Imagem: Foto: ReproduçãoFernanda Lages.
Intencionalmente afastado de entrevistas desde quando a Polícia Civil apresentou seu relatório sem esclarecer a morte da estudante Fernanda Lages Veras, o advogado da família, Lucas Villa, depois de duas tentativas, concordou em receber este repórter na manhã desta segunda-feira (9) em seu escritório Cordão, Said e Villa Sociedade de Advogados, na rua Manoel Nogueira Lima, no bairro Jockey Clube para uma entrevista exclusiva que começou às 11 horas da manhã e só terminou às 14h30min.Ao quebrar o silêncio quatro meses e 15 dias depois da morte de Fernanda, Villa afirmou não ter dúvidas de que a garota foi assassinada no interior da obra do prédio que sediará o Ministério Público Federal no Piauí, na avenida João XXIII, não descartou a possibilidade do envolvimento de “gente poderosa” e admitiu que o crime pode ter sido cometido profissionais.
Lucas Villa é um jovem advogado de 29 anos, formado pela Universidade Federal do Piauí em 2005, especialista em ciências criminais, mestre em filosofia e doutorando em ciências jurídicas. Apesar da pouca idade, a bagagem profissional de Villa é vasta e inclui, além da advocacia, a atividade de professor de direito penal das faculdades FAP e Novafapi, pesquisador e autor de livros.
Como se não bastasse é um amante do Xadrez e na sua sala observa-se pelos objetos dispostos, um respeito grande pela história oriental. Duas Katanas (espadas de samurais) sobre um aparador dão a dimensão de suas incursões e interesse pela cultura do oriente.
Imagem: ReproduçãoLucas Villa
A entrevista, na íntegra:- Dr. Lucas ainda há muita gente que diz que Fernanda se matou. O que o sr. acha disso?
-Lucas Villa: As pessoas têm o direito de achar o que bem entendem, porém, felizmente o direito penal é uma ciência, portanto, não se baseia em achismos. Continuo afirmando, como o faço desde o início das investigações em torno da morte de Fernanda, que não há a menor razoabilidade em supor que a mesma tenha se suicidado. Isto por vários motivos que poderiam ser objeto de um dia inteiro de conversações, porém vale ressaltar alguns que saltam à vista: 1) Fernanda não possuía perfil suicida; 2) Foram encontrados vestígios de sangue masculino no local da morte de Fernanda, o que demonstra a existência de ao menos uma segunda pessoa no cenário; 3) A impossibilidade de Fernanda escolher local tão inusitado para praticar um ato desta natureza, vez que os suicidas são demovidos de seu intento ao menor obstáculo que encontram (o impulso suicida, segundo a psicanálise, parte do id e basta a menor resistência do meio para que o superego se reestabeleça, demovendo esta pulsão inconsciente); 4) a inexistência de motivação; 5) o comportamento normal de Fernanda durante os últimos dias de sua vida, inclusive na noite de sua morte; 6) a quantidade de ferimentos existentes em seu corpo que são incompatíveis com a queda; etc...
Esta convicção torna-se ainda maior quando analisamos o material produzido nos exames periciais e nas reconstituições, nas quais ficou comprovada a impossibilidade, pela distância em que o corpo de Fernanda foi encontrado em relação ao perfil do prédio, de que ela tivesse se posto de pé sobre o parapeito e se lançado voluntariamente, uma vez que assim o fosse, seu corpo teria sido projetado a distância bem maior. A hipótese mais razoável nos parece a de que ela tenha sido empurrada enquanto sentada no parapeito ou lançada sobre o mesmo por mais de uma pessoa.
Não é preciso, entretanto, ser um especialista para perceber o que aqui afirmamos. Toda a sociedade piauiense está convencida de que estamos diante de um homicídio e afirmar o contrário seria duvidar de forma risível da inteligência do povo do Piauí.
- E a quem pertence o perfil genético masculino encontrado no local?
