O Congresso terá controle de mais da metade dos investimentos federais neste ano, conforme o Orçamento aprovado pelos parlamentares e pendente de sanção do presidente Jair Bolsonaro. Dos R$ 52,5 bilhões reservados para execução de obras e compra de equipamentos públicos, R$ 27,2 bilhões em verbas, ou seja, 52% do total, receberam a digital dos deputados e senadores por meio das emendas parlamentares. É a primeira vez que isso ocorre. Em anos anteriores, a maior parte do dinheiro ficava nas mãos do governo.
Quando os recursos são destinados por emendas parlamentares, o governo precisa repassar o valor conforme a indicação definida pelo congressista. Não é possível, por exemplo, construir um hospital com uma emenda aprovada para pavimentação de uma rua. Além disso, o pagamento é obrigatório. A regra pressiona o Executivo em um cenário de Orçamento apertado e exigência do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. O momento da liberação é determinado pelos ministérios, o que coloca essas verbas no centro de uma articulação política em troca de apoio do Legislativo.
Bolsonaro avalia vetar parte do Orçamento para recompor despesas obrigatórias, como da Previdência Social, que foram reduzidas pelo Legislativo para turbinar as verbas de caráter eleitoral. Se isso ocorrer, o patamar de investimentos nas mãos dos parlamentares deve cair.
O diretor da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara, Wagner Primo, diz que é possível que o aumento observado em 2021 nas emendas do relator-geral do Orçamento seja revertido com o ajuste das despesas obrigatórias “Então, ao invés de R$ 52 bilhões (em investimentos) deve ficar em por volta de R$ 40 bilhões no máximo”, estima.
O Congresso aumentou o controle sobre o Orçamento gradativamente nos últimos anos. O total de investimentos federais diminuiu de R$ 82 bilhões em 2014 para R$ 52,2 bilhões em 2021, em função da crise fiscal e do teto de gastos. Os investimentos para emendas parlamentares, por outro lado, foram na contramão e dispararam de R$ 7,6 bilhões para R$ 27 bilhões nesse período.
Houve um salto significativo em 2020, após a criação das emendas de relator e comissões. Além disso, as verbas de bancadas estaduais passaram a ser impositivas há dois anos, caráter anteriormente dado apenas às emendas individuais, aquelas indicadas por cada deputado e senador.
Paralisação de obras
O Orçamento aprovado pode na prática paralisar obras de infraestrutura no País, de acordo com o economista e sócio fundador da Inter.B Consultoria, Claudio Frischtak. Ele classificou a peça orçamentária como “terrível”. “Fragmentar o Orçamento, alocando recursos de uma forma quase arbitrária, ou centralizar recursos sem fazer um cálculo realista com o mínimo de precisão de taxa social de retorno são dois erros que podem e devem ser evitados”, afirmou.
Em 2019, o Tribunal de Contas da União apontou 14 mil obras paralisadas em todo o País, 37,5% dos empreendimentos analisados pelo órgão. Os empreendimentos parados envolviam recursos na ordem de R$ 144 bilhões. “O que vai acontecer é o que o TCU constatou em 2019: dezenas de milhares de obras paralisadas porque começam e depois faltam recursos. Com esse Orçamento terrível, isso pode se repetir.”
Só de emendas de relator ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), foram colocados ao menos R$ 7,1 bilhões de última hora para ações pelo País que, por sua vez, não foram especificadas. O montante é parte dos R$ 11,5 bilhões enviados pelo relator do Orçamento, Marcio Bittar (MDB-AC), à pasta, que representam mais de um terço de todos os recursos sob direção exclusiva do senador.
Segundo o projeto aprovado pelo Congresso, R$ 4,2 bilhões das emendas de relator vão para uma ação do MDR chamada de “Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado”. No parecer de Bittar, a localidade beneficiada é genérica, colocada apenas como “nacional”, o que significa que o recurso pode ir para qualquer lugar do Brasil. O cenário se repete na escolha do relator ao direcionar R$ 2,9 bilhões ao “Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano Voltado à Implantação e Qualificação Viária”, também do MDR.
Diretor da Associação Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco alerta para o perfil “gerador de votos” desses empreendimentos. “Veja o porquê de tantas emendas para esta ação. Trata-se de uma ação com finalidades diversificadas, muito amplas e que geram votos. Em plena pandemia, é incrível que esta ação possua mais recursos do que todos os investimentos em saúde”, afirmou .
Questionado sobre as escolhas, Bittar não respondeu. A reportagem perguntou ao ministério se a pasta estipulou quais são exatamente os projetos que receberão os R$ 7,1 bilhões das duas ações citadas, mas não obteve resposta.
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