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Rússia busca compradores para grãos pilhados na Ucrânia, alertam EUA

Diplomatas americanos alertaram 14 países, a maioria na África, que navios russos estão a caminho.

A Rússia bombardeou, bloqueou e saqueou a capacidade de produção de grãos da Ucrânia, que corresponde a 10% das exportações de trigo no mundo, ocasionando previsões desoladoras de alta nos índices de inanição e aumentos nos preços dos alimentos em todo o mundo.

Agora, os Estados Unidos estão alertando que o Kremlin tenta lucrar com o produto que saqueou, vendendo trigo roubado para países assolados pela seca na África, alguns à beira de uma crise alimentar.


Em meados de maio, os EUA enviaram um alerta para 14 governos, a maioria de países africanos, avisando-os que embarcações de carga da Rússia estavam deixando portos próximos à Ucrânia carregadas com o que um telegrama do Departamento de Estado descreveu como “grãos ucranianos roubados”. O telegrama identificou pelo nome três navios cargueiros russos suspeitos de transportar o espólio.

O alerta americano a respeito dos grãos apenas acentuou o dilema de países africanos, muitos já se sentindo encurralados entre o Oriente e o Ocidente, diante da possibilidade de se confrontar com uma escolha difícil entre, por um lado, beneficiar-se de possíveis crimes de guerra e desagradar um aliado ocidental poderoso e, pelo outro, rejeitar alimentos baratos em um momento em que os preços do trigo estão nas alturas e centenas de milhares de pessoas passam fome.

O alarme soado por Washington reforçou acusações do governo da Ucrânia de que a Rússia roubou até 500 mil toneladas de trigo ucraniano, o equivalente a US$ 100 milhões, desde que iniciou sua invasão em fevereiro. Grande parte do produto foi transportada de caminhão até portos da Crimeia, a península ucraniana controlada pela Rússia, e posteriormente transferida para navios, incluindo embarcações sob sanção ocidental, afirmam autoridades ucranianas.

África sob pressão da fome

Mas muitas nações africanas já se posicionavam de maneira ambivalente a respeito da punitiva campanha de sanções ocidentais contra a Rússia, por razões que incluem sua dependência em relação a armamentos russos, lealdades antigas da época da Guerra Fria e percepções de que o Ocidente aplica dois pesos e duas medidas. Além disso, o continente está sofrendo gravemente.

Rússia e Ucrânia atendem normalmente 40% da necessidade de trigo na África, onde os preços do grão tiveram alta de 23% no ano passado, afirmam as Nações Unidas. Na região do Chifre da África, uma seca devastadora deixou milhões de pessoas famintas, principalmente em partes da Somália, da Etiópia e do Quênia, de acordo com as Nações Unidas. Mais de 200 mil pessoas na Somália estão à beira da inanição.

Diante de necessidades tão prementes, muitos países africanos dificilmente hesitarão em comprar grão fornecido pela Rússia, sem se importar de onde venha o alimento, afirmou Hassan Khannenje, diretor do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos HORN, entidade de pesquisa com sede no Quênia.

“Não há dilema algum”, afirmou Khannenje. “Os africanos não se importam com a procedência de sua comida, e se alguém acha que eles devem sentir remorsos morais a respeito disso, essa pessoa está errada.”

“A necessidade por comida é tão grave”, acrescentou ele, “que isso não é algo que entre no debate.”

Autoridades ucranianas afirmam que a solução para a crise alimentar na África é aumentar a pressão global para pôr fim à guerra, não compras de grãos saqueados. Há uma “resposta simples”, afirmou Taras Visotski, vice-ministro da Agricultura da Ucrânia: “Acabem com a guerra”.

Visotski e outros ministros ucranianos têm acusado a Rússia há meses de roubar grãos dos territórios que ocupa na região produtora no sul do país, ação que foi descrita por uma das autoridades como um “assalto franco”. A maior parte desses grãos foi roubada de silos localizados nas regiões de Zaporizhzhia, Kherson, Donetsk e Luhansk, afirmam os ministros. “Não há mais nada o que roubar”, afirmou Visotski em entrevista.

Os russos também roubaram entre US$ 15 milhões e US$ 20 milhões em maquinário agrícola, afirmou Visotski.

A rota da pilhagem

Websites de rastreamento marítimo e especialistas que monitoram atividades de embarcações afirmaram que os navios russos, alguns sob sanções americanas desde abril, com frequência desligam seus transponders até que estejam em alto-mar, provavelmente para ocultar seu porto de partida. Mas as embarcações ainda aparecem em imagens de satélite ou são fotografadas por observadores em terra.

No mês passado, os três navios russos identificadas pelo telegrama do Departamento de Estado como transportadores de grãos roubados na Ucrânia — Matros Koshka, Matros Pozinich e Mikhail Nenashev — navegaram pelo Estreito de Kerch, que delimita a Crimeia e a Rússia, e chegaram a vários portos no leste do Mediterrâneo.

Certas vezes, os navios aportaram na Turquia ou na Síria; em outras oportunidades, segundo websites que acompanham o tráfego marítimo, seus transponders foram desligados enquanto cruzavam o Mediterrâneo, possivelmente para omitir seu destino final.

Várias autoridades estrangeiras afirmaram que os EUA lhes pediram que garantam que seus países não comprem grãos roubados na Ucrânia, em uma requisição feita em espírito de colaboração, não de coerção. No Paquistão, que está considerando comprar 2 milhões de toneladas de trigo da Rússia, uma graduada autoridade do Ministério de Relações Exteriores afirmou que os americanos sublinharam a soberania do Paquistão quando pediram ajuda.

A Turquia é foco dos esforços para rastrear os grãos roubados na Ucrânia porque as embarcações russas que partem da Crimeia passam normalmente por águas turcas. Na sexta-feira, o embaixador ucraniano na Turquia pediu que as autoridades do país investiguem a origem dos grãos transportados pela Rússia. Um porta-voz do ministério turco de Relações Exteriores não respondeu a um pedido de comentário.

Alertas americanos

Por e-mail, um porta-voz do Departamento de Estado recusou-se a comentar o conteúdo do telegrama, mas apontou para relatos dos ucranianos a respeito de roubo de grãos, assim como para “numerosos testemunhos de fazendeiros ucranianos e prova documental evidenciando o roubo de grãos ucranianos”.

“Os EUA estão trabalhando em conjunto com outros países para evitar vendas de grãos provavelmente roubados na Ucrânia”, afirmou o porta-voz.

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