Uma servidora do Instituto Federal do Piauí (IFPI) denunciou um aluno por crime de importunação sexual e assédio no campus Central, em Teresina. Em nota, divulgada nesta sexta (29), a Instituição declarou que foi instaurada sindicância para apuração da denúncia.
Em um vídeo, a vítima acusou o homem de, indevidamente, ter passado a mão nas costas dela, enquanto estavam em um elevador. Em resposta, ele se defendeu e alegou que a mulher estava mentindo.
“O senhor passou a mão nas minhas costas, e não pode! Eu não estou mentindo. O senhor me respeita, porque o senhor está me desacatando, eu sou uma servidora pública federal e você está me desacatando me chamando de mentirosa. Eu tenho 27 anos como servidora pública federal, com responsabilidade a minha Instituição e não admito que um homem, quem quer que seja, passe a mão nas minhas costas, ou na de qualquer menina, ou qualquer mulher. Isso é muito grave! A violência de gênero existe!”, disse a servidora do IFPI.
Em outro vídeo publicado, o rapaz acusado apareceu algemado em uma delegacia, após a mulher ter formalizado denúncia. Ele negou veementemente as acusações feitas pela servidora do IFPI. "Fazer concurso para estudar no IFPI para a professora ter uma postura dessa daí [sic]. Vai circular o vídeo no grupo do IFPI aí, porque a postura dela... é postura de professora isso aqui?! E quando tiver as filmagens, como vai ficar a situação? Ela vai segurar o rojão? Essa atitude dela? Porque ela está se achando, professora, advogada. A postura dela é só para me fritar. É isso? Fez queixa, me trouxe na delegacia para causar todo esse transtorno para mim, e o transtorno agora como vai ficar?” questionou o aluno.
Manifestação do IFPI
Na manhã desta sexta-feira (29), o IFPI emitiu uma nota de esclarecimento pontuando que foi instaurada uma sindicância para apuração da denúncia. A instituição reafirmou o compromisso da Instituição em combater a naturalização das violências e dos abusos de poder dentro e fora das instituições de ensino.
Confira a nota na íntegra:
"O Instituto Federal do Piauí (IFPI) tomou conhecimento de uma denúncia de importunação no Campus Teresina Central. Após a formalização da denúncia junto ao Campus e seguindo a recomendação da Organização Didática do IFPI, está sendo instaurada uma sindicância para apuração da denúncia.
Reforçamos que o IFPI repudia atos de assédio e importunação e ressalta que estas práticas não condizem com as diretrizes da instituição, que preza pela ética, respeito e segurança de todos os seus alunos, servidores e colaboradores.
Reafirmamos o nosso compromisso em combater a naturalização das violências e dos abusos de poder dentro e fora das instituições de ensino.
Todo e qualquer estudante ou servidor que passar por este tipo de situação dentro do IFPI deve formalizar denúncia através da Ouvidoria, pelo telefone (86) 3131-1474 ou pelo e-mail [email protected] ou procurar a equipe multidisciplinar dos campi, formada por profissionais aptos a ouvirem e realizarem acompanhamentos necessários como forma de garantir amparo às vítimas deste tipo de situação".
Confira a nota da professora na íntegra:
Me. Rosemary Farias
Rosemary Farias, mãe, mulher, casada, servidora pública federal, participante do movimento Frente Popular de Mulheres contra o Feminicídio, venho me manifestar através dessa nota pública conjunta com a Advocacia Popular Piauiense-APP para esclarecer um lastimável fato que aconteceu comigo nas dependências de meu ambiente de trabalho-IFPI.
Relato do ocorrido
Primeiro momento – a agressão: na entrada do elevador, dia 20.09.2023, por volta das 18:40 um homem estava saindo e, ao segurar a porta do elevador, segurei de um lado e ele também. Ao invés dele sair pelo lado contrário, saiu pelo mesmo lado em que eu segurava a porta do elevador, por trás de mim, deslizando as mãos nas minhas costas com evidente intenção de alisamento de meu corpo.
Ao ser questionado por mim, por que fez aquilo: Por que tocou no meu corpo? Você não tem o direito de tocar no meu corpo, a resposta imediata dele foi “pode denunciar”. Perguntei se era servidor ou aluno, mas não obtive resposta.
