Governo e lideranças do Congresso costuram uma regra de transição junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) para abrir caminho à destinação de recursos na reta final do ano a obras que serão executadas só ao longo de 2021. A negociação é uma forma de aplacar a ira de parlamentares, que viram o dinheiro travado por uma norma do Ministério da Economia. O impasse acabou embolando ainda mais o meio de campo das articulações para tentar avançar na pauta econômica no fim de 2020.
O estopim foi a reclamação pública feita na terça-feira passada pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Ele protestou contra o que chamou de “apagão das canetas” devido ao rigor de órgãos de controle – a regra da Economia foi editada após uma recomendação do TCU na análise das contas de governo relativas a 2019 para que fossem reduzidos os restos a pagar (como são chamadas as despesas que passam de um ano para o outro).
Se prosperar, o acerto deve, na prática, garantir que órgãos como Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e Ministério da Infraestrutura possam empenhar (que é a primeira fase do rito de gastos e sinaliza o reconhecimento do compromisso) ainda este ano despesas cuja execução só ocorrerá em 2021, algo que hoje é vedado segundo orientações da Economia. Isso garantirá fôlego maior para esses ministérios continuarem tocando obras como a transposição do Rio São Francisco e outras apadrinhadas por congressistas em seus redutos eleitorais.
A possibilidade de entendimento animou as lideranças políticas no momento em que estão sendo negociadas votações de projetos que entrarão na pauta até o final do ano. Caso a interpretação da equipe econômica prevalecesse, os ministérios não só ficariam impedidos de comprometer os recursos este ano, mas também teriam de tirar de encontrar outras fontes de recursos para conseguir bancar o gasto com o Orçamento de 2021, já bastante apertado.
'Republicano'
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, entre as iniciativas que esbarram na norma atual do Ministério da Economia está o crédito de R$ 6,2 bilhões negociado com MDR, Infraestrutura e Congresso, sancionado na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro após remanejamento no Orçamento regular da União. Quase metade desse único crédito se refere a indicações feitas diretamente pelos parlamentares, daí a irritação. Faltando menos de dois meses para o fim do ano, ficou difícil para os órgãos atestarem que as obras ocorreriam ainda em 2020.
“Esse apagão das canetas tem prejudicado a articulação política”, disse Barros em um evento. “O deputado quer uma obra, quer que entregue um benefício, mostrar serviço para seus eleitores. Se o governo não entrega o benefício para o parlamentar, destinando recursos no Orçamento para que ele aconteça, o parlamentar não fica satisfeito. Precisamos estabelecer a relação republicana que precisa existir entre parlamentar e governo”, acrescentou na ocasião.
Na análise das contas, o TCU recomendou ao Executivo “que oriente os ministérios setoriais de que as despesas relativas a contratos, convênios, acordos ou ajustes de vigência plurianual deverão ser empenhadas em cada exercício financeiro apenas pela parte a ser nele executada, em observância ao princípio da anualidade orçamentária”. Fontes ouvidas pela reportagem destacam que o TCU expediu uma recomendação e não uma determinação, o que abre caminho para o entendimento.
Apesar dessa recomendação, nos bastidores há a avaliação de que a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, usou a orientação do Tribunal como pretexto para apertar as regras de execução de gastos. Guedes tem dito que há “ministro gastador” na Esplanada, em uma crítica velada ao titular do MDR, Rogério Marinho.
Segundo apurou o Estadão/Brodacast, a Advocacia-Geral da União (AGU) deve enviar ao TCU um questionamento para saber se a recomendação poderia ser atendida por meio da criação de um regime de transição para reduzir os restos a pagar – o que abrira caminho aos gastos que estão no centro da polêmica com o Congresso.
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