Paulo Lages escreve carta para Fernanda como forma de diminuir a dor da ausência

"Oi Fernanda minha sempre amada e inesquecível filha. Ontem (29/03) completei 50 anos e foi um dia muito triste, não pela data, mas por eu não ter podido abraçá-la e nem ter recebido uma ligação sua me felicitando mas a realidade é que nunca poderei me acostumar, jamais filha poderei viver feliz sem você sinto-me cada vez mais fragilizado pela sua ausência na minha vida. A água das chuvas provocam erosão em córregos por onde passa. O meu coração está sendo consumido pelas lágrimas que saem de mim".


Foi assim, dominado pelo sofrimento que só mesmo um pai em sua situação pode avaliar, que o agropecuarista Paulo Lages iniciou, dentro do quarto da filha, um dos sete do casarão em que toda a família mora na rua Taumaturgo de Azevedo, no centro da cidade de Barras (126 quilômetros ao norte do Estado) mais uma carta das muitas que já escreveu para Fernanda Lages, como uma forma de diminuir a angústia e a necessidade de tocar, sentir e ouvir as risadas ruidosas que a garota dava com frequência ao mesmo tempo que o abraçava.


No final de um imenso corredor da casa em que Paulo Lages mora com a mulher, dona Josélia Lustosa Lages, 45 anos, o único irmão de Fernanda Umbelino Carvalho Lages Neto, de 23 anos, portador de uma síndrome rara e degenarativa, o sogro Umbelino Carvalho Lages, 68 anos, e a sogra Maria Zélia Lustosa Lages, 65 anos, do lado direito, está o quarto de Fernanda. É lá que Paulo se senta para escrever as cartas.



No ambiente do quarto predomina a alegria de Fernanda. São cerca de 20 fotografias que  mostram momentos de felicidade contagiante por um sorriso de rara beleza que se repete em cada momento retratado. Sobre a mesa de estudos, a atenção de quem entra no quarto é logo chamada por uma imagem de Nossa Senhora da Conceição com uma vela sempre acesa do lado.


As roupas que Fernanda deixou em Barras ainda estão no guarda-roupas; cadernos e livros da faculdade, também. Algumas fotografias em que ela aparece com o namorado Pablo, recebidas depois da morte por Paulo Lages, hoje estão nas paredes do quarto. Uma delas foi tirada na recepção de casamento da irmã do rapaz, que aconteceu em Fortaleza e Fernanda foi prestigiar.


Almoço de aniversário

Paulo Lages completou 50 anos na quinta-feira passada. Não houve qualquer tipo de comemoração. A sua imensa família, parte residente em Teresina, decidiu almoçar com ele no último domingo, dia 1º. Algumas das cunhadas (a mãe de Fernanda tem cinco irmãs: Ieda, Joelma, Marlene, Noeme e Valdeni) chegaram ao casarão de fachada moderna ao mesmo tempo que este repórter, às 10 horas da manhã.


Na aconchegante varanda da casa estava estacionado o Uno preto, último modelo, já liberado pela Polícia Federal, que ele havia comprado para a filha dois meses antes do fatídico 25 de agosto de 2011. O carro, adquirido na concessionária da Fiat em Teresina, foi escolhido pela própria Fernanda, que foi à loja acompanhada de um tio.


No almoço de Paulo Lages nenhuma euforia. Pelo contrário: para aquela família parecia faltar alguma coisa muito importante. Seu Umbelino, agropecuarista que produz cerca de 2 mil litros de leite por dia recorda da neta como "uma maravilha que Deus colocou no mundo". Sentado ao lado do genro, lembrou do carnaval de 2011, quando se encontrava com amigos no Mercado da cidade como ainda hoje faz todos os dias, e Fernanda chegou com um grupo de amigas, enroscou o seu pescoço com um dos braços, deu-lhe um beijo no rosto e disse: "vovô eu brinquei muito esse carnaval".


Na carta cujo inicio reproduzi acima, Paulo Lages diz ainda : "a minha vida está sendo tocada pelas recordações. Sinto falta de tudo que entre nós era vivido, até as mensagens que você mandava para meu celular, afinal, tudo que me faz lembrar de você me faz achar que hoje eu não passo de um pobre ser humano sem alma, sem vida e acima de tudo sem você, filha".



A dor da perda não permite a Paulo Lages esconder a sua dimensão e ele finaliza: "Na verdade o alento que ainda tenho é as cartas que faço para você que sinceramente com elas sinto a sua presença, sinto quando escrevo que na verdade estou falando com você filha. O seu quarto, que só deixará de ser seu quando eu for ao seu encontro, hoje é o lugar que me dá forças para continuar e os quadros com fotos e momentos lindos vividos por você. Na verdade minha vida hoje está resumida ao trabalho e está sempre ligada na sua memória. Te amo mais que a minha vida...Papai"