Segundo momento – falando com o representante da instituição: fui para minha sala de aula. Após perceber que eu estava nervosa, os alunos perguntaram o que estava acontecendo. Relatei tudo. Chorei em sala de aula. Ao sair da sala, procurei alguém que representasse a instituição para relatar o fato. Relatei e pedi que tomasse as providências devidas. Dei as características do homem que passou a mão em mim, pois poderia ser um visitante, servidor ou aluno. O representante falou que foi uma situação muito chata, mas não tomou nenhuma providência.
Terceiro momento - gravação do primeiro vídeo: após sair da conversa com o representante da instituição avistei o mesmo homem no corredor B3 e solicitei ao representante que falasse com ele, procurasse saber quem era, se estranho, aluno ou servidor. Ele ficou conversando com o estranho. Percebendo o diálogo que parecia amigável, me aproximei e reiterei o que havia dito no elevador, que havia passado as mãos nas minhas costas. Ele poderia pedir desculpas pelo que fez, mas nesse momento ligou o celular e começou a gravar. Me ofendeu me chamando de mentirosa, de forma leviana. Indignada, respondi que não era mentirosa. Sou responsável, cumpro meus deveres como docente, sou servidora pública federal, pedi que me respeitasse. Após minha fala ele determinou: “baixe seu tom de voz”. Me senti acuada, intimidada e coagida.
Quarto momento – a denúncia: retorno para minha sala para continuar meu trabalho. Pedi apoio ao sindicato de minha categoria e, seguindo a orientação liguei para o 190, para denunciar. Acompanhada do advogado do Sindicato fui registrar BO, o homem foi conduzido para Central de Flagrantes de Gênero. Na Central de Flagrantes de Gênero o homem, produziu o segundo vídeo demonstrando que estava algemado. Não sabemos como foi permitido que ele gravasse o segundo vídeo nas dependências da Central de Flagrantes de Gênero. Com uma das mãos algemadas ele se colocou como vítima tentando inverter a situação, me acusando de estar fazendo uma coisa errada com ele, diz “ela vai segurar o rojão” e “pede para circular o vídeo nos grupos do IFPI”. Não reconhece que cometeu um comportamento passível de avaliação à luz da Lei. Ao analisar os fatos a autoridade policial tipificou a conduta como “Importunação Sexual”, confirmada pelo BO.
Quinto momento – publicação e viralização dos vídeos: Sexta, dia 22 de setembro fiquei sabendo através de amigos que fora postado e compartilhado em grupos diversos da instituição e da advocacia, viralizando os vídeos. Os dois expondo minha imagem, minha integridade moral, psicológica e da minha família.
Sexto momento – publicação e viralização dos vídeos nos portais da capital e possivelmente de fora.
Sexta, dia 29.09.2023, vários portais de Teresina replicaram os vídeos. O primeiro, editado de forma maldosa, excluindo a parte em que ele determina que eu baixe meu tom de voz. O segundo colocando-se como vítima algemada por um capricho de uma professora, incitando que o público questione o meu caráter. Essa veiculação teve o propósito de me prejudicar, atraindo internautas que fizeram comentários desrespeitosos, lesbofóbicos, manifestando etarismo, e misoginia, que é o ódio ao feminino.
Avaliação de uma mulher indignada
Toda mulher sabe distinguir quando seu corpo é tocado de forma inapropriada, reclamei na hora desse homem que absurdamente deslizou sua mão em minhas costas, poderia ter sido com qualquer adolescente ou mulher da minha instituição de ensino, mas aconteceu comigo, todo mundo conhece meu comportamento e minha seriedade na condução de minhas responsabilidades.
É inconcebível que um homem de 31 anos de idade, que está na instituição de ensino para aprender desenvolvimento de sistemas, tenha o comportamento tão aviltante de deslizar a mão nas costas de uma docente, mãe, casada e com longo trabalho prestado à formação profissional de jovens e adultos.
Eu fui levianamente atacada de mentirosa, sou uma servidora pública federal cumpridora de minhas responsabilidades, ser atacada de mentirosa foi profundamente desrespeitoso e feriu a minha dignidade profissional de quase 27 anos de serviços prestados com muito zelo, compromisso e dedicação ao ensino profissional na minha instituição.
Infelizmente esse homem maliciosamente publicou em grupos de WhatsApp da minha instituição e fora dela a indignação de uma mulher, mãe, casada há 30 anos, docente, extensionista, pesquisadora, dedicada à sua família, trabalho e estudos.
