Os donos da empresa JBS, os irmãos Joesley e Wesley Batista, gravaram uma conversa em que o presidente Michel Temer aparece dando aval para a compra do silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso na Operação Lava Jato. A informação foi divulgada pelo jornalista Lauro Jardim, do site do jornal O Globo, nesta quarta-feira (17).
Na gravação, feita em março, Temer teria indicado a Joesley o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para resolver um assunto da J&F (holding que controla a JBS). Em nova gravação entregue aos procuradores, o parlamentar foi filmado recebendo uma mala com R$ 500 mil que teria sido enviado por Joesley.
Ainda de acordo com O Globo, Joesley teria dito a Temer que estava pagando a Eduardo Cunha e ao operador Lúcio Funaro uma mesada para eles ficarem calados. Os dois estão presos — Cunha em Curitiba e Funaro em Brasília. Diante desta afirmação, Temer teria dito: “Tem que manter isso, viu?”.
Joesley e Wesley fecharam um acordo de delação premiada com a Operação Lava Jato. A colaboração também inclui outros executivos da empresa, a maior produtora de carne do mundo.
Os irmãos Batista e mais cinco pessoas da empresa estiveram, na quarta-feira (10), no gabinete do ministro Edson Fachin, a quem cabe homologar a delação, e confirmaram que tudo o que contaram à Procuradoria-Geral da República em abril foi por livre e espontânea vontade, sem coação.
- Foto: Dida Sampaio/Estadão ConteúdoPresidente Michel Temer
Encontro de Joesley e Temer
O empresário Joesley Batista esteve, no dia 7 de março, às 22h30, no Palácio do Jaburu para um encontro com o presidente Michel Temer. O dono da JBS chegou dirigindo o próprio carro e com um gravador no bolso.
Segundo O Globo, Temer e Batista conversaram por cerca de 40 minutos a sós. Todo o diálogo foi gravado por Joesley.
Num dos trechos da conversa, o dono da JBS relatou a Temer que estava dando mesada a Eduardo Cunha e Lúcio Funaro para que ambos, tidos como conhecedores de segredos de dezenas de casos escabrosos, não abrissem a boca. Temer mostrou-se satisfeito com o que ouviu. Neste momento, diminuiu um pouco o tom de voz, mas deu o seu aval:
— Tem que manter isso, viu?
Joesley afirmou aos procuradores que não foi Temer quem determinou que a mesada fosse dada. Mas que o presidente tinha pleno conhecimento da operação cala-boca.
Tanto Eduardo Cunha quanto Funaro já haviam prestado diversos serviços para o grupo J&F. Cunha, por meio de emendas em projetos de lei e pela influência que detinha no FI-FGTS, que investiu mais de R$ 1 bilhão em empresas da J&F. A mesada, de acordo com O Globo, já era dada há alguns meses.
A Polícia Federal filmou pelo menos uma entrega de R$ 400 mil para Roberta, irmã de Funaro. Para Cunha, o dinheiro era entregue a Altair Alves Pinto, seu homem de confiança. O "senhor Altair", como era conhecido, já foi apontado por Fernando Baiano como o responsável pelo transporte das propinas pagas a Cunha.
A conversa continuou e, em seguida, Joesley pediu a ajuda do presidente para resolver uma pendência da J&F no governo. Temer disse que Joesley deveria procurar Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para cuidar do problema:
— Fale com o Rodrigo.
Joesley quis se certificar do que Rocha Loures poderia fazer por ele e perguntou:
— Posso falar tudo com ele?
Temer foi sucinto:
— Tudo.
Rocha Loures foi chefe de Relações Institucionais da Vice-Presidência e é um conhecido homem de confiança do presidente Michel Temer. Após o impeachment, Loures virou assessor especial da Presidência e, em março, voltou à Câmara, ocupando a vaga do ministro da Justiça, Osmar Serraglio.
O dono do JBS então procurou Rocha Loures. Eles marcaram um encontro em Brasília — e se acertaram. "Joesley lhe contou do que precisava do Cade. Desde o ano passado, o órgão está para decidir uma disputa entre a Petrobras e o grupo sobre o preço do gás fornecido pela estatal à termelétrica EPE. Localizada em Cuiabá, a usina foi comprada pelo grupo em 2015. Explicou o problema da EPE: a Petrobras compra o gás natural da Bolívia e o revende para a empresa por preços extorsivos. Disse que sua empresa perde "1 milhão por dia" com essa política de preços. E pediu: que a Petrobras revenda o gás pelo preço de compra ou que deixe a EPE negociar diretamente com os bolivianos", diz trecho da reportagem.
O indicado de Temer ligou para o presidente em exercício do Cade, Gilvandro Araújo e pediu para que se resolvesse a questão da termelétrica no órgão. Mas, não há evidências de que Araújo tenha atendido ao pedido. Pelo serviço, Joesley ofereceu uma propina de 5%. Rocha Loures deu o seu ok.: "Tudo bem, tudo bem".
Foi marcado um novo encontro para dar continuidades às negociações, só que desta vez, entre Rocha Loures e Ricardo Saud, diretor da JBS e também delator. Eles se encontraram no Café Santo Grão, em São Paulo, e trataram de negócios. Foi combinado o pagamento de R$ 500 mil semanais por 20 anos, tempo em que vai vigorar o contrato da EPE. Ou seja, está se falando de R$ 480 milhões ao longo de duas décadas, se fosse cumprido o acordo. Loures disse que levaria a proposta de pagamento a alguém acima dele. Saud faz duas menções ao "presidente". Pelo contexto, os dois se referem a Michel Temer.
A entrega do dinheiro foi filmada pela Polícia Federal. Mas desta vez quem esteve com o homem de confiança de Temer foi Ricardo Saud, diretor da JBS e um dos sete delatores.
Esse segundo encontro teve uma logística inusitada. Certamente, revela o traquejo (e a vontade de despistar) de Rocha Loures neste tipo de serviço. Assim, inicialmente Saud foi ao Shopping Vila Olímpia, em São Paulo. Em seguida, Rocha Loures o levou para um café, depois para um restaurante e, finalmente, para a pizzaria Camelo, na Rua Pamplona, no Jardim Paulista. Foi neste endereço, próximo à casa dos pais de Rocha Loures, onde ele estava hospedado, que o deputado recebeu a primeira remessa de R$ 500 mil.
Apesar do acerto de repasses semanais de R$ 500 mil, até o momento só foi feita a primeira entrega de dinheiro. E, claro, a partir da homologação da delação, nada mais será pago.
Delação da JBS foi negociada em tempo recorde
Ao contrário das delações da Odebrecht que foi negociada durante dez meses e a da OAS que se arrasta por mais de um ano, a da JBS foi feita em tempo recorde. As conversas iniciaram no mês de março, os depoimentos em abril e na primeira semana de maio já haviam terminado.
A rapidez se explica pelo fato do que possuíam os executivos da JBS: conversas comprometedoras gravadas pelo próprio Joesley com Temer e Aécio — além de todo um histórico de propinas distribuídas a políticos nos últimos dez anos. Por duas vezes, em março, o dono da JBS conversou com o presidente e com o senador tucano levando um gravador escondido.
A PGR adotou um procedimento incomum para que as conversas não vazassem. Joesley, por exemplo, entrava na garagem da sede da procuradoria dirigindo o próprio carro e subia para a sala de depoimentos sem ser identificado. Assim como os outros delatores.
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