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Sob desconfiança, governo chinês amplia direitos das mulheres

Pequim muda legislação de proteção às mulheres, em meio a campanha para que famílias tenham mais filhos.

O anúncio foi apresentado nas reportagens oficiais e nas redes sociais como uma grande vitória para as chinesas. O governo determinou que reformaria pela primeira em décadas as leis ligadas aos direitos das mulheres, melhorando a definição de assédio sexual, afirmando a proibição contra a discriminação no ambiente de trabalho e proibindo formas de abuso emocional. A reação de muitas chinesas foi: será mesmo?

As revisões propostas são a mais nova série de mensagens conflitantes do governo chinês a respeito do crescente movimento feminista do país. No papel, as alterações, revisadas pela primeira vez no mês passado pelo legislativo chinês, pareceriam um triunfo para ativistas. A Lei de proteção aos direitos e interesses das mulheres só passou por uma revisão substancial, em 2005, desde a sua aprovação inicial, há quase três décadas.


O governo também enfatizou recentemente sua dedicação aos direitos da mulher ao trabalho, especialmente enquanto insiste para que as mulheres tenham mais filhos diante da aproximação de uma crise demográfica. O jornal oficial da Suprema Corte da China associou explicitamente a nova política de até três filhos a essa revisão, que definiria leis proibindo aos empregadores perguntar às mulheres se são casadas ou se planejam ter filhos.

Ao mesmo tempo, as autoridades, sempre desconfiadas de movimentos comunitários, detiveram ativistas feministas mais destacadas e buscaram controlar o nascente movimento #MeToo no país. Os processos por assédio sexual, já raros, foram arquivados. Mulheres foram demitidas ou multadas por fazer acusações. Quando a estrela do tênis Peng Shuai disse recentemente nas redes sociais que um líder do alto escalão chinês a pressionou para que fizesse sexo com ele, a atleta foi censurada em questão de minutos, e muitos temem que ela esteja sob vigilância.

As mulheres também são cada vez mais excluídas do ambiente de trabalho e devolvidas a papéis de gênero mais tradicionais desde a ascensão do líder chinês Xi Jinping. Alguns temem que a campanha de incentivo ao crescimento das famílias se torne coercitiva.

As contradições ficaram claras em um artigo recente publicado no Global Times, pertencente ao Partido Comunista, que falava sobre a luta feminista na China. Embora o artigo celebrasse as propostas de revisão da lei como “marco”, denunciava também o “feminismo assustador” e ridicularizava o “dito movimento MeToo” como nada além de outro instrumento ocidental contra a China. As ativistas feministas alertaram que não se deve atribuir grande peso a essas revisões.

Feng Yuan, fundadora do grupo de defesa dos direitos da mulher Equality, com sede em Pequim, recebeu com bons olhos a mudança por causa do seu potencial de impor às instituições “responsabilidade moral e pressão”. Mas ela destacou que a proposta não especifica punições claras para as violações definidas. Em vez disso, emprega expressões como “receberão ordens para corrigir-se” ou “podem ser alvo de crítica e educação”.

Se aprovada a revisão, a lei apresentaria a definição jurídica mais completa de assédio sexual, incluindo comportamentos como o envio de imagens explícitas indesejadas ou pressionar alguém a aceitar um relacionamento em troca de benefícios. Também há instruções para que estabelecimentos de ensino e empregadores criem um treinamento de combate ao assédio e canais para receber queixas.

A lei também definiria o direito das mulheres de pedir compensação pelas tarefas do lar em processos de divórcio, na esteira da primeira decisão desse tipo em um tribunal chinês de desquites no ano passado, quando uma mulher recebeu direito a mais de US$ 7.700 pelo seu trabalho doméstico durante o casamento.

Algumas provisões iriam além das observadas em outros países. Em particular, a proposta proíbe o uso de “superstição” ou outras formas de “controle emocional” contra as mulheres. Ainda que a proposta não entre em detalhes, as reportagens na mídia estatal disseram que isso contemplaria técnicas de manipulação, prática que a China importou dos EUA e costuma envolver gaslighting, humilhação e formas de atraí-las para o sexo. A prática levou ao nascimento de uma indústria na China, com milhares de empresas e sites prometendo ensinar tais truques, amplamente condenados pelo governo e pelos usuários de redes sociais.

Em outros lugares, a proibição à coerção emocional é mais tênue. O Reino Unido proibiu esse comportamento em 2015, enquanto nos EUA não há lei federal contra a prática.

Mas os aspectos realmente novos da lei chinesa são limitados. Muitas das provisões já existem em outras leis ou regras, mas raramente são colocadas em prática. A lei trabalhista chinesa proíbe a discriminação com base no gênero. A medida de compensação pelo trabalho doméstico foi incluída em um novo código civil que entrou em vigor no ano passado.

Ainda que a lei afirme o direito das mulheres de processar seus assediadores, a ênfase recai especialmente na autorização dos funcionários do governo para agir contra os acusados em um movimento de cima para baixo, disse o pesquisador Darius Longarino, da Faculdade de Direito de Yale, que estuda a China.

“A prioridade deveria ser um policiamento de baixo para cima, conferindo às mulheres assediadas o poder de usar a lei para proteger seus direitos”, disse ele.

É raro que as vítimas de assédio sexual procurem os tribunais. Uma análise de Longarino e outros revelou que 93% dos casos de assédio sexual decididos na China entre 2018 e 2020 foram abertos não pela vítima, mas pelo acusado de assédio, alegando difamação ou demissão indevida. As mulheres que fizeram comentários públicos a respeito de casos de assédio foram obrigadas a indenizar aqueles que acusaram.

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