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Estudo encontra microplástico em pulmão humano no Brasil

O estudo comprovou presença de partículas de plástico em 13 das 20 amostras de tecido examinadas na USP.

O primeiro estudo científico brasileiro a encontrar partículas de microplástico em pulmão humano acaba de ser concluído em São Paulo e aguarda publicação, nos próximos dias, no The Journal of Hazardous Materials, revista científica da área da engenharia ambiental. A informação é do autor do estudo, engenheiro ambiental Luís Fernando Amato, que desenvolveu a pesquisa com supervisão da médica Thais Mauad, cientista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

"Pela primeira vez no Brasil constatamos a presença de microplástico em pulmão humano", afirmou Amato ao Estadão nessa quarta-feira, 19. O cientista, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo – Programa USP Cidades Globais, doutor em ciências pelo departamento de Patologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, contou que foram analisadas amostras de 20 tecidos pulmonares, das quais 13 peças continham resíduos de microplásticos. A contaminação dos pulmões ocorreu por inalação. O trabalho foi desenvolvido pelo Instituto de Química e pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP em parceria com a Faculdade de Medicina.


As análises foram feitas e concluídas ainda antes do período da pandemia obedecendo rígido controle de processo de análises em laboratório com filtros ambientais que permitem afirmar, segundo o pesquisador, que não houve contaminação externa das amostras estudadas. "O controle no processo de laboratório foi uma das preocupações da pesquisa", explicou Amato. Segundo ele, o trabalho teve filtros ambientais no laboratório, posteriormente checados e analisados, para que pudessem ser eliminadas suspeitas de eventual contaminação no processo da pesquisa.

Inédito

"O trabalho é inédito e significa um avanço científico importante para a pesquisa no Brasil", disse a médica coordenadora do estudo. O material com as conclusões de Amato já foi aceito para publicação na revista científica, confirmou a professora.

De acordo com os pesquisadores brasileiros, a conclusão de Amato sobre a contaminação pulmonar por plástico mostrou a ocorrência da inalação em ambiente caseiro. O microplástico é aquele plástico que fica se microfragmentando no meio ambiente, seja ar, água ou solo, explicou a cientista que coordenou a pesquisa. Ele está em todo lugar e vai sofrendo uma série de transformações, dependendo de condicionantes como o tempo e temperaturas, explicou Thais Mauad. "O plástico pode causar irritações nos tecidos e reações inflamatórias", apontou a cientista.

A médica alertou, no entanto, que ainda é cedo para concluir sobre eventuais ligações da presença do plástico nos pulmões com a ocorrência de doenças, como o câncer, por exemplo. "Há ainda uma dificuldade de se entender exatamente se ele tem efeitos danosos na saúde e também quais os tipos e outros efeitos no organismo", disse a professora. "Não há somente um microplástico, mas sim diversos tipos. E, também, depende da forma pela qual ele entra no organismo, se por inalação, se por ingestão. E há teorias de absorção pela pele."

Placentas

Em dezembro último, um grupo de cientistas italianos divulgou outro estudo que localizou partículas de microplástico em tecido humano. Os europeus estudaram partes da placenta. A pesquisa levantou dúvidas sobre a contaminação de tecidos humanos de proteção no desenvolvimento e da vida de um grupo de bebês. No estudo, seis placentas humanas, coletadas de mulheres com gestações fisiológicas, foram analisadas por microscopia Raman para avaliar a presença de microplásticos, diz o texto publicado em revista científica.

"No total, 12 fragmentos microplásticos (variando de 5 a 10 μm em tamanho), de formato esférico ou irregular, foram encontrados em 4 placentas (5 no lado fetal, 4 no lado materno e 3 nas membranas corioamnióticas", detalhou a pesquisa de especialistas italianos. "Todas as partículas microplásticas foram caracterizadas quanto à morfologia e composição química. Todos eles eram pigmentados. Três foram identificados como polipropileno corado, um polímero termoplástico", informou relatório dos pesquisadores europeus.