- Lucas Villa: Há pelo menos dois perfis genéticos masculinos distintos encontrados em locais cruciais para a elucidação dos fatos (por exemplo, na mureta do parapeito no exato local de onde Fernanda caiu e na cordoalha que cobre o mesmo parapeito). A Polícia Civil colheu material genético de vários suspeitos e de operários que trabalhavam naquela obra, para eliminar a hipótese de que algum deles tenha se ferido no local em momento anterior ou posterior ao fato. Nenhuma das amostras colhidas conferiu com os perfis encontrados, o que deixa claro que os autores materiais do fato, ao menos os que lá deixaram amostras genéticas, não estão entre aquelas pessoas cuja saliva foi colhida pela CICO. O material genético não pertence, também, a nenhum dos operários da obra, denunciando a presença de figura estranha ao contexto no local da morte de Fernanda. Aguardamos, então, ansiosamente, da Polícia Federal, a resposta para esta questão, que é fundamental para a elucidação do crime.
- E de quem seriam esses perfis?
- Lucas Villa: Provavelmente dos autores materiais do delito, que, esperamos todos, serão anunciados pela Polícia Federal. Um fato curioso a respeito destas provas colhidas foi que a cobertura do prédio do MPF, de onde Fernanda teria sido lançada, não foi isolada pela autoridade policial quando da ocorrência do crime. Somente mais de uma semana depois do ocorrido, após o local ter sido devassado por quem assim pretendesse, o piso superior foi isolado e as amostras colhidas. Neste entretempo houve chuva, que pode ter apagado muitos vestígios, bem como poderia perfeitamente haver ação de terceiros que tivessem por objetivo ocultar provas. É até de se admirar, dado o patente profissionalismo dos executores deste delito, que estas amostras genéticas ainda tenham sido encontradas. Tivesse o local sido isolado corretamente e a perícia agido de imediato, certamente outras mais teriam sido localizadas.
- Então o sr. acredita que ela foi vítima de assassinos profissionais?
- Lucas Villa: Sim. Dada a meticulosidade do trabalho e a criação de um cenário que tenta sugerir uma possibilidade de suicídio, hoje me parece razoável crer nisto. A princípio cogitei a hipótese de um crime passional e de que o fato tivesse ocorrido no calor do momento, sem premeditação. Entretanto, depois de avançados tantos meses de investigação, tivesse este assassino agido por impulso e de inopino, certamente já teria sido localizado. O simples fato de não termos, até então, autoria identificada já denuncia um trabalho de um ou mais criminosos experientes.
- O sr. tem ideia de quem teria interesse na morte de Fernanda?
- Lucas Villa: Infelizmente, da investigação realizada pela CICO, não se pode concluir sobre a existência de quem quer que seja que pudesse desejar a morte de Fernanda. O fato de que esta motivação ainda não tenha sido encontrada, no entanto, está longe de significar que ela não exista. Esperamos que a Polícia Federal nos responda também esta questão. É óbvio que a nós, que acompanhamos o deslinde dos fatos desde o início, surgem várias suspeitas. Prefiro, porém, não conjecturá-las publicamente. Só afirmo aquilo que tenho certeza, justamente por esse motivo, em meio a este caso em que tantas coisas foram ditas e desditas, tenho a tranquilidade de dizer que não retrocedo em uma só palavra do que afirmei até então. Continuo seguindo a mesma linha e aconselhando a família de Fernanda a fazer o mesmo: não indicar nomes. A indicação dos criminosos cabe tão somente à Autoridade Policial e ao Ministério Público, titular da ação penal, quando denunciar os acusados à Justiça.
- o sr. pode explicar o episódio do carro que o sr. viu na entrada da CICO?
