Membros das forças militares da Colômbia, especialmente a polícia, estão preocupados com a possibilidade de enfrentar mudanças significativas se o candidato de esquerda Gustavo Petro ganhar as eleições em curso e se tornar presidente. Segundo militares ouvidos sob anonimato, grandes mudanças na área afetariam potencialmente a cooperação internacional das instituições colombianas para o combate ao tráfico de cocaína.
O país combate movimentos de guerrilha e tráfico de drogas há décadas. Este ano, 12% do orçamento do Estado, equivalente a US$ 11 bilhões, deve ser utilizado na área de defesa. É o segundo maior orçamento da América Latina nesta área, depois do Brasil.
Petro, um crítico do establishment militar e ex-membro da guerrilha M-19, prometeu que os militares acusados de violações de direitos humanos serão julgados em tribunais regulares, em vez dos tribunais militares. Nestes últimos, tradicionalmente são aplicadas sentenças mais leves.
O candidato também promete uma reestruturação total da polícia -- incluindo o desmantelamento do esquadrão de choque do país, muito criticado internacionalmente -- e o fim do serviço militar obrigatório para homens. “A função do exército é a defesa e a função da polícia é proteger direitos e liberdades”, disse Petro à Reuters em entrevista na semana passada.
Nos últimos anos, os militares colombianos enfrentaram um julgamento público sobre uma de suas mais notórias violações de direitos humanos, conhecido como “escândalo do ‘falso positivo’”. O escândalo trouxe à tona o assassinato de mais de 6 mil pessoas por parte de soldados, que as registravam como guerrilheiros mortos em combate para ganhar promoções.
Petro, que foi preso por 16 meses em 1985 e alega ter sido torturado pelos militares, disse que fará uma “mudança radical” no sistema de promoções no meio militar para torná-lo baseado no mérito.
Os planos do esquerdista contrastam fortemente com os do adversário nestas eleições, o empresário Rodolfo Hernández. Este promete modernizar equipamentos militares, apoiar operações conjuntas, aumentar salários e expandir o treinamento em direitos humanos.
Alguns políticos e empresários temem que uma vitória de Petro possa desencadear um motim entre os militares. A reportagem da Reuters, ouviu 11 oficiais ativos do Exército, Aeronáutica e Marinha e todos descartaram essa possibilidade.
“Quem for eleito presidente vai ter o reconhecimento de todas as tropas, do soldado mais humilde ao general mais graduado”, disse um general do Exército com 35 anos de experiência militar. “Aqueles que não estão de acordo ou se sentem desconfortáveis tem como única opção a aposentadoria”.
“Não há muito o que as forças armadas possam fazer além de cumprir as ordens (do vencedor)”, disse John Marulanda, ex-coronel do Exército e presidente da associação de oficiais militares aposentados. Marulanda comparou o cenário político da Colômbia a de outros países latino-americanos, como Argentina, Chile, Peru e México, onde líderes de esquerda se tornaram presidentes recentemente.
Petro também foi considerado “muito respeitoso” por uma fonte da polícia e um oficial do exército que conversaram pela Reuters e acompanharam o mandato do esquerdista como prefeito de Bogotá.
Agenda ambiciosa
Petro tem uma agenda longa: ele promete buscar a paz com os rebeldes do Exército de Libertação Nacional (ELN), implementar totalmente o acordo de paz de 2016 com ex-guerrilheiros das FARC e pressionar gangues criminosas como o Clã del Golfo a entregar as armas.
Com cerca de 40% dos colombianos vivendo na pobreza em 2021, Petro prometeu combater a desigualdade social e disse que não desperdiçaria recursos em armas ou bombas.
Autoridades militares ativos afirmaram que essas medidas podem levar à suspensão de algumas operações militares, estimular cortes orçamentários e de pessoal e potencialmente permitir a expansão de plantações ilegais. Para um almirante da Marinha, encarregado de combater a produção de cocaína, existe o risco do país enfrentar uma perda de território na luta contra o narcotráfico, o crime organizado e grupos armados ilegamente.
Segundo o ex-coronel John Marulanda, qualquer aumento no cultivo de coca, o ingrediente base da cocaína, pode complicar as relações da Colômbia com os Estados Unidos.
Os esforços regionais de repressão às drogas dos EUA já enfrentam resistência do presidente mexicano Andres Manuel Lopez Obrador. Recentemente, Obrador fechou uma unidade de elite que trabalhou por décadas com a Agência Antidrogas dos EUA ao alegar que ela foi infiltrada por criminosos.
Petro chamou a guerra às drogas de “fracasso completo”, dizendo que o tráfico de drogas é o resultado de oportunidades socioeconômicas limitadas. Ele defende a ideia que o governo apoie pequenos agricultores com culturas substitutas e aumentar sua renda.
A força policial da Colômbia, criticada internacionalmente pela repressão às recentes manifestações antigovernamentais, na qual dezenas de pessoas morreram, provavelmente enfrentará maiores mudanças. Petro prometeu retirá-la do Ministério da Defesa para dar um caráter mais civil, impedi-la de participar de operações de assalto contra grupos armados e desfazer o batalhão de choque, responsável pelas mortes de manifestantes.
Rodolfo Hernández, adversário de Petro, prometeu remover policiais envolvidos em violações de direitos humanos e não usar o batalhão de choque contra manifestantes, mas não falou em fechar a unidade -- como o esquerdista. “Estamos preocupados com a possível redução das operações e aumento da criminalidade enquanto eles redefinem os papéis”, disse um general de polícia experiente no combate ao tráfico de drogas e grupos armados.
Outro funcionário e Marulanda disseram que estavam preocupados que Petro tentasse estender o mandato promovendo partidários leais dentro das Forças Armadas, comparando-o com Hugo Chávez. Petro zombou repetidamente dos esforços dos oponentes para compará-lo a Chávez e disse que cumpriria apenas o único mandato permitido de quatro anos.
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