Esse homem, editou o vídeo que ele publicou, pois retirou a parte que ele se aproxima de mim e determina que eu baixe meu tom de voz. Ele não representa o público estudantil da minha instituição, não representa nossos estudantes que são respeitosos, educados e cumpridores dos deveres de estudantes, portanto esse comportamento abusivo desse homem deve ser repreendido sempre! Foi isso que fiz, estou no meu papel de docente, mulher, mãe e esposa repreendendo um comportamento abusivo de um homem que se diz estudante de sistemas e não cumpre o decoro esperado de um estudante de uma instituição que, há mais de 113 anos vem trabalhando para formar profissionais e cidadãos comprometidos com a ética e transformação social, eu faço parte dessa história há mais de 30 anos, pois fui estudante da minha instituição e sempre tratei com muito respeito todos os meus professores e colegas, dessa forma é inaceitável o comportamento desse homem que se diz estudante da minha instituição de ensino e que age com desprezo, falta de respeito e educação com a docente em pleno horário de trabalho.
Confira a nota do coletivo Frente Popular de Mulheres contra o Feminicídio
A Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio se solidariza com nossa companheira de luta Rosemary Farias, professora e mestra do Instituto Federal do Piauí – IFPI, que foi submetida a uma situação vexatória por um homem estudante daquela escola, o qual ultrapassou os limites do decoro e do respeito às mulheres, cometendo o ato invasivo de "passar a mão" nas costas da professora, quando ela ia entrando e ele saindo do elevador daquela instituição, em Teresina, estado do Piauí.
Ao ser questionado pela professora quanto à atitude de importunação, o agressor, ao invés de reconhecer o seu erro e se redimir, postou vídeos depreciativos em relação a ela, expondo sua imagem indevidamente. Para ele, tudo estaria dentro da normalidade, em que assediar mulher é totalmente naturalizado, não importa o quanto seus gestos e ações possam ter constrangido a mulher.
O modo como agiu em seguida, acusando a professora de mentirosa, se enquadra muito bem na cultura machista cultivada por uma sociedade dirigida por homens que tratam as mulheres como meros objetos de prazer e desconsideração.
Quando a professora Rosemary, ao ser chamada de mentirosa, enfatizou ser servidora pública e advogada, tentava fazer com que ele reconhecesse seu gesto invasivo e que entendesse o significado de ser servidora pública, cujo dever ético é promover e zelar por determinados princípios e comportamentos. E que, como advogada, tem a obrigação de trilhar os caminhos da justiça formal para obter reparação aos direitos das outras pessoas, mas também aos próprios direitos.
O método usado por ele é bem conhecido pelo movimento popular feminista, de que faz parte a companheira Rosemary: homens violentos passam a desqualificar a mulher quando se sentem ameaçados pelas consequências do seu próprio gesto, atitude que o enquadra como alguém confiante na impunidade.
Ele enfatizou, num vídeo distribuído nas redes sociais, que não pode ser “ferrado” por uma mulher, como se houvesse a pura intenção de prejudicar uma pessoa inocente. Inocente ele não é.
Não se trata de um garoto e sim de um homem, com mais de 30 anos, que deve ser responsabilizado pelos seus atos, inclusive pelo fato de ter exposto a professora nas redes sociais.
Somos sabedoras do impacto que certas atitudes têm sobre as vítimas. Na realidade, as mulheres são violentadas em seu dia-a-dia e quase tudo fica por conta do que chamam de reação desproporcional da mulher, quando sabemos que o corpo, seja de uma mulher, de uma menina, menino ou de um homem, é território que deve ser tratado com a dignidade que todas, todos e todes merecemos. Temos avançado nas leis e jurisprudência nesse sentido.
É nesses momentos e em outros que a sociedade tem que se posicionar, sob pena de nunca conseguirmos sair do ciclo vicioso da violência sexista e institucional. Não é possível tolerar tais comportamentos, ainda mais no âmbito de uma instituição pública.
Exigimos um posicionamento firme da direção do IFPI, que aliás, tem tido recorrentes denúncias de assédio no ambiente educacional, e que a justiça se faça no processo que começa a ter andamento, apostando sempre na reeducação das relações.
Quem atinge uma mulher atinge todas!
Representantes da Frente Popular de Mulheres contra o Feminicídio:
Ana Célia Santos
Lucineide Barros
Madalena Nunes
Norma Soely Guimarães
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