- Lucas Villa: Ainda no início das investigações da CICO, tomei ciência da existência de filmagens produzidas por câmeras de segurança que possibilitavam a identificação do veículo de Fernanda na Av. Frei Serafim e em suas imediações. Duas destas filmagens mostravam outro automóvel que, em um primeiro momento, passava logo após o carro de Fernanda e, em outro momento, emparelhava-se com ela na avenida. Posteriormente pude também assistir a estas filmagens. Este automóvel era um Fox de cor prata, sem nenhuma calota nas rodas e com frisos de teto para bagagem, um veículo, portanto, de descrição bem peculiar. Setores da polícia estavam muito interessados na busca deste carro, entendendo que ele poderia ser crucial para a elucidação do crime, já que parecia seguir Fernanda rumo à obra do MPF.
Certa feita, chegando à CICO para acompanhar alguns depoimentos, encontrei carro com idêntica descrição deixando aquele local. Imaginei, com muita alegria, que a polícia teria encontrado o veículo e que seu dono dali estava saindo após prestar esclarecimentos. Por via das dúvidas, entretanto, e meio que de relance, fixei a placa do automóvel. Chegando à CICO, fiquei surpreso ao saber que nenhum dos delegados conhecia o fato de que aquele automóvel, com descrição idêntica ao buscado pela polícia, se encontra ali, debaixo de nossos narizes. Repassei a placa, que, consultada, indicou como sendo de uma motocicleta de cidade do interior do Maranhão, portanto, se a placa está correta, era clonada.
Fiz pedido por escrito ao delegado que presidia o inquérito, relatando todos estes fatos e requerendo providências no que tange à localização daquele automóvel. Infelizmente, o mesmo nunca foi encontrado. Estes mesmos fatos, entretanto, já foram também narrados à Polícia Federal, de quem, agora, nos resta esperar resposta.
- E nem a moto?
- Lucas Villa: e nem a moto.
- Recordo que, ainda bem no início das investigações e antes da entradas dos promotores Ubiraci Rocha e Eliardo Cabral, o sr. já pedia a federalização das investigações. Por que?
Imagem: Manuela Coelho/GP1Promotores Ubiraci Rocha e Eliardo Cabral
- Lucas Villa: De fato, assim que comecei a tomar pé das investigações e senti em certos setores dos profissionais envolvidos no caso uma tendência à hipótese do suicídio de Fernanda, como uma forma de proteção, conversei com a família da estudante sobre a possibilidade de um pedido de federalização da investigação, caso necessário fosse. Na mesma esteira e com a intenção de demonstrar nossa indignação com relação à hipóteses do suicídio, me manifestei em vários meios de comunicação deixando clara a possibilidade de pedido de intervenção da Polícia Federal caso as investigações tomassem rumos não razoáveis. Neste sentido, e sabendo de quão fundamental seria o apoio do Ministério Público Federal para este fim, estive, junto com Paulo Lages, pai de Fernanda, e Cassandra Lages, sua madrinha, junto ao Procurador Chefe da República no Piauí, dr. Marco Túlio Caminha, naquela ocasião também acompanhado do Procurador da República Kelston Lages. Expusemos nosso receio no que tangia à possibilidade de que fosse atestado um surreal suicídio de Fernanda e pedimos o apoio o Ministério Público Federal no sentido de que, caso se tornasse necessário, fosse pedida a federalização do caso. Lembro bem que, à época, muita gente duvidou desta possibilidade. Aí está o resultado.No dia seguinte a esta visita ao Ministério Público Federal, os Procuradores da República, encabeçados pelo Procurador Chefe, dr. Marco Túlio Caminha, fizeram visita à Procuradora Geral de Justiça, dra. Zélia Saraiva, a quem transmitiram as inquietações da família de Fernanda. Desta visita resultou a nomeação dos promotores Ubiraci Rocha e Eliardo Cabral para acompanhar o feito. A entrada destes dois grandes profissionais impulsionou as investigações e foi importantíssima para que não prosperasse aquele resultado que sempre temi: um relatório final que atestasse pelo suicídio de Ferndanda.
