O Senado Federal aprovou, na noite desta terça-feira (30) o texto-base do projeto com medidas relacionadas à disseminação de conteúdo falso na internet, as chamadas "fake news'. O texto recebeu 44 votos favoráveis e 32 contrários. Os senadores precisam agora analisar os destaques, pedidos de alteração ao texto. Até o momento são nove pedidos cadastrados, mas os partidos podem retirar esses requerimentos. Depois disso, o texto será analisado pela Câmara dos Deputados.
O projeto tenta alterar a lei e implantar um marco inédito na regulamentação do uso das redes sociais, criando a chamada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O tema ganhou relevância nas eleições de 2018 e foi pautado pelo Senado neste ano de disputas municipais. Companhias do setor, porém, apontam risco de censura à livre manifestação do pensamento com a mudança na legislação.
O relator do projeto, Ângelo Coronel (PSD-BA), desistiu de diversos pontos polêmicos, como o aumento de pena para crimes cometidos por usuários na internet e medidas para enquadrar milícias digitais. O temor de parlamentares, tanto governistas como de oposição, era que uma mudança na lei se voltasse contra as redes ligadas a políticos no País. As plataformas, contudo, poderão ser responsabilizadas se não adotarem práticas contra a disseminação de notícias falsas.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou em suas redes sociais que a nova Lei é imprescindível para a proteção da vida de todos os brasileiros. "Precisamos entender esse universo e reconhecer que liberdade de expressão não pode ser confundida com agressão, violência ou ameaça", escreveu o senador em sua conta do Twitter.
O @SenadoFederal aprovou o texto principal do PL 2.630/2020 que vai garantir a transparência nas redes sociais e o combate às notícias falsas na internet. Cumprimento o senador @angelocoronel_, que tanto se dedicou à matéria e trouxe à tona um tema imprescindível aos dias atuais.
— Davi Alcolumbre (@davialcolumbre) June 30, 2020
Pelo texto, as plataformas digitais - como Facebook, Twitter e WhatsApp - deverão colocar em prática uma política de controle da disseminação de notícias falsas da internet. Se não houver regras, a pena pode ser advertência ou multa relativa a 10% do faturamento das empresas no Brasil - a medida que previa suspensão das atividades foi retirada.
As normas valem para plataformas com mais de 2 milhões de usuários. Essas empresas deverão barrar o uso de contas falsas e deixar claro publicamente quando determinado perfil é um robô, operado de forma automatizada. Aplicativos como WhatsApp e Telegram, por sua vez, deverão limitar a possibilidade de encaminhamentos em massa de uma mesma mensagem.
O projeto enfrenta resistência das gigantes digitais. Além de resistirem à responsabilização, as companhias argumentam que há risco para os usuários. Um dos itens obriga os aplicativos de mensagens privadas a armazenar por três meses os dados de usuários que encaminharem correntes em massa. O argumento é chegar na raiz de uma fake news em investigação judicial ou na quebra de sigilo, por exemplo.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o diretor de Políticas Públicas do WhatsApp na América Latina, Pablo Bello, afirmou que a nova lei, se aprovada, será um "presente" do Brasil a regimes autoritários. "Eventualmente, países não democráticos poderiam acessar esse tipo de informação para perseguir ativistas, jornalistas e cidadãos comuns como nós que têm uma opinião, simplesmente. Em nenhum país do mundo existe um mecanismo de rastreabilidade como se propõe nesse projeto."
Defensores do projeto argumentam, por outro lado, que apenas os metadados - uma espécie de "capa" no entorno das informações dos usuários - seriam guardados, e não os conteúdos. Para o executivo da empresa, esse nível de informação é preocupante e pode comprometer a privacidade de quem usa o aplicativo para conversas pessoais.
"O argumento de vigilância sobre usuário é falacioso e descabido. Importante dizer que isso não difere em nada do que a Justiça hoje já faz. O Whatsapp, por exemplo, muitas vezes já é compelido pela Justiça para identificar uma cadeia de encaminhamentos", afirmou o relator.
CPF laranja
Outra medida do projeto para chegar aos autores de fake news é obrigar as empresas de telefonia móvel a recadastrar e autenticar a identidade de todos os portadores de chip pré-pago, evitando o uso de CPF "laranja" - em nome de outra pessoa - na linha de celular. Em uma quebra de sigilo, por exemplo, seria possível com isso identificar quem enviou mensagens com desinformação.
Companhias do setor começaram a desenvolver um recadastramento dos números pré-pago, mas a avaliação é que a medida ainda é insuficiente para evitar o uso de CPF "laranja", o que motivou a obrigação do cadastro no projeto de lei.
O projeto autoriza as plataformas a apagar conteúdos antes mesmo de uma decisão judicial em alguns casos, como quando há risco de indução ao suicídio, à pedofilia ou ainda um conteúdo manipulado sobre a identidade de algum candidato a cargo político. A exclusão de publicações sem aval da Justiça é outro alvo de críticas ao projeto.
No caso de publicidades, as redes sociais deverão deixar claro para os usuários quando uma publicação é paga por patrocínio. "Não estamos atribuindo às redes sociais o papel de sensores ou juízes. O que pretendemos é assegurar um maior grau de transparência e objetividade, evitando que uma opinião livre sobre política, por exemplo, seja censurada", declarou Ângelo Coronel.
Políticos
Na votação do projeto, o Senado fez um movimento para restringir a atuação de políticos nas redes sociais, entre eles o presidente Jair Bolsonaro. O texto proíbe mandatários de cargos eleitos do Executivo e do Legislativo de bloquear seguidores em seus perfis nas redes sociais.
Se a proposta for aprovada, a mesma regra valerá para ministros de Estado, secretários estaduais e municipais, dirigentes de autarquias e titulares dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios. "As contas não poderão restringir o acesso de outras contas às suas publicações", diz o texto do parecer do senador Ângelo Coronel.
Direitos autorais
O relator do projeto desistiu da proposta de remuneração de conteúdo na internet. Inédita no País, a medida obrigaria plataformas de internet a remunerar produtores de conteúdo, como empresas de comunicação, por aquilo que é publicado em redes como Facebook e Twitter.
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