Desde o professor Darcy Ribeiro, eleito em 1982 na chapa de Leonel Brizola, o Rio vinha tendo vice-governadores com histórico político conhecido. Francisco Dornelles, Luiz Fernando Pezão, Luiz Paulo Conde e Benedita da Silva, os mais recentes, já eram figuras atuantes na política fluminense quando foram eleitos. Com Cláudio Castro, o vice de Wilson Witzel que agora vira governador após o afastamento por 180 dias do mandatário, a história é diferente. Sua atuação se deu mais nos bastidores do que sob os holofotes.
Querido pelos deputados fluminenses, Cláudio já vinha se preparando para assumir, dada a iminência do afastamento de Witzel. Já tem, por exemplo, uma composição desenhada para seu secretariado, com direito a duas pastas para indicados pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Em outra frente, o vice passou a se blindar para eventuais operações, como a de busca e apreensão que foi deflagrada hoje contra ele e outros 72 alvos, suspeitos de envolvimento nos desvios na Saúde durante a pandemia. Contratou, por exemplo, um contador, a fim de ajustar possíveis brechas nas suas declarações de renda. Cláudio já assume a cadeira do Palácio Guanabara, tida como “tóxica”, sob pressão. Depois dele, na linha sucessória, vem o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT). Ele também foi alvo de buscas e apreensões na manhã desta sexta-feira, 28.
De semblante fechado nos compromissos públicos, mas simpático ao conversar, Cláudio tem trajetória longa em outro meio: o católico. Cantor, o ‘02’ do Palácio Guanabara já lançou dois discos solo e, antes, integrava a banda Em Nome do Pai. É fácil achar vídeos - que até hoje são postados em seu canal no YouTube - nos quais o vice exibe a cantoria. Num dos clipes mais recentes, ajoelha-se diante do Cristo Redentor.
Na política, antes de compor a chapa do ex-juiz azarão, Cláudio era vereador de primeiro mandato no Rio e tinha trabalhado como chefe de gabinete na Assembleia Legislativa, a Alerj, que ainda vai tocar o processo de impeachment de Witzel. Chegou à parceria com o atual governador meio por acaso. O PSC, partido de ambos, não conseguiu compor aliança com outras legendas para a eleição, o que acabou levando à indicação de um nome interno para a função de vice. Sobrou para Cláudio. Assim como a maioria esmagadora dos moradores do Estado, o vereador não tinha ideia de que eles poderiam ser eleitos.
O cantor católico assumiu como missão, no início do governo, lidar com órgãos como o Detran, um dos mais conhecidos pelos esquemas de corrupção dos anos anteriores no Rio. O departamento de trânsito é um dos que tinha, até hoje, forte influência do Pastor Everaldo, presidente nacional do PSC. Ele foi preso na operação.
Durante a pandemia do coronavírus, Cláudio vinha coordenando um mutirão de distribuição de cestas básicas, e foi escalado para correr atrás do prejuízo político de Witzel na Alerj, por causa de sua boa interlocução com a classe política. Ou seja, ficou nas mãos do primeiro beneficiado por um eventual impeachment articular contra o impeachment. E a situação sempre foi complicada. Apesar de os pedidos de afastamento terem como base jurídica a operação Placebo, que atingiu o governador após indícios de corrupção na Saúde em plena pandemia, a tentativa de tirar Witzel do cargo também carrega forte contexto político.
A relação com a Assembleia já vinha esgarçada. Ex-secretário de Desenvolvimento Econômico e homem-forte do governador, o advogado Lucas Tristão, também preso hoje de manhã, simbolizava o que os deputados consideram o modo desrespeitoso com o qual o Executivo lidava com o Legislativo.
Cláudio foi chefe de gabinete de Márcio Pacheco (PSC), com quem também já dividiu os palcos de shows católicos. Líder do governo na Casa até pouco depois da operação Placebo, o deputado foi denunciado há dois meses no âmbito das investigações sobre “rachadinha” na Alerj, numa apuração parecida com a que atinge Flávio Bolsonaro.
Assim como Witzel, Cláudio não nasceu em terras fluminenses. É de Santos, no litoral paulista, e foi para o Rio ainda criança. Entre os que o acompanham no trabalho, é tido como conciliador. Nas agendas públicas do governador, está sempre lá, mas pouco fala.
Há uma grande preocupação, entre aliados, em evitar que ele seja acusado de traição - algo comum num país que tem história conturbada de vices. Cláudio, dizem interlocutores, jamais imaginava que poderia assumir tão cedo o governo. O horizonte mais próximo, na sua avaliação, seria a eleição de 2022, caso Witzel de fato concretizasse o desejo de concorrer à Presidência.
A abertura ao diálogo é um elogio feito por aliados de diferentes esferas, como prefeitos do interior que precisam de interlocução com o governo e também parlamentares. Ambos os grupos reclamam da dificuldade de conversar com Witzel e classificam Cláudio como uma espécie de antítese dele. “Sabe conversar e aprimorar ideias, sabe o lugar que ocupa”, comenta um prefeito, referindo-se ao fato de o governador ter se perdido no cargo. “Witzel está sendo vítima de si mesmo.”
Nessa tentativa de não parecer um traidor, há quem esteja aconselhando o vice a moderar no nível de defesa que faz do governador. Isso porque, com os supostos crimes cometidos pelo mandatário sendo provados, Cláudio pode acabar sendo pintado como alguém que defendeu um condenado pela Justiça. O próprio vice e agora interino, no entanto, vive com medo de surgir algo contra si, como possíveis irregularidades na Fundação Leão XIII, braço de assistência social do governo que fica sob sua alçada.
No curto período como vereador, o vice tinha bom trânsito entre políticos de diferentes visões ideológicas. Entre os projetos apresentados, orgulha-se do que destina 10% da arrecadação das multas de trânsito para pessoas com deficiência.
Convicto de que ele e Witzel não seriam eleitos para o governo, Cláudio caiu na gargalhada quando o resultado da apuração do pleito de 2018 começou a aparecer na televisão.
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