A entrada da Polícia Federal, entretanto, se deu somente após a apresentação do relatório (que de relatório nada tinha, posto que absolutamente inconclusivo) da Polícia Civil e foi provocada por pedido dos Promotores Ubiraci Rocha e Eliardo Cabral, que encamparam árdua batalha para que esta intervenção se tornasse possível, recebendo também apoio do Ministério Público Federal no Piauí e do próprio Procurador Geral da República, em Brasília. Esta, então, é hoje a última esperança à qual nos agarramos com unhas e dentes: a de que o relatório final do Inquérito Policial em curso na Polícia Federal, presidido e tocado por profissionais de fora do Piauí, portanto sem pré-compreensões, isentos e competentes, indicie o(s) culpado(s) pela morte de Fernanda, apresentando provas de materialidade e de autoria.
- O sr. acredita na existência de forças poderosas relacionadas à morte de Fernanda?
- Lucas Villa: Não descarto, de forma alguma, esta hipótese.
- Então, por que o sr. aceitou patrocinar esta causa, que poderia ser problemática?
- Lucas Villa: Primeiro por minha total independência como advogado. Nem eu nem meu escritório temos rabo preso a ninguém. É bom lembrar que, embora eu esteja na linha de frente do caso por ter experiência e formação na área das ciências criminais, não estou sozinho: meus dois sócios, Éfren Cordão e Fernando Said, têm dado todo suporte para o trabalho que temos realizado.
Fui procurado pela família de Fernanda, que eu até então não conhecia, e me sensibilizei por sua dor. Nosso escritório entrou no caso com uma única intenção, que permanece a mesma até o presente momento: atender aos interesses de nossos constituintes, ou seja, da família de Fernanda Lages. Não estamos aqui, então, para agradar a ninguém além deles nem para tirar onda de heróis (parafraseando o velho Raul Seixas). Certa vez me perguntaram, quando do início das discussões entre Polícia Civil e Ministério Público, de que lado eu estava. Eu disse que estava do lado da família de Fernanda e que, para mim, só existiam dois lados nesse caso, sendo bem maniqueísta: o lado do bem e o lado do mal. O lado do bem, no qual nos encontramos, é aquele composto por todos que querem ver esse crime elucidado e seus culpados punidos; o lado do mal é o lado dos assassinos e de todos que porventura colaborem para a sua impunidade.
O advogado é um profissional que exerce um mister complexo, já que vive de administrar problemas alheios. Ninguém procura um advogado para dizer como está feliz, como o sol está belo e os pássaros cantando de forma singela. Quem busca o advogado quer entregar em suas mãos um problema por resolver. Aí o desafio: como o advogado tem, também, seus problemas de ordem pessoal, ele não pode trazer para si o problema do cliente como se dele fosse, pois assim sendo, não lhe seria possível viver uma vida saudável ou analisar o problema com a tranquilidade que lhe é exigida. Não pode, entretanto, tratar o problema do cliente com indiferença, como se não fosse de modo algum problema seu. A dificuldade está aí: encontrar a justa medida do distanciamento, não se envolvendo nem deixando de se envolver de forma pessoal com os casos que patrocina, para que seja capaz de importar-se, porém mantendo sempre a serenidade e racionalidade que lhe são necessárias para um trabalho reto.
Confesso que no caso de Fernanda este distanciamento, por vezes, se torna mesmo impossível. Não há como não se deixar envolver pela dor desta família, principalmente do pai de Fernanda, diante da morte violenta e cruel da filha amada, cheia de vida pela frente. Não há como não se deixar tomar por ira diante da não elucidação, até então, do caso. Não há como não se deixar tomar pelo pior de todos os sentimentos que o ser humano pode experimentar: o sentimento de absurdo diante de todo este teatro trágico que foi armado sobre o cadáver de uma jovem que não queria outra coisa senão viver. Este caso foi, provavelmente, o que mais mexeu com minhas emoções durante minha carreira e se tornou, sim, para mim, além de questão profissional, também questão pessoal e de honra: lutar até o fim e fazer tudo o que estiver ao alcance para que esse crime seja trazido à luz e o(s) culpado(s) punido(s).
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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