Um dos muitos desafios para os realizadores do audiovisual brasileiro, além de conseguir apoio para as produções, é garantir a exibição de suas obras nas salas de cinema. Nesse sentido, no Brasil há uma lei que estabelece a cota de tela, com percentuais mínimos de filmes nacionais que os cinemas devem exibir em sua programação. O cumprimento da norma deve ser fiscalizado pela Agência Nacional do Cinema ( Ancine ), entretanto, a realidade atual é um pouco distante do que se projeta na lei.

A cota tela foi instituída por meio da Medida Provisória nº 2.228-1/2001, que perdeu a vigência em 2021. Em 2024, com a promulgação da Lei nº 14.814, a cota foi restabelecida, determinando também que haja diversidade de títulos entre as obras nacionais exibidas.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Sala de cinema

Segundo a nova lei, um cinema que tenha apenas uma sala de exibição deve separar 7,5% de suas sessões da programação anual para filmes nacionais, o número mínimo da cota. Já redes que administram 201 ou mais salas no território nacional, devem reservar 16% de sua agenda para a exibição de filmes brasileiros, a cota máxima.

A lei também prevê que, caso haja a exibição de um mesmo filme, brasileiro ou não, que ultrapasse a proporção estabelecida, o percentual mínimo de sessões de obras nacionais também deverá ser ampliado. O objetivo é evitar que longas de grandes franquias ocupem quase todas as sessões e salas enquanto estiverem em cartaz.

Cenário local

Em Teresina, há apenas dois cinemas: o Cinépolis, que funciona no Shopping Rio Poty e pertence a uma rede nacional; e o Cinemas Teresina, operando no Teresina Shopping, em uma rede local.

O Cinépolis, com 422 salas em todo o Brasil, se enquadra na cota máxima de 16% (para cinemas com mais de 201 salas). Já o Cinemas Teresina, com sete salas, deve cumprir a cota de 9%. Em consulta a programação semanal dos dois cinemas, o GP1 verificou que que há três filmes brasileiros em cartaz no Cinépolis e dois no Cinemas Teresina.

Como fazer valer a lei

A visão majoritária dos realizadores de audiovisual brasileiros é pessimista em relação à lei. Isso porque não há muita transparência quanto a fiscalização realizada pela Ancine.

O GP1 entrevistou o realizador maranhense Weslley Oliveira , da produtora LabCine, e o produtor piauiense Fabrício Campos , da Espírito da Coisa Filmes. Eles avaliaram o cenário local e falaram como a realidade da audiência do cinema brasileiro pode ser modificada.

Foto: Reprodução
Weslley Oliveira e Fabrício Campos durante atividade em sala de aula

Para Weslley Oliveira, para além do problema de pouca fiscalização da cota de tela, há uma questão mercadológica, onde as grandes produtoras conseguem fazer chegar seus filmas nas salas de cinema por investirem mais em divulgação.

“Teoricamente, todos os cinemas deveriam, por obrigação, exibir filmes brasileiros, tem um percentual. Mas também há um problema de distribuição, essas empresas maiores, tipo Columbia, Disney, investem muito em divulgação na fase de distribuição. Algumas às vezes investem bem mais em marketing do que o valor de custo de produção, e fica uma concorrência desleal. Então, o dono da sala não tem esse entendimento de que é preciso formar público, que seria muito melhor investir e dar espaço para o cinema brasileiro e fazer com que as pessoas consumam. Assim, eles, ou não cumprem a lei, ou então colocam os filmes nacionais nos piores horários”, afirmou Weslley, cujas produções já arremataram diversos prêmios em festivais nacionais.

Foto: Reprodução
Filmagem do documentário sobre o açude Caldeirão, em Piripiri

Essa visão é compartilhada por Fabrício Campos. Ele ressalta que a Ancine tem pleno acesso a informações sobre os filmes exibidos em todas as salas do Brasil. “Os exibidores e a Ancine têm um sistema de informações sobre a programação das salas de cinema comerciais. Só que, na prática, talvez não haja uma fiscalização tão firme por parte da Ancine nesses casos, porque todo o sistema é informatizado e é a Agência que tem acesso. Também pode ser um fator comercial, das distribuidoras não se interessarem no circuito comercial de Teresina, e assim não veem muita vantagem em tentar vender um filme nacional pra uma sala daqui do Piauí. São vários fatores”, pontuou.

Como isso pode mudar

Fabrício Campos citou as distribuidoras nacionais independentes e enfatizou que as produções brasileiras têm público para encher salas de cinema. “Acho que uma forma de melhorar esse cenário seria as exibidoras apostarem e experimentarem passar filmes de distribuidoras nacionais independentes, como Vitrine Filmes ou Embaúba Filmes aqui em Teresina. Existe público, e se você oferece mais diversidade, esses filmes vão passar a ser consumidos naturalmente com o tempo”, completou.

No entendimento de Weslley Oliveira, não basta apenas fiscalizar e fazer cumprir a cota de tela, também é necessário que haja mais investimentos na produção e na distribuição das obras brasileiras. Atualmente, Weslley trabalha na produção de um documentário dobre o açude Caldeirão, em Piripiri. O filme vai retratar a vida ao redor do açude, com resquícios de memórias dos moradores e registros do início da estrutura, ainda em 1970.

Foto: Reprodução
Weslley Oliveira

“Vejo como um problema estrutural, não adianta só implementar uma lei. O dono de sala quer lucrar e não faz esforços para fazer com que o público chegue, até porque não é um papel dele, o dinheiro para distribuir tem que estar incluso na produção, tem que ter editais, o estado tem que contribuir, o setor privado, enfim, são mecanismos que envolvem outras discussões, todos os fatores influenciam para que não seja cumprida a cota de tela”, concluiu.

Cinemas de Teresina

Procurada pelo GP1 , a administração do Cinépolis destacou que cumpre a cota de tela em todo o país. “O Cinépolis reitera o compromisso com o cumprimento da cota de tela em âmbito nacional, inclusive em Teresina. No caso da nossa operação local, temos trabalhado ativamente para atender à meta estabelecida. Importante destacar que a cota de tela é calculada com base no ano, e não diariamente, o que nos permite afirmar que estamos em conformidade com a legislação vigente”, diz a nota.

Nossa reportagem também entrou em contato com a gerência do Cinemas Teresina, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.