"Agora, aqui no Brasil, a pesquisa científica do Luís comprova a ocorrência de plástico inalado em pulmões e isso abre uma oportunidade para novos estudos da ciência sobre os impactos da inalação de microplásticos na saúde das pessoas", disse a médica da USP.

Animais

De acordo com a especialista da USP, a ciência já sabe, porém, por estudos em animais, que o microplástico provoca efeitos na saúde dos bichos, como os animais marinhos. "Mas por que ele faria mal para a saúde?", questionou a pesquisadora, para em seguida responder: “Primeiro, porque quando ele se quebra, ele vai expor uma série de substâncias que estão dentro do plástico, como os retardantes de chama, os fenóis, que são substâncias potencialmente tóxicas. Ele pode também ser recoberto de bactérias ou outros organismos. E a própria partícula de plástico, que, pelo tamanho, seu organismo não consegue eliminar, pode ser um fator de irritação inflamatória", afirmou. E emendou: "Em pequenos animais não há mais dúvidas a respeito disso. Tanto ele pode bloquear o intestino daquele animal, quanto há estudos que mostram que as partículas chegam ao fígado, nos rins e que induzem a respostas inflamatórias".

"Até agora a gente não sabia se os humanos estavam absorvendo. A gente ainda não tem essa resposta, nem de qual o tipo de microplástico, nem da quantidade. Mas o trabalho italiano diz que ele foi encontrado na placenta. E o trabalho pioneiro do Luís mostra que foi encontrado nos pulmões e que eles estão dentro das nossas casas", reforçou Mauad.

Tipos

De acordo com o autor do estudo, a maior parte das partículas encontradas nos pulmões examinados era de dois tipos de plásticos. "A maioria do que a gente achou é polietileno e polipropileno, dois plásticos muito consumidos que, segundo dados da União Europeia, são os mais utilizados para embalagens e consumo. Mas há outros em tamanhos muito pequenos", disse Amato. "Eles conseguem superar todas as barreiras de proteção do organismo e chegar até o pulmão", acrescentou. Os tecidos pulmonares estudados pertenciam a moradores de São Paulo, pessoas que viveram há pelo menos 10 anos na cidade.

De acordo com Luís Fernando Amato, uma das exigências científicas foi o controle da contaminação no ambiente dos exames dos tecidos. "Trabalhei em uma capela (ambiente) com sistema de ventilação adequado para que não houvesse entrada de partículas externas. A roupa que eu usei era de algodão. Não pode ser nenhum tipo de avental de material polimérico. E usamos um sistema que chamamos de 'branco processual', cujo controle é feito por meio de filtros que são analisados depois para ver se houve contaminação com partículas desde a coleta do tecido pulmonar até o final da análise", explicou. "Porque eu preciso saber se durante o trabalho caiu alguma partícula que haja no ar", ensinou

Ele contou ainda que há estudos na França, Nova Zelândia, China, Inglaterra mostrando que há partículas de microplástico em suspensão no ar tanto na rua quanto dentro de casa. "Esses filtros, depois, são também analisados para checagem de quais tipos de plásticos acumularam e também a contagem para verificarmos se houve contaminação ou não."

No estudo de Amato foram encontradas partículas de plástico de 4 mícrons (μm) e de 1,5 mícron, o que já se aproxima do tamanho da nanopartícula, a partícula menor do que 1 micron (a milésima parte do metro).

De acordo com Thais Mauad, o resultado do estudo mostrou também o equívoco do conceito de que o plástico é inerte no organismo e, por si, não causa prejuízos à saúde. Essa é uma das críticas ao trabalho de ambientalistas que sustentam haver perigo no crescente acúmulo de matéria plástica para a vida humana e animal e meio ambiente. "Plástico não é apenas carbono e hidrogênio", argumentou a cientista. Ele funciona também como um veículo de transporte de substâncias tóxicas para dentro do organismo. "Além disso, há a questão de que os macrófagos não conseguem fazer a fagocitose do material", explicou Amato. "Há uma soma de fatores. O pesadelo é um pouco maior do que a gente pensa", alertou Amato.

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