Stacey Smith pegou algumas caixinhas de chá de uma prateleira em um supermercado londrino na quarta-feira e ligou para a vizinha que tinha pedido a ela para comprá-las “Aumentou 20 centavos”, disse ela. “Você ainda vai querer?”
A vizinha falou que aceitava o aumento do preço, algo que Stacey, auxiliar de ensino e mãe solo de três filhos, não pôde fazer com as próprias compras. Depois de comprar o chá, ela foi até um Aldi, supermercado com preços mais acessíveis, para fazer as compras para sua família.
Nos últimos meses, à medida que os preços dos alimentos subiam no Reino Unido, ela reduziu o consumo de carne e passou a comer mais massas e caldos. Seus filhos pararam de frequentar as aulas de natação, ela limitou as idas deles à geladeira para fazer lanches e precisou dizer não quando eles pediram dinheiro para jogar boliche.
“Precisamos desse dinheiro para comida”, disse Stacey, que ganha 1.200 libras (cerca de US$ 1.400) por mês. “Antes, estávamos conseguindo dar um jeito. Agora estamos indo ladeira abaixo.”
Maior inflação em 40 anos
No Reino Unido, a inflação subiu para 10,1% em julho, com os preços ao consumidor aumentando no ritmo mais rápido desde 1982. Muitos britânicos, sobretudo os mais vulneráveis, que suportaram o impacto dos efeitos da inflação, se prepararam para mais sacrifícios: para dizer “não” com mais frequência aos filhos, para ir a mais supermercados em busca de descontos, para entrar nas filas dos bancos de alimentos e para abrir mão de mais coisas em relação à própria saúde.
Vários deles estão preocupados com o fato de seus líderes terem deixado o país à deriva durante a crescente crise econômica. O governo está envolvido em uma transição de liderança, com o primeiro-ministro Boris Johnson em suas últimas semanas de trabalho no escritório da Downing Street, enquanto se espera pelo anúncio de seu sucessor no dia cinco de setembro. O próprio parlamento não está se reunindo, e a temporada de férias está a todo vapor, com Johnson sendo visto na Grécia durante um fim de semana – sua segunda folga no exterior nas últimas semanas.
Enquanto isso, os residentes do país estão se esforçando para dar conta da atual situação, muitas vezes sendo forçados a fazer escolhas difíceis.
No Iceland, supermercado de preços acessíveis e cuja maioria dos produtos são alimentos congelados, Tainara Graciano, 51 anos, governanta em Londres, carregava uma cesta com duas caixas de ovos e nuggets de frango com desconto, pois tinham data de vencimento para aquele mesmo dia. Ela deixou de comprar água desde que os preços começaram a subir rápido assim.
“Ele toma muita água”, disse ela, olhando para o filho de 11 anos enquanto ele se aproximava. Então ela apontou para sua cesta meio vazia e disse: “Há cinco meses, eu levava duas dessas”.
Tudo por 1 libra
Do outro lado da rua, Arwen Joseph, 47 anos, estava comprando utensílios domésticos na Poundland, loja em que a maioria dos produtos custa uma libra.
Arwen, que está recebendo ajuda financeira do governo e às vezes recorre a bancos de alimentos, disse que tem sido mais difícil comprar alimentos saudáveis que não desencadeiam suas alergias, que lhe dão eczema grave. Por conta disso, cortou o consumo de alguns itens. “Antes a gente tomava sorvete ou bubble tea às vezes uma vez por semana”, disse sua filha de 9 anos, Georgia Gold. “Agora isso não acontece mais.”
Voluntários em bancos de alimentos dizem que foram pegos desprevenidos e agora estão tendo dificuldades para dar conta da situação conforme mais pessoas chegam pedindo ajuda.
Solomon Smith, que dirige o Brixton Soup Kitchen, no sul de Londres, que oferece refeições quentes e outros serviços de banco de alimentos para aqueles passando por necessidades, disse que o número de pessoas recorrendo ao serviço mais que dobrou nos últimos meses.
“As pessoas estão nos falando que não comem de verdade há dias”, disse ele. “Algumas delas se viram obrigadas a entrar em lojas para roubar. Outras não sabem se devem pagar suas contas de gás ou comprar comida.”
O próprio banco de alimentos não escapou do aperto da inflação. De acordo com Smith, foi preciso reduzir as refeições quentes e as compras de alimentos, além disso as doações acabaram. “Nós simplesmente não temos o suficiente para dar a todos”, disse ele, com a voz embargada. “Não sei como vai ser na próxima semana.”
Pessoas em todo o país estão enfrentando problemas semelhantes. No banco de alimentos Blackburn, no norte da Inglaterra, mais pessoas com emprego em tempo integral estão aparecendo por lá, pois os salários não acompanharam a inflação.
“As pessoas estão muito chocadas por terem que vir aqui”, disse Gill Fourie, gerente de operações do Blackburn. “Elas não têm nem gás, nem eletricidade para cozinhar”, disse ela, referindo-se ao aumento dos preços da energia doméstica que devem subir para 3.500 libras (cerca de US$ 4.240) por ano em outubro, o triplo do que eram em 2021. Entretanto, segundo ela, a instalação continua a receber apoio da comunidade.
Mesmo as pessoas que estão em situações menos vulneráveis tiveram de apertar o cinto. “Adoraria comprar algumas latas de Mutti, mas não posso pagar por elas”, disse Melanie McHugh, atriz, enquanto olhava latas de molho de tomate em um supermercado no sul de Londres. Ela disse que ia preparar shakshuka, um prato com vegetais que duraria por vários dias. E foi atrás de uma marca mais barata de molho.
Melanie, que parou de comprar manteiga, também pegou uma marca de chouriço de preço baixo. “Tenho consciência da sorte que tenho”, disse ela. “Mas também sei que meus hábitos mudaram.”
Ajuda oficial
O Governo Britânico distribuiu 15 bilhões de libras (cerca de US$ 18 bilhões) em benefícios para as famílias mais vulneráveis. Stacey disse que recebeu cerca de 300 libras este mês. Ela também estocou sabão em pó, mas disse que isso não diminuía suas preocupações. Ela começou a pensar em abrir mão do carro e conseguir um segundo emprego, como faxineira, nos finais de semana.
“Não é o que eu gostaria de fazer”, afirmou. “Mas você tem que fazer o que precisa para sobreviver.”
Ver todos os comentários | 0 |