, 26, lembra de visitar o pai na clínica (por onde já passaram artistas como Vanusa) e se divertir com um sino no local.
"O trecho que mais me impressionou fala sobre o choque anafilático que sofri numa visita a ele no Rio", diz ele, criado pelos avós. No diário, seu pai, fora da clínica, conta ter "cheirado demais" uma "heroína branca, tailandesa", no mesmo dia em que Giuliano quase morreu com uma medicação para ouvido inflamado.
Russo entulha folhas com paixões não correspondidas. Pelo guitarrista Dado Villa-Lobos, por exemplo, afirma nutrir um "amor platônico".
Relata que Fernanda, mulher do colega e ex-empresária da Legião (1984-87), achava que ele estava interessado em seu marido. Irônico, porque só aí passou a "perceber Dado com outros olhos", diz.
"Dado é uma das pessoas mais admiráveis que já conheci. Um raro exemplo de beleza física aliada a sex appeal."
"Surpreso", Dado diz à Folha que trataria do assunto em sua terapia. "Renato me chamava de "hétero terminal"."
Um rapaz identificado como "F.J." também mexeu com ele. Na infância e na juventude, uniam-se em "pequenas brincadeiras sexuais". "Passei à obsessão romântica."
Adultos, engalfinharam-se num jogo emocional –F.J. era casado e tinha filho. Russo conta que "dava dinheiro para ele comprar cocaína e esperava favores sexuais em troca".
Em Porto Alegre, o músico armou "o bote" para o modelo C., que lhe conseguia droga. Ficaram das 4h30 às 9h "insistindo em chegar a qualquer espécie de orgasmo".
É por S., contudo, que mais sofre. Russo só usa a inicial de Scott, catador de lixo de São Francisco que conheceu em Nova York quatro anos antes do diário. Suspeita-se que ele lhe transmitiu o gosto por heroína e a Aids que o mataria.
Elenca turbulências com Scott. Como num show em que dedica "Pais e Filhos", a canção sobre "amar as pessoas como se não houvesse amanhã", ao namorado –que odeia o gesto, "por ter, então, sérios problemas com sua sexualidade".
"Se ele não estivesse comigo não me sentia bem e bebia mais, por autopiedade", diz.
Para Dado, com aquele relacionamento Renato escancarava "o clichê do cara superdotado intelectualmente que se submete a um ogro". Se, para Russo, Dado era um "hétero terminal", para Dado, Scott era um "semianalfabeto terminal".
Seja como for, Russo parecia amá-lo. Diz que tentou ensiná-lo a ler com livros como "O Pequeno Príncipe". Chega a fantasiar um futuro. O casal faria filmes juntos, "como um Lennon/McCartney gay", e seria "feliz em nossa meia-idade", ao lado do filho Giuliano. "Um exemplo saudável de núcleo familiar homoerótico."
SÓ POR HOJE E PARA SEMPRE
Autor Renato Russo
Editora Companhia das Letras
Quanto R$ 34,90 (167 págs.)
LANÇAMENTO
Quando 25/7, das 14h às 19h
Onde Museu da Imagem e do Som, av. Europa, 158, tel. (11) 2117-4777
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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